*Por Jeff Lessa
Entre fevereiro e maio, a atriz capixaba de Vila Velha Adriana Perin realizou um feito e tanto: ela e sua equipe não apenas lotaram o Teatro Poeira com o monólogo “Auto Eus – A Ditadura da Aprovação Social” como foram convidados pela administração a ficar mais tempo em cartaz – o espetáculo teve um dos maiores públicos no horário alternativo do teatro dos últimos dez anos. “Foi muito bonito ver tantas pessoas se identificando com essa história que levamos tanto tempo para construir, costurar, colocando nossas vulnerabilidades em jogo para falar do humano”, conta a atriz de 33 anos, que escreveu a peça com a diretora Raíssa Venâncio e com a diretora assistente, Paula Vilela. A ideia de Adriana era fazer uma pesquisa sobre as relações humanas e o quanto desejamos ser aprovados, o que acabou se tornando uma viagem de autoconhecimento, dando ao monólogo um tom confessional. O espetáculo foi enriquecido com a narração de algumas das preciosas experiências que viveu no projeto cultural Cinema no Interior, criado pelo cineasta Marcos Carvalho há mais de 20 anos, do qual participa há sete e é colaboradora assídua.
O projeto percorre o interior do país oferecendo oficinas de roteiro, fotografia e interpretação às populações de cidades que, na maioria das vezes, sequer têm salas de exibição. “No final de cada edição das oficinas, os participantes filmam com a equipe um curta-metragem”, conta Adriana que, além de atriz, atua no projeto como preparadora de elenco dos filmes – em sua maioria formado por não atores.
Algumas das experiências que mais tocaram a atriz aconteceram em 2017, quando foi feita uma edição especial do Cinema no Interior chamada Cinema Liberdade. Dessa vez, o projeto levou mais de seis meses e foi realizado em unidades socioeducativas de três cidades cearenses: Juazeiro do Norte, Sobral e Fortaleza. “Ali eu entendi muito mais sobre os meus próprios preconceitos e o quanto precisamos abrir nosso olhar, retirar os rótulos e enxergar a humanidade de cada um. A maioria dos menores que participou do projeto tem uma história de vida de carências profundas, de poucas ou nenhuma escolha”, explica Adriana. “Percebemos o quanto eles floresceram ao longo do trabalho, quando puderam conhecer talentos com que nunca haviam entrado em contato. Por pura falta de oportunidade”.
Algo que transformou a vida de Adriana foi ter acompanhado a trajetória dos meninos, entender as motivações deles, e o potencial de transformação que a arte proporciona: “Um dos meninos faz parte da nossa equipe de cinema até hoje, me emociono quando vejo o profissional sensível e competente que ele se tornou”. Histórias como essa foram levadas para o espetáculo “Auto Eus”: “Foi uma das maneiras que encontramos para falar sobre ‘enxergar’ o outro. Muita gente saía do teatro dizendo que não conseguiria olhar para pessoas nessa situação de vulnerabilidade da mesma maneira. Que bom. É a empatia e o respeito ao outro que vão nos conduzir no processo de despertar”.
A entrega de Adriana ao projeto, cuja última edição aconteceu em agosto e setembro deste ano, é intensa. Tanto que, quando volta de suas incursões pelos rincões do país, ela leva um bom tempo para se reajustar à realidade urbana. Moradora de Copacabana, um dos bairros mais agitados do Rio, ela conta que o choque é grande. “Sempre que eu volto levo semanas para entrar no eixo. Da última vez foi incrível, pois passamos 40 dias no sertão de Pernambuco, mas em cidades na margem do Rio São Francisco. Eu coloco muita energia nesse projeto. Estar totalmente aberta para ensinar e aprender é desafiador. Quando volto para o Rio, sempre tem um momento em que me dou conta dos privilégios que temos, do cobertor grosso, da escolha entre água fria ou quente, essas coisas. Também é quando eu me dou conta do tamanho do Brasil”.
Um Brasil que, na opinião dela, está carecendo de empatia: “Estamos vivendo uma inconsciência coletiva muito grande. Um momento em que políticas públicas acabam por gerar mais violência, em que questões sociais e ambientais perdem amparo”.
Pois é. E a questão da cultura? “Acredito que a cultura passa também por um grande desafio. Algumas pessoas não compreendem o quanto a arte é iluminadora, e o quanto ela multiplica. ‘Auto Eus’, por exemplo, é um monólogo. Parece ‘pouco’, só uma atriz em cena. Mas é um trabalho que gerou muitos empregos diretos e indiretos. Só a equipe tem mais de 20 pessoas. Cultura gera trabalho, afinal. Fora isso, traz luz, desperta. Considero esse espetáculo bastante político, pois fala muito do que vivenciamos hoje, dos esforços para sermos aceitos, da desigualdade que normalizamos, e questiona também a maneira como olhamos para a cultura, se compreendemos sua importância. Buscamos fazer isso sem afirmar nada. Tentamos provocar questionamentos”, conta a atriz, que também está no elenco do docudrama “Rogéria – Senhor Astolfo Barroso Pinto”, dirigido por Pedro Gui: “O filme dialoga com tudo o que falamos até agora. Fala sobre aceitar as diferenças, através do olhar de uma grande artista que sempre buscou ser inteira, jamais camuflando sua diversidade”.
O respeito à diferença, por sinal, é uma das causas mais caras à atriz. “Sou simpatizante de todas as causas das minorias. Acho muito importante fortalecer e apoiar causas sociais, independentemente de nos afetarem ou não. O momento é de dar voz ao que por tanto tempo foi silenciado. E percebo que a cada dia temos mais espaço para debater, questionar antigos padrões. Por mais que o percurso ainda seja longo, há muitas conquistas para serem celebradas”, encerra, num tom otimista.
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