Diante de um cenário assombrosamente violento que assola o Rio de Janeiro, à primeira vista pode-se estranhar que um ladrão procurado pela polícia da cidade ganhe a simpatia de grande parte das pessoas. Mas o paradoxo se sustenta por se tratar de uma ficção, na qual o criminoso em questão é protagonizado pelo ator Vladimir Brichta em “Muitos Homens Num Só”. O filme estreia em todo o circuito nacional no próximo dia 25, já carregando uma extensa legião de fãs, responsável por lhe render 10 troféus no Cine PE 2014, incluindo Melhor Filme, Prêmio do Público, Direção, Roteiro e Melhores Atriz e Ator.
O fato interessante é que o personagem criado para o longa-metragem foi baseado na história real de Arthur Antunes Maciel, mais conhecido por Dr. Antônio, um articuloso larápio que aplicava furtos em hóspedes de hotéis de luxo no início do século 20, se utilizando de diversas identidades em variadas situações. E o curioso é que, na época, ele também despertava certo fascínio pela genialidade com que aplicava seus golpes.
Dr. Antônio gerou tanto frenesi que ganhou a notoriedade dos veículos de comunicação daquele tempo, especialmente de Paulo Barreto, pseudônimo do cronista João do Rio, que escrevia sobre os fatos cotidianos do Rio Antigo. Tempos depois, o jornalista imortalizou as experiências arriscadas e inteligentes do ladrão na obra “Memórias de um Rato de Hotel”, publicada pela primeira vez em 1912 pela Gazeta de Notícias. Foi o livro que serviu como base de inspiração da diretora estreante em longas Mini Kerti para a produção do roteiro que ela assina junto com Leandro Assis. Misturando ficção com realidade, a dupla reuniu registros e personagens fictícios de outras obras do autor, com personalidades que de fato existiram, como o Dr. Antônio, Félix Pacheco (Caio Blat), jornalista fundador do Gabinete de Identificação e Estatística da Polícia, e o próprio Paulo Barreto – João do Rio (Silvio Guindane).
“Depois que li ‘Memórias de um Rato de Hotel’ há 10 anos, eu resolvi mergulhar na obra do João do Rio e encontrei contos e peças de teatro, como ‘Eva’, que inspirou a personagem feminina principal desse filme. As histórias dele são cinematográficas e não economizam na loucura, sempre com olhar ácido e revelador da realidade”, explica a diretora.
A trama do filme se pauta no romance entre Dr. Antônio e Eva, interpretada pela atriz Alice Braga. Durante uma de suas aventuras ilícitas, o malandro conhece essa hóspede com sede de descobertas, mas que tem as vontades reprimidas pelo marido autoritário, vivido por Pedro Brício.
Para Vladimir Brichta, o maior desafio do personagem foi representar uma pessoa que de fato existiu, mas sem ficar aprisionado àquela época. “O que conhecemos sobre ele está na literatura, em língua culta. Não cabia trazer isso para o filme. Então, eu tive que me arriscar, ao mesmo tempo que tive mais liberdade para compor”, avalia.
Alice descreve sua personagem como uma mulher que sonha com a liberdade e que passa a almejar essa possibilidade quando conhece o sedutor criminoso. “Sempre sinto que mudamos um pouco quando conhecemos pessoas que nos inspiram. Acho que é exatamente isso que acontece com Eva depois de conhecer Dr. Antônio. Ela enxerga nele alguém que vive a vida intensamente, desbrava o novo, observa o outro e é, acima de tudo, livre. Esses são exatamente os sonhos dela antes de conhecê-lo.”, diz.
No outro extremo desse improvável romance está a policia, sob a liderança de Félix Pacheco, um positivista que acredita na ciência como recurso para resolver crimes, vivido por Caio Blat. O ator comenta as dificuldades de compor uma figura pública conhecida, mas com poucos registros sobre sua personalidade. “Eu tinha que fazer muitas ações técnicas enquanto falava e acabei me apoiando nisso para representar. Ele está o tempo todo ocupado, mesmo quando está conversando com alguém, e isso me serviu de apoio”. O ator também ressalta a incoerência de se admirar tanto um bandido, ao contrário do seu personagem no filme. “É uma coisa saborosa a gente se apaixonar por ele e passar a torcer pelo ladrão. Ele tem inteligência, talento, malandragem e é charmoso. Ao mesmo tempo faz uma crítica contra a sociedade, pois só rouba dos burgueses. Na mentalidade dele, eram essas as pessoas que mereciam ser roubadas. Por isso a inversão ética de você o admirar tanto”, conclui.
Para Brichta, “No seu discurso havia uma rebeldia, uma afronta à hierarquia estabelecida pela aristocracia que ditava as regras da sociedade no início do século 20. Nesse discurso, ele afirmava jamais roubar dos pobres, que tirar dos ricos era uma forma de fazer justiça à exploração classista a que os pobres eram subjugados. Mas ele também era um bon vivant, que pretendia cobrir com o roubo seus prazeres. É um personagem que pertence a um passado talvez mais inocente, no mínimo visto de forma romanceada por nós”, reflete.
FICHA TÉCNICA
Direção: Mini Kerti
Direção de Fotografia: Flavio Zangrandi Direção de Arte: Kiti Duarte Figurino: Marina Franco
Maquiagem: Martín Macias Trujillo Edição: Sergio Mekler, edt Trilha Sonora: Dado Villa-Lobos
Mixagem: Rodrigo Noronha e Denilson Campos
Edição de SOM: Tomas Alem Roteiro: Leandro Assis e Nina Crintz Produção: Flavio Ramos Tambellini e Mini Kerti Produção Executiva: Julia Moraes
Coprodução: Canal Brasil
Pós-produção: TELEIMAGE
Supervisão de Efeitos Visuais: Robson Sartori
Colorista: Ely Silva
Produtora de Elenco: Marcela Altberg
Pós-produção: TELEIMAGE
ELENCO
Vladimir Brichta – Arthur (Dr. Antônio)
Alice Braga – Eva Pereira
Pedro Brício – Jorge Pereira
Caio Blat – Félix Pacheco
Silvio Guindane – Paulo Barreto
César Troncoso – Vellez
Miele – Barão
Alice Assef – Adriana
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