*Por Karina Kuperman
Igor Fernandez empresta o brilho nos olhos de quem vive de arte no Brasil para seu Luan, de “Bom Sucesso”. Na trama, o personagem faz SLAM, uma espécie de poesia com performance que tem crescido nas periferias. Para aprender sobre o assunto, Igor teve aulas com MC Martina e, de cara, antes mesmo de entrar no ar, já enfrentou um enorme desafio: se apresentar no metrô. “Eu lembro quando vi no cronograma de preparação que teria que ir ao metrô rimar de verdade, fiquei com muito medo, afinal se apresentar no metrô é ter um público que não pediu e nem pagou para ver a sua arte, então as reações são sempre inesperadas”, conta ele, que já sacava de improviso. “A base que usei para ter coragem de rimar no metrô veio dos anos de apresentações com circo de rua, porque lá o esquema era parecido, eu era movido pelo calor do público. Eu fui para o metrô fazer dinheiro, lá usei poesias minhas, autorais, para ganhar o público e parece que as pessoas gostaram pois teve um dia que captei R$ 90, em quarenta minutos de trabalho. Uma pena que essa atividade esteja proibida por lei atualmente, porque conheci bons artistas da favela que geravam a renda mensal fazendo poesia, e agora estão desempregados”, lamenta.
E Igor vai além: “Eu vi de perto pessoas incríveis, artistas de rua como o Chal Enigma e a MC Martina, que viveram 100% da renda feita nos vagões do metrô com suas poesias, artistas educados e incrivelmente bons, que agora estão sem emprego porque está proibida a arte dentro do trem do metrô. Parece absurdo, mas é a verdade. São artistas que já sofrem por vir de onde vem, um lugar sem investimento, e nas brechas que eles encontram para sobreviver de algo tão lindo como a poesia, tiram. E aí, para onde esses artistas periféricos vão? A situação é a pior que eu já vi nas minhas duas décadas de vida”, analisa.
“É um momento de resistência, não só na arte como no cotidiano das minorias também. Na década em que estamos, depois de tudo o que o mundo já vivenciou parece impossível ouvir e presenciar atos que estão cada vez mais comuns. Parece que esquecem que o tradicional do Brasil é a arte do povo negro, o carnaval, o entretenimento da televisão. Ainda bem que nós, artistas, apesar de tudo ainda ‘moramos no sétimo céu’, somos sonhadores, e é muito difícil calar gente que enfrenta tudo para viver do que se sonha”, comemora.
E, para ele, quanto mais arte melhor! “Uma das surpresas foi explorar o universo do SLAM que era totalmente desconhecido por mim até então. Eu nunca tinha nem ouvido a palavra. Depois de estudar descobri que esse movimento cultural é gigantesco e tem até torneio mundial, que acontece em Paris. A Rede Globo contratou a MC Martina para me acompanhar. Além da experiência no metrô, ela me deu aulas teóricas sobre o hip hop, o movimento da arte periférica e SLAM. Isso me ajudou bastante a ter uma base real para compor o Luan. Quando comecei a frequentar os SLAMs reais aqui no Rio e em Niterói, eu preferi não me identificar como ator da Globo em preparação, e sim como mais um artista com vontade de me expressar, e fui muito bem acolhido em todas as rodas culturais que frequentei. O mais legal de tudo foi que durante o processo de estudo sobre o SLAM com a Martina, eu descobri que levava jeito para escrever poesias, então, em todas as batalhas, eu disputei com poesias autorais sobre amor, sonhos e a vida do jovem periférico. Era emocionante, sabe, de repente eu estava às 21h numa praça qualquer de Niterói cercado por jovens, em sua maioria negros de baixa renda, recitando poesias só por amor à arte. Hoje continuo frequentando, mas por conta própria. Acabei me apaixonando pelo movimento e pela força dos jovens periféricos que, apesar da vida dura, tiram um tempo para expressar o que sentem em forma de arte e poesia”, elogia.
Formado em palhaçaria, malabarismo, perna de pau e engolidor de fogo, Igor sempre sonhou em viver de sua arte. “Eu desde novo já buscava ter uma renda 100% dentro do mundo das artes, então descobri um grupo que trabalhava com circo em eventos, apresentações e na rua, e durante quatro anos tive uma formação em todas essas áreas, clown, pirofagia, perna de pau, malabares, e acabei me apaixonando pelo universo. Quando cheguei ao Rio, uma das primeiras coisas que fiz foi buscar uma escola de circo e encontrei o ‘Galpão Aplauso’, onde me dediquei em outras áreas com as quais não havia trabalhado antes, como acrobacias. Nesse meio tempo, eu também praticava balé clássico e outros ritmos de dança. Tudo isso tem um reflexo imenso na minha vida profissional, porque eu acabo conseguindo me encaixar em testes que buscam talentos específicos, muitos dos quais eu possuo e executo muito bem, mas eu garanto que sempre busquei aprender tudo isso por puro prazer, nunca foi uma obrigação fazer tantas aulas, eu sou apaixonado por tudo isso e não me canso”, conta.
Além de sua poesia, Igor tem muito mais em comum com Luan. “Eu vim do interior de Minas Gerais, de uma cidade com menos de 100 mil habitantes, filho de pedreiro e costureira, e olha só onde estou justamente porque sonhei e lutei muito para chegar. Não dá para não sonhar grande, tem que exagerar no sonho sim, e correr atrás, é claro. Ir atrás do jeito que der, inventar caminhos, superar dificuldades, e escrever a sua história. Eu mesmo já dormi em cima de sacos de cimento nas construções em que eu trabalhava aqui no Rio, quando me mudei pra cá, para poder pagar os primeiros cursos, e isso não doía tanto, porque eu só tinha um objetivo na minha cabeça e a certeza de que daria certo. Entã,o eu e o Luan dividimos, mesmo que de pontos de partida diferentes, o mesmo campo de batalha que é ser um artista independente, com uma base financeira e familiar frágil, mas que não desiste e sorri mesmo tomando várias porradas, porque sabemos que os frutos virão logo em seguida”, diz ele, que conquistou o papel na trama das 19h através do bom desempenho em outros trabalhos.
“O Fabio Zambroni, produtor de elenco da novela já me conhecia através de outras produções e também do teatro, então me convidou para fazer o teste para o Luan. A oportunidade também surge um pouco, bem pouco, da sorte. Lembro do Zambroni me dizendo que o personagem tinha um perfil parecido com o meu, então isso ajudou, mas claro que é apenas um detalhe dentre mil outras questões até de fato receber a oportunidade de desenvolver um personagem numa novela da Globo. Isso complexo, eu acredito que a oportunidade só aparece quando você está preparado pra ela, então também creio que Luan chegou após anos de estudo e dedicação em teatro, TV e cinema”, analisa ele, que, antes desse papel, já havia trabalhado em “Lia”, da Rede Record. “Foi bastante diferente. Primeiro que ‘Lia’ era uma minissérie e ficávamos praticamente cobertos pelas vestimentas dos figurinos bíblicos, então a identificação do público era mais difícil. Hoje em dia, com duas semanas de novela eu já fui parado algumas vezes aqui no Rio de Janeiro, e sempre me pedem selfie ou só chegam para me parabenizar pelo papel, eu acho muito divertido. Na internet então, é que o bicho pega! Nesse pouco tempo, as redes sociais já perdem um pouco o controle, a gente já vê os fã clubes surgindo, as pessoas shippando os casais, como Luan e Alice, e de olho nas nossas fotos pessoais! A experiência de ‘Lia’ e agora ‘Bom Sucesso’ são completamente diferentes, mas ambos foram incríveis”.
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