*por Vítor Antunes
Por vezes o uso da a palavra “galã” implicou em alguma reserva junto aos atores por não quererem ver a si vinculados ao estereótipo do heroi-a-todo-preço. Bem como, a beleza também costuma estagnar os artistas a um certo tipo de personagens. Este, definitivamente, não é o caso de Vítor Hugo. O ator, que edificou sua carreira especialmente na Record, que lhe conferiu os melhores papeis da carreira, está fora da emissora – e do Brasil – desde 2017. De lá pra cá acabou por solidificar uma profícua carreira em terras portuguesas. Na TVI, uma das grandes emissoras daquelas bandas, fez uma novela por ano e grava atualmenete o sétimo folhetim, “Cacau”, onde interpreta um papel de destaque. Seu personagem é brasileiro, chama-se Valdemar, e esconde um passado misterioso que envolve não apenas a si, mas à sua esposa, Francisca (Christine Fernandes) e a própria protagonista, Cacau, vivida por Matilde Reymão. Ainda que conte com os atores brasileiros citados e outros dois, Adriano Toloza e Vítor Britto, a novela ainda não tem previsão de ser exibida no Brasil. Deve estrear na terrinha ainda no primeiro trimestre do ano que vem. De Portugal, o ator deu-nos esta entrevista exclusiva, após alguns anos sem conceder entrevistas robustas a veículos nacionais.
Vítor também faz coro junto aos outros atores que reclamam sobre o não pagamento devido de direitos conexos. Segundo ele, trata-se de algo que “sempre foi feito pelas TV’s em até dado momento de forma mais transparente, em especial através da Record, que dedicava-nos uma porcentagem nas reexibições. Hoje, quando se trata de exibição e em solo brasileiro é uma equação mais simples de se compreender, mas quando há vendas para o exterior, não. Não sabemos sequer por quanto o trabalho foi vendido, nem se o que nos é de direito [está em valores justos] . E esse é algo que só piora, infelizmente”. Por anos na Record, o ator relembra um dos seus personagens pelo qual tem grande afeto: O Picasso de “Pecado Mortal”, novela de Carlos Lombardi, que de tão transgressora nem parece ter sido exibida por aquela casa. Um nucleo de bicheiros, um núcleo de bordel, vários descamisados, muita sensualidade, e, no último capítulo a revelação que o personagem de Vítor, o policial homônimo ao pintor espanhol, era gay e apaixonado pelo protagonista da novela: “Sucesso é o que se sucede”, filosofa. E prossegue: “Há ali uma novela de realidade e um texto incrível. Para mim um dos meus textos melhores da minha vida, mas cujos números de audiência não refletiram [à qualidade da trama]”.
Sobre as manifestações xenofóbicas de portugueses a brasileiros – o movimento “Fora Zucas” – que acontece de maneira contumaz em Portugal, Vítor é cuidadoso. Não nega que exista, mas diz não haver vivido nada assim: “A Portugal sou grato por terem acolhido a mim e à minha família”
CORAÇÃO NAVEGADOR
Em 1981, quando escrevia a novela “Baila Comigo“, trama com importante núcleo em Portugal, Manoel Carlos usou do personagem João Victor (Tony Ramos), que foi criado naquele país, para falar de uma tipificaçãao línguística que seria utilizada em Portugal em tempos mais remotos. De que eles grafavam algumas palavras em maiúscula. Não aquelas que nós fomos convencionados em grafar em caixa alta, como os nomes próprios. Mas palavras comuns, como Destino, Amor, Morte e Desgraça, por exemplo. “Sofisticado recurso para intensificar o sentido dramático das palavras”, disse o personagem, que descobria-se gêmeo de um carioca bonachão criado em Santa Teresa.
Tal como seu personagem mezzo-homônimo, Vítor Hugo vem grafando seu Destino com maiúsculas. O carioca está em Portugal há sete anos e em terras lusitanas esteve em ao menos sete novelas trabalhando como ator, fora aquelas em que trabalhou fazendo preparação de elenco. “Desde que aqui cheguei, praticamente fiz uma novela por ano. Por cá tive uma bela chegada e um bom acolhimento, tanto em Portugal, como na TVI. E atualmente voltei a trabalhar com o Edgard Miranda, com quem eu trabalhava na Record e que passou a fazer a direção artística das novelas da emissora portuguesa”
Na minha trajetória sempre houve construção, renovação e renascimento. Estou criando as minhas raízes aqui – Vítor Hugo
Sobre o seu papel na novela da premiada Maria João Costa, ele diz: “Meu persongem é cheio de vertentes. Ele interpreta personagens [para desviar de seus oponentes]. É um outsider , casado com a irmã da protagonista, Cacau. Toda a família tem problemas com o passado e precisam resgatar Histórias. Ele finge ser barão do cafe, um aristocrata, um gay, para conquistar seus objetivos”. O ator prossegue dizendo que este é um “ponto de virada importante para mim, que vinha desenhando vilões na Record e aqui acabei cumprindo papéis nesse sentido. E Valdemar, meu personagem, tem pontos de razão. É um perosnagem lúcido, justo. É gratificante ver, nos atuais tempos obscuros e de intransigência, ter alguem que quer apontar um caminho de correção bondade e justiça, como ele”.
Já inserido num contexto português, com um sotaque discretamente melodioso à moda lusa, Vítor revela-se cada vez mais encantado com o país europeu, mas não descarta voltar à casa. “O streaming facilita. Em novela trabalha-se muito e a minha família está aqui, em Portugal. Cada um dos meus filhos está colhendo frutos importantes. Não queria desestabilizar isso e deixá-los aqui. Mas com o streaming é algo que pode ser ventilado. Já fiz alguns castings e estou tentando abrir as portas no Brasil”. Inclusive, em tratando-se de Brasil, alguns atores portugueses como Paulo Rocha e Ricardo Pereira já interpretam personagens brasileiros. Paulo, por acaso, está em “Terra e Paixão“. Pergutamos a Vítor se haverá para ele o caminho inverso, de ele, brasileiro, viver personagens portugueses na TV: “Chegará sim. Apesar dos sete anos por aqui ainda nao me aventuro. Mas é muito curioso como para nós é mais dificil entender os portugueses do que nós a entendê-los. Tanto que filmes portugueses são legendados, no Brasil. No Brasil não temos referência sobre Portugal”.
O ator não distingue a produção local da brasileira. “Já tem tantos anos de teledramaturgica em Portugal, há um Emmy, inclsuive, justamente para a Maria João. Eles tem um savoir-faire diferente, com outras vivências, outras referências… Todos fazem com muita propriedade e nós só somamos. Não há nada aqui que o brasileiro precise ensinar. Antigamente, talvez sim, quando o Attlio Riccó chegou. A diferença maior talvez seja o alcance de público”. A citação a Atílio Riccó deve-se à chegada do profissional à TV portuguesa no início dos Anos 2000, para estruturar um projeto de teledramaturgia em Portugal.
Além da novela, Vítor está em pré-produção de uma peça de teatro chamada “Humus”, que deve estrear em setembro do ano que vem. “É de um autor chamado Raul Brandão (1867-1930), um outsider, de escrita ótima. A montagem terá direção da Sara Ribeiro. A peça tambem retoma a minha parceria com o Cassiano Carneiro, ator com quem trabalhei quando jovem na montagem de “Capitães de Areia” em 1992. Fizemos uma novela juntos e alguns workhops e vamos entrar nesse projeto”
AUTOPSICOGRAFIA
Desde muito jovem no ofício, perguntamos ao ator se isso resultou em algum prejuízo, por trabalhar desde muito cedo. Ele disse que não “Trabalhar desde então foi incrivel e ajudou a fazer de uma certeza, algo que eu já tinha. Tudo foi acontecendo de forma natural. É simbólico até eu ter estreado no teatro com um personagem que tinha problemas na perna, e que isso o batizava – como Sem Perna. Eu também tive um problema neste membro quando eu era criança, o que poderia te-las deixado uma mais curta que a outra ou me deixado manco”. Aos 5 anos, Vítor Hugo teve a doença de Legg-Perthes, cujo único tratamento é ficar engessado dos pés à cabeça. “Fui um dos primeiros a ser operado por uma nova técnica e passei um ano com o gesso, mas sem poder forçar as pernas por outros seis. Só andei de bicicleta e brinquei de pique aos 11”, relatou, em 2012, ao Globo.
O teatro seguiu me ensinando isso. Me ensinou a ser altruista e a ter mais possibilidades de ser compassivo e gentil, ou generoso. Trabalhar sendo criança ou adolescente foi um encontro verdadeiro, para mim. Uma escola – Vítor Hugo
Pergunta recorrente, reiteramos a constatação e quisemos saber do ator se a beleza é um entrave para a profissão. Ele negou “De forma nenhuma! Inclusive não foi algo no qual ancorei meu horizonte profissional. Na Record mesmo fui de profeta a bandido. Tenho uma bênção e sorte de fazer perosnagens diferentes. O que passava mais por esse caminho do galã era o Picasso, de Pecado Mortal (2014), ainda que fosse mais malvado. Picasso, incluive me fez frequentar mais a academia. Seu corpo era meu figurino. Ele foi um dos grandes marcos da minha trajetoria e pelo qual sou muito grato”.
“Pecado Mortal” é uma novela ue destoa tanto da produção teledramaturgica da Record que nem parece ter sido produzida por ela. Tem personagens ambiciosos, sensuais, criminosos, contraventores… “Antes de mergulhar no estilo bíblico de maneira mais continuada a Record investiu em outros estilos de dramaturgia, como ‘Poder Paralelo‘ e ‘A Lei e o Crime‘. Ali foi uma aposta no Carlos Lombardi, que tinha esse estilo. E a audiência é um desses acasos. A novela não foi compreendida ainda que honrada com diversos prêmios. Era um trabalho brilhante e muito inovador, com qualidade de cinema. Infelizmente os números não se refletiram. Mas, sem dúvida, é um dos melhores textos da minha vida”.
Uma grita entre os artistas hoje é a relacionada com direitos conexos. Segundo o ator “[esse pagamento] sempre foi feito pelas TV’s e, até dado momento, de forma mais transparente. Quando a obra é exibida no Brasil é uma equação simples [no que compete ao pagamento de direitos] mas pras vendas pro exterior, não. Não há muita transparência e é algo que só piora. Recentemente houve a greve dos roteiristas nos Estados Unidos, sobretudo em face de o streaming fazer sobre os cridores manobras jurídicas muito injustas no que diz respeito à propriedade intelectual. Ainda falta clareza para saber dos percentuais pelos quais aquilo foi vendido e a matematica para exibição aqui”
Em se tratando de imigração, um tema sério que tem pontuado as notícias sobre Portugal é a xenofobia e o movimento “Fora Zucas” – corruptela para brazucas em Portugal. Sobre esse assunto, delicado, Vítor foi comedido: “É algo complicado. Minha relação como País não passou por este lugar e não quero ser injusto com quem viveu isso à pele. A Portugal sou grato por terem acolhido a mim e à minha família”.
Quando encerra a conversa, Vítor cita uma de suas maiores referências. O poeta Fernando Pessoa (1888 – 1935) no poema “Autospicografia”: “‘O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que finge ser dor a dor que deveras sente’ . Isso é para o ator algo fundamental. Especialmente nesse momento de decisões obscuras e acordadas financeiramente, como as guerras. É importante que não finjamos indiferença. Há quem consuma guerra como entretenimento, escolhendo time para torcer. Importante olhar para a dor e sentir”. Prosseguindo a citação de Pessoa, encerramos mantendo o registro de um ator que transpira emoção: “… E assim nas calhas de roda, gira, a entreter a razão. Esse comboio de corda que se chama coração”.
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