*por Vítor Antunes
A novela “Voltei Pra Você” definitivamente não está entre as tramas de Benedito Ruy Barbosa de maior destaque. Ainda que tenha tido boa audiência há 41 anos – pois a Globo tinha uma audiência enorme – passou despercebida no que diz respeito à repercussão e só é reconhecida pelo público insider. Nunca reprisada, a novela retornará incompleta, em apenas 6 capítulos, semana que vem, no Globoplay. Em entrevista exclusiva com a protagonista, Cristina Mullins, a atriz reitera que a novela – tanto para ela como para o público – foi indiferente. “É uma daquelas novelas que a gente faz e ela não acontece, ainda que a gente se dedique. Não guardei uma memória dela. ‘Voltei Pra Você‘ foi uma novela estranha”.
Esta foi a terceira novela de Cristina com Benedito e a menos bem-sucedida. As antecessoras foram “Os Imigrantes“, da Band, de 1981, e depois veio “Paraíso”, de 1982. Escandaloso sucesso do horário das 18h. “Em ‘Paraíso‘, eu estava num núcleo de feras. Trabalhei com o Jofre Soares (1918-1996), que era muito generoso, assim como a Eloisa Mafalda (1924-2018) também. A novela dava 86 pontos de audiência. As pessoas chegaram a levar televisões para a rua para ver. Nos galpões das fazendas também foi um sucesso estrondoso. Era uma obra gostosa de atuar e isso transparece na tela”. Sobre a trama, ela fala que a sua relação com Benedito Ruy Barbosa era muito boa. “Entendia o que ele queria. As mocinhas do Benedito tinham uma vida interior forte. Falavam mais com os olhos do que com a boca. Eram conflitadas por dentro. Não tinham força para enfrentar os conflitos. E eu trabalhava bem nisso com ele”.
Inicialmente, Cristina não pretende voltar a trabalhar como atriz, ainda que isso dependa do personagem. Trabalhando como produtora de “A Tropa“, peça de Gustavo Pinheiro, dirigida por César Augusto que está em turnê nacional, tendo em Otávio Augusto, seu marido, o protagonista. No último fim de semana, a montagem esteve em Vitória (ES). “Se surgir um trabalho como atriz, faço dentro das minhas possibilidades, porque quero viajar com o espetáculo. Durante a pandemia, fiz uma participação na novela “Salve-se Quem Puder” e outras pequenas coisas. A princípio, estou só com a peça e auxilio na direção quando os diretores não podem. Faço de tudo e é como o antigo teatro de grupo. Esse grupo é bom e a turma é legal. Se ajuda, se adora. Eu sou meio que a mãe deles, que são pessoas adoráveis”, revela.
“A Tropa” celebra os 60 anos de carreira de Otávio Augusto. “O processo da escolha do texto e da direção foi todo com ele. Estamos há oito anos em cartaz e com várias temporadas no Rio, em São Paulo, e vêm tendo uma resposta positiva. A peça expõe a política, mas não toma lado. Acho que a peça expõe também um pouco o psicológico masculino da caserna, do psicológico, do vestiário. E isso revela sentimentos contraditórios no público que acompanha, se manifesta, vivencia, comenta”, pontua Cristina.
Bióloga além de atriz, ela conta sobre sua outra habilidade: “Fiquei muito tempo na minha outra profissão e comecei a fazer veterinária. Era um lado meu que eu queria e sentia falta. Sempre gostei muito de ciência, além de artes, e usei as multiferramentas e tudo se une. É o que mais mexe com tudo: com história, geografia, clima, história de utilização da área, relação urbana, antropológica. Para mim, a ciência usa tudo da arte e faz a observação da vida das pessoas”.
DE VOLTA
Os índices de novelas mais antigas sempre é muito variável. Ainda assim, para fins ilustrativos, “Voltei Pra Você” teria 36 pontos de média. “Amor Com Amor se Paga“, marcou 40. Apesar de os números não ficarem muito distantes, a repercussão da segundo foi muito maior e se deve ao protagonista vivido por Ary Fontoura, o sovina Nonô Correia. A primeira, nem personagem de destaque teve. Passou em brancas nuvens, até para seus atores. “Gravávamos externas em São João del Rei (MG). Eu ia de São Paulo para Minas e o elenco saía do Rio. Saía de São Paulo às 22h, chegava às 5h em Minas, gravava e voltava. Fazia numa boa e cheguei a gravar comercial e trabalhando em várias frentes ao mesmo tempo”, relembra Cristina. A trama se destaca por ser a primeira parceria de Benedito com Jayme Monjardim, que resultaria em “Sinhá Moça” e “Pantanal” nos anos seguintes. Também pela primeira vez, Edmara Barbosa foi colaboradora de seu pai numa novela.
Eu ainda tenho um estranhamento com as novelas novas. Acho que somos muito tropicais. O que vejo é algo cinza, marrom, um urbano fechado. Falta cor brasileira e luz nas novelas. Havia uma iluminação muito boa. Hoje as câmeras são mais sensíveis e exigem pouca luz. Sinto falta do close dramático. Também acho que o público sente falta e acha estranho. As pessoas não reconhecem mais as novelas por isso. Parece que as novelas querem deixar de ser novela. E acho que faltam autores também, são poucos hoje – Cristina Mullins
Mesmo com anos de trabalhos, Cristina não costuma se ver na televisão. “Eu sou muito crítica. A gente evolui, muda e vê as coisas de maneira diferente”, frisa. Ela também tem uma visão crítica para com a Internet e sua feira de vaidades. “Eu gosto de ficar na minha, sozinha, e por vezes temos que alimentar redes sociais. Ainda que a internet seja muito importante, ficamos presos a ela. Não sei se a gente comanda ou se ela nos comanda”, aponta.
Hoje em dia, além de cuidar da peça “A Tropa“, Cristina volta-se para a Biologia, em suas ramificações – ecologia, zoologia e comportamento animal. “Cheguei a fazer um curso na Universidade de Kyoto sobre sexualidade humana a partir dos primatas e como isso se reflete no grande primata que é o ser humano. Trabalhei como pesquisadora, cheguei a dar aula na Universidade Santa Úrsula, e fiz viagens fotográficas. Fui à África, fui à Antártica como fotógrafa de natureza”.
Inclusive, para ela, a natureza é o que mais a toca e emociona. “O que é essencial para mim é a natureza. Ela me envolve profundamente. Me angustia a destruição. Além disso, as pessoas amadas, como os atores do espetáculo. Amo profundamente a natureza e as suas inter-relações. Entrar na Amazônia, por exemplo, me trouxe o sentimento atávico de me impressionar. E é isso o que me move”.
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