Vivendo suburbano em longa sobre ascensão da milícia no Rio, Juan Paiva fala dos louros que colheu pós-novela global


Após viver Ravi, de “Um Lugar ao Sol”, novela onde seu personagem ganhou relevância em razão do talento do intérprete, ele integra o elenco do filme “Um Dia Qualquer”, e vai estar ainda em “Nosso Sonho”, que conta a vida da dupla de Claudinho e Buchecha

*Por Vítor Antunes

“Um Lugar ao Sol”, novela que até março esteve sendo exibida no horário das nove, na TV Globo, foi simbólica: marcou a retomada de produções inéditas na televisão após dois anos de pandemia, além de ter sido a primeira obra daquela faixa a ser exibida inteiramente gravada. Inicialmente coadjuvante, o personagem Ravi, de Juan Paiva, tornou-se um sucesso popular que credenciou ao ator o status de astro durante o lançamento do filme “Um Dia Qualquer”, no Rio de Janeiro. No longa, Juan vive Juninho, um personagem que se alia ao filho de um miliciano e, por influência deste, passa a cometer crimes na região controlada pelo grupo paramilitar comandado por Quirino (Augusto Madeira).

Embora tenha sido criado no Morro do Vidigal, Juan Paiva salienta que haver estado na locação do bairro da Zona Norte não tornava o ambiente reconhecível: “É uma experiência nova, diferente da favela, embora tenham semelhanças. Nós andamos pelo bairro e frequentamos os lugares pra chegar o mais próximo da realidade deles. Conheci também a cultura dos ‘bate-bolas’ e o pessoal do ‘Agunia’ nos ajudou muito no preparo do personagem. O filme é o retrato de um Rio de Janeiro suburbano”.

Para construir o personagem Juninho, Juan contou com o apoio do grupo de bate-bolas “Agunia do Sapê”, agrupamento de foliões oriundos do Morro do Sapê, do bairro de Rocha Miranda, que em época de carnaval se fantasia de clóvis – fantasia que é uma versão carioca dos clowns e dos trajes de dominós de salão, que leva uma bexiga de plástico em parte do seu figurino e as bate no chão quando saem em desfile pelas ruas. Sobre o seu papel, Juan apresenta-o como sendo “um cara que é morador daquela área, que cresceu ali e naquela correria ele encontrou um brother que é o filho do ‘dono’ da comunidade, de quem ele é muito amigo”.

Rodado no bairro de Marechal Hermes, subúrbio carioca, o filme de Pedro von Krüger retrata a ascensão da milícia no Rio de Janeiro. Pedro von Krüger, o diretor, disse estar acostumado a rodar pela capital fluminense e conhecer a cidade para além do cartão postal. “Por ser cineasta. eu ando pela cidade e circulei por zonas de conflito. Quando surgiu nestes lugares os chamados “Justiceiros de bairro” ou “Polícia mineira”, termo anterior ao nome de milícia. Me chamou a atenção o fato de haver uma impossibilidade de o cidadão ter limitações no ir e vir ou o toque de recolher. Quando eu ainda era muito novo, como assistente de direção, eu encontrei um caso que me inspirou a vontade em falar desta história”.

Ao contrário do que poderia parecer óbvio, o diretor não tinha interesse em fazer uma releitura de “Cidade de Deus”. Ele diz não ter querido fazer “Um favela movie, mas um e olhar por dentro das famílias como a violência impacta a vida dessas pessoas. Então me interessei em falar o milicianismo, da injustiça social sofrida pela população negra, principalmente os ativistas – inspirado no caso Marielle, o machismo… Eu peguei todas as coisas que me incomodavam na sociedade e transpus pro filme, para que possamos refletir sobre isso e possamos evoluir”, analisa. Krüger destacou o seu elenco como sendo “da pesada”, exaltando a parceria estabelecida entre eles. Revelou também  ter contado com a consultoria do policial civil Sérgio Barata, na dinâmica de realização do filme.

Em razão da pandemia, o longa, filmado em 2018, acabou virando um produto multiplataforma, tendo sido editado e exibido como uma série de cinco episódios no canal por assinatura Space. E só encontrou espaço para exibição em seu formato original em 2022.

Além de “Um dia Qualquer”, o ator revelou-nos, em primeira mão, que as gravações de “Nosso Sonho“, filme no qual interpreta o músico Buchecha, da dupla com Claudinho (1975-2002), foram encerradas na segunda quinzena de junho e que o filme deve ser lançado em breve. O protagonismo da produção será dividido entre ele e o ator Lucas Penteado.

Juan Paiva (Foto: Marcio Farias)

Racismo nas telas e o vínculo com o Vidigal

Ainda na seara cinematográfica, Juan estrelou, em 2020, o filme “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida”, de Jeferson De, como o estudante de medicina Maurício. Tanto neste filme como em “Um Lugar ao Sol” há um ponto que une as personagens: o racismo. No primeiro e no segundo caso, são coloraturas diferentes do preconceito racial, que o ator descreve da seguinte maneira: “O racismo que o Ravi experienciou era um voltado à pessoa pobre e vista sem valor, àquelas pessoas invisibilizadas a quem sempre destinam a culpa (do mal estar social) a essa minoria, sem nenhuma razão. O que o difere do Maurício, de M8, é um outro olhar. É o incômodo que o negro que gera um negro que quer ascender de maneira justa, estudando e trabalhando. (O racista pensa) ‘a gente não pode deixar esse cara subir senão ele vai ser um problema pra nós’”.

Ainda sobre a temática do racismo, o ator vê, na favela, um lugar de comunhão na negritude: “Morando na favela eu percebo uma união entre os negros favelados e o olhar de referência que é o ‘se ele pode eu também posso’. Então, há entre nós uma ajuda mútua, de união. No fim, é só nós por nós mesmos”.

Em “Um Lugar ao Sol”, Juan Paiva viveu Ravi. O racismo sofrido por ele desencadeou toda a trama de Lícia Manzo  (Foto: Divulgação TV Globo)

Intimamente ligado ao morro do Vidigal, o ator descarta a possibilidade de deixar a comunidade onde cresceu: “Sempre me perguntam se eu tenho vontade de sair da favela e eu digo que não. É uma vivencia minha é um lugar maravilhoso para se morar as pessoas gostam de mim, me conhecem. É um lugar onde me sinto confortável. Se um dia eu sair do Morro é mais por uma questão de locomoção, mas eu pretendo manter uma casa no Vidigal, que é o meu lugar”, declara.

O trabalho em “Um Lugar ao Sol” foi definitivo. Lícia Manzo, a autora, declarou lamentar o fato de não ter podido dar mais destaque a Ravi, personagem que o ator interpretara. Juan se diz grato tanto ao papel que vivera: “Meu personagem foi ganhando outro caminho e eu fico muito feliz com a Lícia e com o Maurício (Farias, o diretor), pela oportunidade e pela confiança em terem me deixado mostrar o meu trabalho, com o qual as pessoas se sentiram tocadas. (Fazer a novela) foi muito legal, uma experiência marcante para a carreira que fui construindo. Um divisor de águas na minha trajetória que deu a visibilidade e o reconhecimento que eu busco para o meu trabalho”.

Inclusive, Ravi, mesmo sendo goiano, tem sangue do “vidiga”. O ator conta-nos que para compor o personagem contou com a sua professora de teatro do Nós do Morro, Fátima Domingues e “juntos fomos estudando as manias, os sentimentos, as razões que deram origem à honestidade e à lealdade ao amigo. O amor que ele tem transbordou, fazendo com que ele fosse abraçado pelo público, num momento em que a gente ainda estava respirando a pandemia.

“Um Lugar ao Sol” passou por todo tipo de intercorrência: Teve a estreia adiada, as gravações eram mediadas por protocolos contínuos de prevenção à Covid, foi ao ar totalmente gravada e ainda padeceu de um esticamento para que a substituta – Pantanal, atualmente em cartaz – pudesse estrear com segurança. Sobre fazer seu trabalho diante de tantos contratempos, incluindo uma crise sanitária, o ator relata: “As gravações foram difíceis, foi um momento delicado, cercado de cuidados e cautela, além de haver sido um pouco desconfortável para gravar (diante dos protocolos). Mas a equipe foi se adaptando para que tudo desse certo da maneira que a gente imaginava”.

Juan Paiva é cria do Vidigal. Como ele próprio dissera, citando Emicida, “no fim é só nós por nós”. Nós que uma cidade criou e separou a cidade da favela, o asfalto do morro e que tentou tirar a arte do pobre, que se viu tendo de inventar uma para ser vista. Ele é a prova de que a favela é uma potência criativa de talento. Uma usina movida pela força da fé. E tal como o premiado autor Geovani Martins, também do “Vidiga” apontou no best-seller “O Sol na Cabeça”, Juan, como “A grande maioria das pessoas, sentia a necessidade de não passar batido pelo mundo”. Ele conseguiu. Não passou despercebido. Seu lugar ao Sol é o território onde se reconhece como pessoa.

Juan Paiva: “A favela é o meu lugar” (Foto: Marcio Farias)

Augusto Madeira e Vinícius de Oliveira são crias do subúrbio. O primeiro é do Lins de Vasconcelos e o segundo, da Maré. Cada um teve uma exposição diferente ao poder paralelo. Madeira diz “interessar-se no tema da evolução das milícias desde quando ainda eram chamadas “Polícia Mineira”. DO ponto de vista econômico, como projeto de poder, a milícia não rivaliza com o tráfico, por que envolve outros poderes e esferas”. Ainda sobre o filme, Augusto relata ter visto no roteiro “Uma estrutura de tragédia grega, não pelo sofrimento, mas pelo fato de haver um destino traçado ao personagem. De que nada que for feito o fará fugir daquilo. E a tragédia brasileira é essa. A de viver o absurdo”. “Um dia qualquer” revela uma faceta que vem sido explorada recentemente que a de Augusto Madeira dentro de outros estilos que não o da comédia que o consagrou.

Já Vinicius de Oliveira, intérprete de um personagem de destaque na obra salienta que foi uma “preparação muito intensa, muito viva, na qual, já munidos dos personagens experimentávamos os ambientes do subúrbio, apropriando-nos da rua. Ficamos uma semana em Marechal Hermes nessa preparação”. O ator fala que após sair da Favela da Maré, onde fora criado, fixara residência em Jacarepaguá, ao lado de Rio das Pedras, que também é um bairro favelizado, e viu de perto a ascensão da milícia na área.

Juan Paiva e Willean Reis são parceiros em “Um dia Qualquer”, uma tragédia carioca de Pedro Von Krüger (Foto: Divulgação/Rogério Von Krüger)