*Por Brunna Condini
O que terá acontecido a Whitney Houston (1963-2012)? Essa é a pergunta que vem com tudo assim que vemos os primeiros minutos da cinebiografia da estrela, lançada em circuito nacional nesta quinta-feira (dia 12). A tragédia que foi ter sido encontrada morta na banheira de um hotel aos 48 anos, após se afogar, com vestígios de uso de drogas, é fato sabido mundialmente. Mas após assistir ‘I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston’, brilhantemente protagonizado pela atriz Naomi Ackie, fica uma sensação de perplexidade ainda maior. A morte prematura de um dos maiores talentos do pop de R&B de todos os tempos, “a Voz”, como era chamada, nos faz questionar tantas coisas! Para além do que o mundo eternizou nos últimos anos sobre a artista, com destaque para a sua trágica morte em 11 de fevereiro de 2012, em Los Angeles, quando aguardava para assistir à cerimônia do Grammy, que aconteceria no dia seguinte; e anos depois, a morte da filha Bobby Brown de maneira similar por uma combinação de drogas e consequências de um afogamento em uma banheira, aos 22 anos, em 2015; além das polêmicas com drogas e traições do ex-marido, Bobby Brown; o que salta e fica em nós é tentar entender – se é que é possível – por que a cantora dos números incríveis: seis vezes vencedora do Grammy Award; artista número 1 na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos por nove vezes consecutivas (feito não realizado nem por Michael Jackson e os Beatles), entre outros recordes; entrou em uma jornada pessoal tão destrutiva, sem conseguir se resgatar. Alerta: esse texto possui alguns trechos puro spoiler. Viva Whitney! Viva, Whitney.
Pensar o que levou de nós a artista lendária, mulher negra, que deu seu recado na questão da representatividade, mesmo que de forma ainda tímida no seu tempo, é o que nos interessa. E já nos minutos iniciais do filme da cineasta Kasi Lemmons, identificamos que existia desde sempre um desejo geral e enorme de explorar o talento de Whitney ao máximo, sem limites. Muita gente orbitava ao redor dela, que precisava trabalhar sem parar para alimentar esse sistema. De todas as formas. Por que quis? Por que determinaram assim? Por que não soube dizer ‘não’? Por que não sabia fazer diferente? Por que só queria que a amassem? Ou por tudo isso e o ‘muito mais’ que nunca saberemos? Não pretendemos abordar aspectos psicológicos dessa história toda, porque isso já foi bem explorado e não é o foco aqui. Escolhas. Boas ou ruins, são nossas e intransferíveis. Viemos falar do filme e aproveitamos para pensar no absurdo que é carregarmos tanto ‘peso” em nós, a ponto de sucumbirmos. O que a gente não confronta, pode nos engolir completamente. Salvo as especificidades da história da cantora, fica uma boa reflexão para um começo de ano.
Ao assistir aquela mulher tão pressionada – e se pressionando – a alcançar e manter o sucesso, dá vontade de colocá-la no colo. Embora eu ache que ela não deixaria. Não parecia estar nos planos de Whitney se perder pelo caminho. A história ‘behind the scenes’, nos dá a impressão de que ela testava seus limites, mas sempre acreditando que conseguiria voltar: ao controle, aos palcos, ao topo. Queria ser amada, como todos nós. Aceita, admirada. Só sabia ser o que era: na perfeição da voz – em uma época que não se contava com tantos aparatos técnicos – e na imperfeição da sua humanidade. Está tudo no filme: a impulsividade, o espírito rebelde que convivia – e se opunha – à uma certa ingenuidade e ‘obediência’ aos pais; o peso das crenças religiosas; a omissão na direção da própria vida, o talento comovente, a força e a fragilidade. Tudo era Whitney.
Oh, I wanna dance with somebody
I wanna feel the heat with somebody
Yeah, wanna dance with somebody
With somebody who loves me”
A quem diga, que o longa não conta nada de novo sobre a estrela, só usando sua imagem para lotar salas de cinema. Por aqui, gostamos do que vimos. Cantamos o que vimos. E mais do que isso, nos sentimos dançando, a convite de La Houston, com as canções que há décadas tocam nossos corações, mas também com a intérprete que foi até onde conseguiu, lidando com sua imensa luz e sua avassaladora sombra. Com “I Wanna Dance with Somebody”, você certamente vai ‘dançar’ com muita gente que te ama, Whitney.
O filme
Faz o seguinte, vá ao cinema ver essa cinebiografia. O longa se propõe a revisitar a trajetória musical da artista, desde a juventude até o auge da carreira, e faz isso de forma emocionante. Para além da polêmica – desnecessária, já que amar é livre e falar sobre isso opção de quem vive – a respeito de sua bissexualidade e o suposto caso com a assistente de uma vida, Robyn Crawford; dos episódios envolvendo o abuso de drogas – questão de saúde que não precisava ter sido ‘massacrada’ pelos tablóides – e os escândalos envolvendo o ex-marido Bobby Brown; o que sempre permanecerá é o legado da artista, muito maior que isso tudo. Whitney foi imensa, transbordou em suas canções. E no filme de Lemmons, Naomi Ackie encontra o solo fértil para viver a estrela de forma totalmente autoral. A atriz nos faz íntimos da cantora.
Do mesmo roteirista de’Bohemian Rhapsody’, Anthony McCarten, ‘I Wanna Dance With Somebody: A História de Whitney Houston”’ é produzido por Clive Davis, que foi produtor musical da estrela. Vemos a Whitney que nasceu em Nova Jersey, cantou na igreja e aprendeu a interpretar musicalmente de forma mais técnica e refinada com a mãe, a cantora premiada com dois Grammys, Emily Houston, a Cissy; e também a jovem que descobre sua potência, como artista e como mulher. Quando confrontada por membros da comunidade negra, por ter, em sua opinião, se ‘vendido’ ao sistema branco fonográfico, ela respondeu: “Não sei cantar como negra ou como branca, sei cantar”. Ela só sabia mesmo ser.
O filme não mostra a morte da cantora. Estávamos mesmo é com saudade de ver Whitney ser. Ele termina com um momento edificante, a recriação de um show inesquecível no American Music Awards, em 1994. Na ocasião, a cantora cantou “I Loves You, Porgy“, “And I Am Telling You I’m Not Going” e “I Have Nothing”. A ideia é um tributo, minha gente. É a oferta de um pouco de fantasia antes de lembrarmos que o mundo segue sem as canções que Whitney Houston ainda poderia cantar.
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