* Por Vítor Antunes
Uma das primeiras canções com discurso feminista no Brasil foi gravada nos anos 1970, em plena ditadura. Nesta, a cantora Vanusa (1947-2020), dizia querer “Deixar de ser menina pra ser mulher”. Talvez este seja o sentimento que norteou esta entrevista de Yana Sardenberg: Com 32 anos de idade e 20 de carreira, a atriz falou sobre seus novos projetos – em especial “De Volta aos 15”, cuja segunda temporada tem lançamento para breve. Além deste, a artista pôde exercitar seu lado jornalista – profissão na qual também é habilitada – no filme “Stand Up”. Com muita sensibilidade, Yana também conversou conosco acerca de ter a endometriose, distúrbio das células uterinas, que, além de gerar cólicas menstruais intensas pode, inclusive, trazer a infertilidade à mulher.
O DIAGNÓSTICO DA ENDOMETRIOSE
Durante a pandemia, Yana recebeu um diagnóstico de endometriose. Diante de uma cólica fortíssima, que inclusive a fez desmaiar de dor, a artista descobriu a doença. Ela diz: “A endometriose é uma doença super silenciosa da qual as mulheres não costumam ser muito informadas e é uma questão muito importante, de que elas saibam disso”, alerta. Ao ter o diagnóstico, ela fez uma carta aberta em seu Instagram falando sobre o assunto, de modo que posto até mesmo a cianose provocada pela queda. Sardenberg nos diz que seu próximo passo é fazer vídeos na Internet a fim de conscientizar as mulheres quanto aos exames de rotina e quanto à importância do diagnóstico da endometriose “Acho importante trazer esse assunto à tona, aproveitando do fato de ser artista (…). Há muitas mulheres que vivem um problema parecido”. Yana, que possui quase 100k de seguidores no Instagram, observou ter havido uma grande procura entre as mulheres que acompanham na rede social, pedindo informações sobre o assunto. Especialmente diante do fato de a endometriose ter como uma das consequências possíveis, a infertilidade.
“A possibilidade da infertilidade é perturbadora, especialmente para gente que é jovem e tem a vida inteira pela frente. Tem mulheres que convivem com isso e podem chegar a um ponto onde não há mais retorno. Quando se descobre a tempo, com o tratamento as coisas podem ficar sob algum controle – Yana Sardenberg
Além de Yana, outras personalidades, como Anitta, a apresentadora Patrícia Poeta e a atriz Larissa Manoela também convivem com a endometriose. O Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Distrito Federal apontam que ao menos uma a cada dez mulheres brasileiras vive com a doença, que é silenciosa e dolorosa além de ser uma das principais causas da infertilidade feminina. Sobre ela, a intérprete de Moniquinha de Floribella completa: “Ao contrário da Anitta eu não precisei operar, embora a doença não tenha cura”.
Perguntamos à atriz se poderíamos publicar este diagnóstico e se ela não se sentiria exposta em razão disso. Algo que ela negou, inclusive achou que seria pertinente falar sobre o tema:
Eu acho que nós artistas, temos que mostrar nossa vulnerabilidade. Isso é o que faz com que as pessoas criem empatia e, ao mesmo tempo, sintonizem conosco. Afinal, todo mundo tem problemas. Antigamente o artista era colocado num lugar intocável, mas eu acredito, e passo essa noção para os meus alunos de interpretação, que a gente tem que tratar a nossa profissão como outra qualquer (…). Ela não é só closes, fotos e beleza. É muito mais que isso – Yana Sardenberg
Consciente de seu papel social, a atriz acha que haver compartilhado esta informação poderá ajudar mais mulheres a “encarar isso de frente”. Aliás, não apenas esta batalha. Afinal, as mulheres são acostumadas a enfrentar durezas diárias. Convencionou-se dizer que “elas matam um leão por dia”. Não lhes sendo dada a oportunidade de “descansar”. Diante de uma publicação de Yana nas redes sociais, onde ela dizia “cansada de ter medo de ser mulher”, especialmente diante do debate que ganhou as redes sociais contemporaneamente quanto aos assuntos voltados às questões das quais são vítimas as mulheres, como o feminicídio e as violências sexuais: “Quanto ao que vem acontecendo às mulheres, eu fico mais reflexiva. Sinto que tem havido uma abertura de espaços maior, especialmente quando converso com outras meninas a respeito do papel da mulher na sociedade. Eu sinto que a gente tem tido conquistas, aos poucos, mas temos ainda um longo caminho pela frente”
Esses ataques e feminicídios – que sempre existiram mas nunca foram falados – essas questões relacionadas aos feminino estão surgindo de uma forma frequente, revelam haver um lugar de ódio contra a mulher. Ao passo que eu vejo uma potência gigantesca nas mulheres, nas da minha família, nas minhas amigas e eu faço questão de enaltece-las, pois creio serem menos valorizadas do que mereciam – Yana Sardenberg
Uma observação elogiosa que Yana faz à produção do seriado “De Volta aos 15”, deve-se ao fato de sua equipe técnica ser majoritariamente feminina: “Trata-se da série com maior número de mulheres na equipe técnica. Foi um set no qual eu me senti muito à vontade. Ainda que não tivesse havido cenas mais ousadas, caso elas fossem feitas eu não me sentiria acuada, como me senti em ‘n’ situações, vulnerabilizada, sem saber o que fazer. Afinal, todas as meninas já passaram por várias situações [constrangedoras] seja na rua seja no trabalho”.
“Eu descobri que eu gostaria de ser lembrada pela minha inteligência, pelo meu talento, pelo meu carisma mais que pelo meu corpo. Tive um processo de entender que eu posso me sentir linda sem me sinta invadida por isso – Yana Sardenberg.
Yana nos disse que sua avó – que era cantora lírica e chegou a cantar com Ary Barroso – deixou-lhe uma lição que ela guarda com carinho, que é “‘nunca deixe de fazer nada por nenhum homem’. Empoderada desde sempre e ela dizia para eu ir atrás dos meus sonhos, correr atrás dos meus desejos sempre em primeiro lugar”. A avó da moça faleceu há quatro anos, mas a mensagem ficou. Quando adolescente, deixou o Méier e foi pra Barra da Tijuca. Da Barra, conquistou São Paulo. Agora, seu sonho é ganhar o mundo com sua arte – “Quem sabe não faço algo na streaming na Europa?”. Talvez se dedique a querer entender a psique das pessoas junguianamente antes disso, ou dedicar-se à arte terapia. Como dizia a abertura da novela “Máscaras“, entre as rimas de ventos e velas, a âncora no braço, dará a ela o equilíbrio necessário para saber onde aportar. A nós, falou que se voltasse aos 15, diria àquela Yana que “Não perdesse a essência, que não se adaptasse a todos e não tivesse medo de externalizar seus sentimentos”. Hoje, o mundo parece querer dizer a ela o mesmo que Cazuza (1957-1990) diria se vivo estivesse: “Vem comigo, que no caminho eu te explico”.
“DE VOLTA AOS 15” OU “DE VOLTA À YANA”
Como diria o público alvo da série, “De Volta aos 15” hitou muito. Depois de lançada, a série figurou por semanas entre os 10 produtos mais vistos da Netflix e não apenas no Brasil, mas em ao menos outros 40 países. O projeto, baseado no original de Bruna Vieira traz Maísa Silva e Camila Queiroz vivendo a mesma personagem em fases diferentes da vida. Essa linha, na qual os papeis são revezados por dois atores se estendeu a todo o elenco, de modo que Yana Sardenberg estará na nova fase da série, vivendo a mesma personagem que Klara Castanho.
Yana conta-nos que o processo de montagem da primeira fase do projeto foi mais dificultosa, em razão de haver acontecido ainda durante a pandemia. Até mesmo a interação com Klara – que vive a sua personagem aos 15 anos – aconteceu à distância: “Àquela época, a gente foi fazendo tudo por Zoom, de modo que todo o processo acabou sendo um pouco mais frio, mas ainda assim tudo deu certo e o projeto alcançou cerca de 40 países, sendo talvez o projeto mais bem sucedido da plataforma. O bom é que trata-se de uma série que não é restrita ao público infanto-juvenil e engloba toda a família”.
A atriz celebra a possibilidade de, desta vez, poder fazer o projeto à moda tradicional, relacionando-se com os colegas, e tendo perto de si a experiência do processo criativo junto à coletividade. Ela exalta a parceira: “Quando eu conversava com a Klara via internet para fazermos a primeira temporada, eu já conhecia o trabalho dela, mas não a conhecia pessoalmente. Vi que ela era muito maior do que eu havia imaginado”.
Há uma singularidade que une tanto Klara como Yana e a protagonista da série, a atriz Maísa Silva. Todas começaram muito jovens na carreira. Yana e Klara, aos 8. Maísa, aos 3. Essa temática, inclusive foi debatida entre as meninas que reconheceram entre elas, particularidades de uma carreira muito precoce – e os problemas decorrentes disto: “Elas têm um amadurecimento muito parecido, eu me vi muito representada nelas. Às vezes, parecia que eu estava fazendo não um “De volta aos 15”, mas um “De Volta à Yana”. Afinal, com esta idade eu já estava trabalhando há alguns anos, fazendo Floribella, na Band. Então, pra mim foi muito significativo atuar na série. Cada ator traz a si a memória da sua história para o seu trabalho, o que é muito lindo. Além de tudo é muito legal que eu tive essa experiência de trazer comigo o público jovem adulto que me acompanha desde a Band. E é curioso observar que eu fiz sucesso numa época em que não tinha internet. O máximo que havia era um Blackberry. Ao passo que as meninas têm uma responsabilidade muito grande, pois que são formadoras de opinião para além das redes sociais. A Maísa, por exemplo, tinha falas e atitudes muito precisas fazia parte do elenco do Programa Sílvio Santos”, pontua.
Quando “Floribella foi ao ar, em 2005, Sardenberg tinha exatamente a mesma idade que a personagem central da série da Netflix. Disse ela haver debatido com as outras atrizes a questão da emancipação, inclusive, já que a carga de trabalho a qual era exposta naquele momento já era muito intensa. A triz relata, porém, que hoje há um maior cuidado com relação ao elenco mirim do que havia em sua época:
“Hoje há uma preocupação maior, coisa que não havia antigamente. Os atores são crianças e adolescentes que não podem pular etapas. (…) Eu faltei muito a escola por conta do trabalho, me formei à base de supletivo, graduei em jornalismo À custa de muito esforça já que o fluxo de trabalho era muito grande. – Yana Sardenberg
A atriz prossegue destacando o avanço que há no cuidado ao elenco jovem, especialmente na Netflix: “Há uma preocupação no geral com tudo. A Netflix se preocupa em nos ouvir, com a nossa opinião, existe um lugar de escuta, que quando eu tinha nove, dez anos não havia. Especialmente diante da necessidade de me impor sendo mulher num ambiente machista rodeado por homens. (…) Foi em Floribella que eu comecei a entender o mercado e a me colocar nas situações.
Além da série do player americano, Yana está gravando dois filmes: Um deles, de comédia, chama “Stand Up” e traz ícones da “comédia em pé”, como Fábio Rabin, Marco Luque e Fafy Siqueira. Neste longa, a atriz vive Aline, uma jornalista “que causa”. Neste projeto, sua parceria foi com Carol Castro, com quem ela ainda não havia trabalhado. Yana diz que está “tentando explorar bastante essa veia cômica, especialmente em alguns testes que tenho feito. Valorizo a comédia por que acho que está tudo muito pesado no mundo e a gente precisa se divertir também, embora não tenhamos de deixar de observar as coisas com seriedade. Embora eu passeie muito bem pelo drama, gênero do qual já fiz muitos trabalhos, acho positivo investir agora na comédia, já que tenho um humor peculiar, sarcástico. Às vezes, eu falo umas pérolas e e de tanto as pessoas falarem eu percebi que eu tenho um chamado para a comédia”. Outro projeto próximo de estrear é “Sigo de Volta”, um longa no qual ela vive Mariana, uma menina imersa das questões das redes sociais e que por conta delas toma uma decisão extrema. O filme conta, além da própria Yana, com Lavinia Vlasak e Diogo Salles.
As redes sociais são ótimas mas também muito perigosas. A gente precisa entender que é necessário interagir. É importante o face-to-face. A gente tem que soltar do celular um pouco, por mais difícil que seja – Yana Sardenberg, atriz
NOVELAS E CINEMA
O último trabalho de Yana na TV foi “Gênesis”, novela bíblica da Record, na qual viveu a canaãense transformada egípcia Harit. A primeira experiência em dramaturgia bíblica também teve um sabor especial para a atriz, “Tivemos um estudo. A TV nos deu esse preparo. A contrário do personagem do Paulo Verlings, cujo personagem existiu de verdade, o meu não existia, foi inventado pelas autoras. Uma delas, a Raphaela [Castro] me pontuou que a personagem era muito à frente do seu tempo e eu achei isso incrível, por que Harit tinha várias nuances que me permitiram aproveitar dos seus arcos dramáticos. Sou muito grata a esta personagem que me permitiu explorar muita coisa, além de deixar claro que todas as pessoas, assim como ela, têm direito a uma segunda chance”, observa.
A atriz comenta também que o convite para a feitura desta novela se deu antes da pandemia. Quando as gravações retornaram ainda durante a crise sanitária algumas falas foram mudadas e a personagem cresceu. A atriz comemorou não apenas o aumento de importância de seu papel, mas a versatilidade que a arte dramática se aplica à vida “Está aí algo que eu acho bárbara na profissão de ator, que é a gente viver mundos que não são os nossos, bem como ter ensinamentos propostos pelos personagens”, destaca.
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