Vitor Thiré, traficante em Top 10 da Netflix: ‘Ótimo ator branco interpretar bandido. Sociedade precisa ver realidade’


Bisneto de Tônia Carreto e neto de Cecil Thiré, dois ícones das artes, o ator está no recém-lançado “Intervenção” – que já está entre os mais vistos na plataforma -, no qual dá vida ao traficante Fió. “A produção me deu uma grande oportunidade, porque a quantidade de brancos que são do mal é enorme e a sociedade só vê nas telas personagens ligados a atores negros e que revelam, muitas vezes, o racismo na profissão, além do que já existe no dia a dia.” O filme de Rodrigo Pimentel, roteirista e criador da franquia Tropa de Elite, é inspirado na vida real e acompanha a história de dois policiais honestos que começam a trabalhar em uma UPP em uma favela do Rio. A dupla aceita o posto por acreditar que pode fazer a diferença na vida dos moradores das comunidades, tudo isso enquanto combatem o narcotráfico e as organizações criminosas. Vitor é também o ativista André em “Aruanas” e empresta sua voz na vida real para as causas ambientais

Vitor Thiré, traficante em Top 10 da Netflix: 'Ótimo ator branco interpretar bandido. Sociedade precisa ver realidade'

* Por Carlos Lima Costa

Vitor Thiré, 28 anos, faz parte da quarta geração de uma das mais importantes famílias de artistas brasileiros. “A gente se apaixona quando pisa no palco. Esse é um dos maiores legados que eu levo dessa família”, enfatiza o bisneto de Tônia Carrero (1922-2018), ícone do cinema, da TV e do teatro do nosso país. Além do amor pela profissão, ele considera relevante não só como cidadão, mas como artista, usar sua visibilidade para alertar e defender causas e minorias. E comemora a chegada à Netflix do filme Intervenção – que já está entre os mais vistos na plataforma, no qual dá vida ao traficante Fió. “Achei ótimo a produção aprovar um ator branco para interpretar um bandido, porque a quantidade de brancos que são do mal é enorme e a sociedade só vê nas telas personagens ligados a atores negros e que revelam muitas vezes o racismo na profissão, além do que já existe no dia a dia. O filme é inspirado na vida real e na ação das Unidades de Polícia Pacificadora do Rio (UPPs) e as inúmeras vítimas desse sistema nas comunidades”, comenta. O longa acompanha a história de Larissa e Douglas, dois policiais honestos que começam a trabalhar em uma UPP em uma favela do Rio de Janeiro. A dupla aceita o novo (e perigoso) posto por acreditar que pode fazer a diferença na vida dos moradores das comunidades, tudo isso enquanto combatem o narcotráfico e as organizações criminosas.

O ator encontrou sinergia perfeita também com seu mais recente personagem na televisão, o ativista e advogado André, nas duas temporadas da série Aruanas. O neto do ator Cecil Thiré (1943-2020) é um defensor das causas ambientais. “Sempre me incomodou e fui preocupado com a questão do que o lixo tem provocado na natureza. A série potencializou o meu envolvimento com a sustentabilidade e falar, especificamente, do ativismo ambiental realmente me encantou. Como artista, posso usar minhas plataformas para  potencializar um grito do que está errado. Salvar o mundo, o planeta, parece uma utopia, mas a gente precisa se manifestar, não tem como dar as costas para o que está acontecendo, principalmente na Amazônia”, analisa o filho dos atores Luisa Thiré (com ela, Vitor atuou em Desenrola Aí, série do Multishow, e no filme Desenrola) e Luiz Nicolau, que se separaram quando ele tinha somente 10 meses.

E acrescenta do que se deu conta logo ao gravar a primeira temporada na Amazônia. “Em Manaus, o que eu percebi primeiro é que somos pequenos perto dessa floresta gigante, sabe, a gente tem que ter noção da pequenez do ser humano diante dessa imensidão da natureza. E o desmatamento é uma tristeza horrorosa, está tirando um pedaço da gente. As pessoas precisam entender que sem árvores a gente não respira”, frisa.

Na série Aruanas, Vitor interpreta o advogado e ativista André (Foto: Karen Gadret)

“Achei ótimo aprovarem um ator branco para fazer bandido, porque a quantidade de bandido branco que tem é enorme e as pessoas precisam ver isso”, assegura Vitor (Foto: Karen Gadret)

E reforça sobre o papel que o artista deve ter se colocando no lugar de fala  nos mais diferentes assuntos. “Temos que ter essa noção de que a gente tem uma responsabilidade social enorme independentemente do número de seguidores nas redes sociais. E isso é muito delicado, porque se alguém que tem milhões de seguidores, pensa de forma equivocada, ainda mais hoje em dia nesse mundo polarizado, a chance dessa pessoa influenciar de forma negativa é enorme. Então, precisamos ter noção do papel que temos na sociedade. Como artista, precisamos levantar pautas, dar voz a essas bandeiras. Estou cada vez mais atento a todas as questões. Acho que está vindo uma geração, uma galera com outra pegada, com outra cabeça. Temos que parar com esses preconceitos como o racismo, a homofobia”, defende o sobrinho dos atores Carlos Thiré e Miguel Thiré, e de João, músico e produtor musical.

Namorado da atriz Alice Maria, de 25 anos, ele analisa a questão do machismo muito presente na sociedade: “O primeiro passo é olhar para dentro e reconhecer atos machistas e saber mudar. Falar ‘não, não sou, imagina’, é uma ignorância. A criança que acabou de nascer é absolutamente pura. Aí a primeira coisa que ela vai aprender e absorver, o que é uma crueldade imensa, é esse machismo estrutural. Depois que ela vai entender que isso daí está errado. Então, procuro sempre falar sobre o tema com a minha namorada. Tem horas que eu nem reparo e ela fala: ‘Você foi machista.’ E tem toda razão. Hoje, tenho essa consciência. Cabe a gente entender, ouvir e estar aberto para mudar”, ressalta.

"O desmatamento é uma tristeza horrorosa, está tirando um pedaço da gente. As pessoas precisam entender que sem árvores a gente não respira”, ressalta Vitor (Foto: Karen Gadret)

“O desmatamento é uma tristeza horrorosa, está tirando um pedaço da gente. As pessoas precisam entender que sem árvores a gente não respira”, ressalta Vitor (Foto: Karen Gadret)

Ao lado do pai, que também é cantor, fez parte do extinto grupo Inimigos do Rei e, atualmente, está em cena no espetáculo Copacabana Palace – O Musical. Vitor começou cedo, aos seis anos atuando na peça O Casamento da Dona Baratinha, com direção de Karen Acioly. Talvez por isso mesmo, em momento algum sentiu o peso do sobrenome da família, cobranças e nem teve receio de comparações com os desempenhos da bisavó ou do avô. “Justamente pelo fato de que a nossa família sempre foi muito aberta com todo mundo. Sempre fui livre para seguir a trajetória que eu quisesse, mas com muito estudo. E cobrança nunca existiu. Muita gente que vê de fora acha que tem. E eu procuro deixar bem claro que ali, na hora H do gravando ou em cima do palco, sou eu que estou atuando. Então, essa cobrança de levar o sobrenome, de ter que ser igual não existe”, comenta.

E ressalta o carinho e acolhimento que recebe das pessoas quando descobrem que ele é bisneto de Tônia e neto de Cecil. “É maravilhoso. É sempre com brilho no olho, elogiando muito, então, eu que sou da quarta geração, acho delicioso ver o quanto as pessoas elogiam com sinceridade. Mariinha (apelido de Tônia) era realmente poderosa”, acrescenta.

Muitas são as lembranças. “Ela faleceu em 2018 e meu avô há um ano. O que mais ficou foi todo o legado artístico e da família. Comemorei muitos aniversários na casa dela, que adorava receber. Era sempre uma festa, uma farra. Eu adorava a casa dela cheia de gente, todo mundo alegre. Guardo muito essa memória. A época do Natal é a que mais dá saudade, porque era um momento realmente que todo mundo se via na casa de minha bisavó”, recorda ele, cuja irmã Juliana, também é atriz.

Vitor lembra que a bisavó acompanhava a sua atuação em Malhação – Casa Cheia. Tanto dela quanto do avô ouviu conselhos. “Eles me falaram palavras que guardo no meu coração. É o maior tesouro, valiosíssimo, sabe, mas no geral falaram para ser muito natural e não desistir, que não é uma carreira fácil. Apesar de ser dificílima é uma profissão linda”, comenta Vitor.

Com seis anos, quando estreou no palco, aquilo ainda era algo lúdico. Depois, aos 11, ingressou no Tablado. “Entre os 12 ou 13 anos foi quando tive certeza de que esta seria a minha profissão”, conta ele, que aos 14 já estava na TV participando de Filhos do Carnaval, série da HBO.

“Achei ótimo aprovarem um ator branco para fazer bandido, porque a quantidade de bandido branco que tem é enorme e as pessoas precisam ver isso", assegura Vitor (Foto: Karen Gadret)

Na série Aruanas, Vitor interpreta o advogado e ativista André (Foto: Karen Gadret)

Em termos de personalidade, Vitor era mais tímido. “Ao mesmo tempo que em algumas situações sou um pouco mais reservado, eu me considero bem irreverente, brincalhão, uma pessoa engraçada. O meu lema de vida é alegria. Eu procuro sempre estar pra cima. O tempo passa tão rápido que se a gente ficar remoendo, sofrendo não vale a pena, então, me considero realmente um cara pra cima, alegre, divertido, irreverente”, explica ele que deixou a casa da mãe há cinco anos. “Ela é tudo na minha vida, muito engraçada, acho que peguei essa parte do humor dela misturado com o do meu pai. E o amor que ela tem pelo teatro contagia a gente todos os dias”, finaliza.