*por Vítor Antunes
No ar na novela “Vai na Fé”, na Globo, Vitor Thiré é fruto de uma dinastia de atores exponenciais da História teatral brasileira e sentiu na pele muito cedo o que uma fake news é capaz de provocar em sua família. Em 2015, um veículo de comunicação publicou que Tônia Carrero, a grande dama das artes e bisavó do ator, havia falecido, o que não era verdade. A atriz morreu três anos após o absurdo de anunciar uma morte sem checar com a família, Um de seus tios, que estava em viagem, foi o último a ter acesso ao desmentido daquele fato, o que, em suas falas, gerou “um grande estresse e nervosismo”. Ainda sobre a internet, ator ressalta o papel dos jovens artistas nas redes sociais e como estes vêm conseguindo se diferenciar a partir de um discurso potente. Porém, pondera sobre a influência que estas podem ter nas seleções de elenco: “Tenho cada vez mais tentado entender como esse universo funciona a ponto de impulsionar ou não uma carreira”.
Um dos trabalhos recentes e de destaque de Thiré foi “Intervenção”, no qual viveu um traficante. Por ser branco, transgride a expectativa dos favela-movies, que costumam trazer homens pretos nos papéis marginalizados. Para o intérprete de Fió, “o caráter não tem cor”. O longa de Caio Cobra é “inspirado na vida real e na ação das Unidades de Polícia Pacificadora do Rio (UPPs) e nas inúmeras vítimas desse sistema nas comunidades”.
Aos atores, atualmente é exigida uma presença contínua nas redes sociais. Contínua e ativa. Há aqueles que são chamados ao trabalho de acordo com a quantidade de seguidores que possuem nas plataformas. Vítor, opta por uma linha mais low-profile, ainda que não deixe de postar conteúdo nas suas redes. “Não sou uma pessoa que fica postando o que faz 24h por dia, mas tenho cada vez mais tentado entender como esse universo funciona a ponto de impulsionar ou não uma carreira”. Sobre haver um número cada vez maior de jovens produzindo conteúdo, para ele é “algo incrível, mas não é todo mundo que consegue cair nas graças do público. Acho engraçado, e ao mesmo tempo, um tanto perigoso, porque não dá para se pautar a vida exclusivamente nisso. Há muito mais vida para além dos stories”.
Nesta entrevista, Thiré também aborda a importância do referencial familiar e como ser neto de Cecil Thiré (1943-2020), bisneto de Tônia Carrero (1922-2018) e filho de Luisa Thiré impactou em sua carreira. O artista está de volta à novela das 19h, que tem repercutido muito positivamente tanto na crítica como em audiência, na qual interpreta Lucas, um jovem ator. Além de Thiré, Christiane Torloni e Renata Sorrah vivenciam a metalinguagem na novela de Rosane Svartman: são atores que interpretam atores.
VIDA, CENA, ARTE
Sabidamente, Tônia Carrero é um dos principais nomes da história do teatro brasileiro. Nos idos dos anos 2000, em razão de conviver com a hidrocefalia aguda, precisou recolher-se dos palcos. Em tratamento contínuo por conta da doença, passou a ser alvo, na década seguinte, de recorrentes fake news acerca da sua saúde por duas vezes. A primeira delas, a mais grave, decorreu em junho de 2015, quando um veículo de comunicação publicou o falecimento da atriz. Depois, em 2016, quando esteve internada por conta de uma pneumonia, notícias como esta tornaram a circular. Sobre este caso, Thiré relembra: “A notícia falsa chegou primeiro. É algo que ninguém gosta de passar, e aconteceu antes de toda a onda de fake news”.
Da sua bisavó, o ator comenta as memórias sublimes que tem dela. “São várias, na verdade. De vários momentos, festas, natais. Inclusive, gosto de natais até hoje por conta disso. Eram os momentos mais alegres do ano. Mas o que gosto de lembrar mais é dela fazendo carinho no meu pé enquanto víamos filme juntos. Era a melhor massagem do universo”, diz, saudoso.
Em 1981, na novela “Baila Comigo”, Manoel Carlos, em sua trama solo às 20h escreveu uma personagem especialmente para Fernanda Montenegro: Sílvia Toledo, uma ex-atriz que abriu mão dos palcos mas que, mesmo na vida real, não sabia deixar distante a afetação do teatro. Algo semelhante acontece com Wilma Campos, personagem de Renata Sorrah, que usa diálogos do teatro entremeados com falas cotidianas. Em “Vai na fé”, Vítor Thiré, diante da primeira cena com Sorrah destacou o quanto ela o ensina. “O que se aprende só de observá-la, realmente não tem preço. Que honra a minha e que privilégio poder estar em cena com Renata!”, disse.
Para o jovem ator, que tal como Renata, interpreta um artista das artes cênicas na novela, “lidar com a metalinguagem para mim é maravilhoso, especialmente poder estar no mesmo núcleo que ela. Nossos personagens citam trechos de filme, teatro e peças, trazendo para o público o crème de la crème da arte. Lucas – o ator que interpreto – é o que mais se parece comigo. Sempre fiz personagens mais distantes da minha vida, e isto é algo que amo, mas nunca experienciei alguém tão próximo a mim como ele, ainda que, naturalmente trate-se de uma composição”. Conta-nos Thiré que o papel que interpreta, além da profissão em comum, também, assim como ele, transforma-se em assistente de direção.
A novela brinca com isso, com as multilinguagens, ao falar de teatro na televisão, ao citar cinema na TV e especialmente quando coloca um personagem vivendo outro personagem, o que é algo maravilhoso – Vítor Thiré
Em “Vai na Fé”, Vítor retoma a parceria com Rosane Svartman, com quem fizera o seu primeiro papel importante no cinema. Algo noticiado em entrevista à jornalista Heloisa Tolipan ao Jornal do Brasil, em 2010. Naquela ocasião, Svartman divertiu-se ao falar que tanto Thiré como seu companheiro de cena, Lucas Salles reproduziam o comportamento de seus personagens – Boca e Amaral – e brincavam com as lanternas de laser apontando-as para um prédio de tal modo que os vizinhos, reais, queixaram-se disto, tal como os ficcionais. “Os adolescentes são empolgados, dedicados, mas irrequietos”, afirmou ela, há 13 anos, sobre os atores. Acerca deste longa, o ator de 30 anos diz que ele “foi onde tudo começou. Há quem me reconheça por este filme até hoje. Svartman sabe do universo do jovem como pouquíssimas pessoas. É um presente esse encontro com a Rosane”.
Além da felicidade por haver reencontrado a autora que esteve presente em seu primeiro grande projeto, outro privilégio de Thiré diz respeito à sua família. Seus pais são os atores Luísa Thiré e Luiz Nicolau. É sobrinho dos também atores Miguel e Carlos Thiré, neto de Cecil Thiré (1943-2020) e bisneto de Tônia Carrero (1922-2018). Perguntamos ao artista se ele se sente pressionando por haver escolhido tal profissão num seio familiar tão artístico. Diz ele que “nunca tive um tipo de cobrança, ou pelo menos não explícita. A maior demanda nesse aspecto era minha para comigo mesmo. Mas, claro, não posso negar que, por fazer parte deste seio familiar, em algum momento tentei não decepcioná-los. Mas, ao mesmo tempo, na hora do gravando, ou no palco, não há outras pessoas. Eu preciso fazer o meu nome e por mim mesmo”.
Não tenho como apagar essa referência. Só agradeço e tenho o maior orgulho do mundo em estar neste seio familiar. Às vezes eu percebo algum julgamento, uns olhares à distância, mas a contrário há sempre quem nos elogie – Vitor Thiré
REVOLUÇÃO
Além de “Vai na Fé”, Vítor pretende voltar ainda neste ano, no segundo semestre, com a montagem de “O Alienista”, peça que estava em cartaz no ano passado e foi interrompida em razão de um de seus protagonistas, Rômulo Estrela, estar no ar em “Travessia”, também num papel de destaque. No teatro, em 2018, o ator foi um dos 37 atores que compuseram o elenco do clássico de Raul Pompéia (1863-1895), “O Ateneu”. Na encenação dirigida por Oberdan Junior, um grupo de alunos protesta, no início do Século XX, de modo a depor um diretor repressor, Aristarco. É possível associar esses movimentos populares aos atuais? Para Vítor, é algo como reza o dito popular: “É ‘a união faz a força’ mesmo. Tanto que precisamos lutar pela democracia. A peça de 2018 mostrava muito essa força do coletivo, que é capaz de promover grandes mobilizações. E não apenas isto. A peça foi uma das que mais me exigiu, pois foi o processo mais longo que passei. E foi muito lindo perceber essa noção de grupo, do querer estar junto de se estar coletivamente pensando numa peça com tanta gente em cena, sem patrocínio, e gastando mais do que ganhando”
Eu acredito na transformação da arte e no poder da coletividade – Vitor Thiré
Sobre o bom uso das redes sociais, o ator acredita que seja importante já que é “uma juventude que vem com tudo, além de uma galera preta que finalmente está ganhando espaço e oportunidades”. Vítor também comemora o fato de jovens estarem assumindo “as rédeas de bons personagens aos 20, 30 anos”. Com efeito, não era muito comum, especialmente na televisão, protagonistas nesta faixa de idade, senão em “Malhação”, novela teen extinta em 2020.
Um dos livros biográficos escritos em homenagem à Tonia Carrero chamava-se “Movida pela Paixão”, e foi redigido por Tânia Carvalho. Lançando mão desta frase, perguntamos ao bisneto da diva qual a paixão que o move. “Eu ia falar o amor e a arte, e isso com certeza me move, mas o meu combustível mesmo é a minha família. Para mim, nada é mais importante, definitivamente”, finaliza.
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