Vilã em “Poliana” e LGBT em série, Ana Paula Valverde fala sobre a importância de personagens gays na dramaturgia


Ana Paula Valverde é Tânia em “Poliana Moça”, sucesso do SBT junto ao público infanto-juvenil. Atriz fala ainda surpreender-se com o assédio dos pequenos, tanto nas ruas como nas redes sociais, e do carinho que recebe ainda que esteja vivendo uma personagem malvada. Além deste projeto, artista repercute sua participação em “Red”, websérie de sucesso hospedada na plataforma Vimeo e detentora de alguns prêmios, inclusive internacionais. No esteio das produções LGBT, “Red” se destaca por não retratar o relacionamento lésbico de forma fetichizada ou trágica, como é costumeiro em produções do gênero. Valverde também fala sobre como foi viver, em “O Rico e Lázaro”, uma princesa que possuía um cacoete corporal

*por Vitor Antunes

Com as gravações encerradas em novembro, a franquia “Poliana” segue sendo como um dos grandes cases de sucesso da programação do SBT. Dentre o elenco da novela escrita por Íris Abravanel, um nome se destaca: Ana Paula Valverde, na qual interpreta a vilã, Tânia, madrasta da protagonista. Além da trama infanto-juvenil do canal de Sílvio Santos, a atriz celebra os 18 anos da Companhia que faz parte, a Teatro Íntimo, e recorda sua participação em “O Rico e Lázaro“, sucesso da Record, no qual viveu a princesa Yasha. Vinda de um sucesso, a websérie “Red” que aborda o universo LGBTQIAPN+, a atriz sinaliza que este é um trabalho do qual se orgulha em razão de ver nele um espaço de “inclusão e representatividade. Gosto quando a arte ocupa este lugar de transformação”.

Vilã em “Poliana”, homossexual em websérie. As faces de Ana paula Valverde (Foto: Marcos Duarte)

MALVADA FAVORITA

A vida é a arte do encontro”, já dizia Vinícius de Moraes (1913-1980). Ana Paula Valverde,  está em um dos seus primeiros papéis de destaque na televisão, vivendo a personagem Tânia, uma escritora que após lançar um livro de sucesso enquanto morava na Europa, retorna ao Brasil para chacoalhar a vida de Otto (Dalton Vigh). Coincidentemente, na trama do canal de Sílvio Santos, a artista acabou por encontrar Letícia Carnevale, atriz da mesma companhia de teatro que ela, o que a fez sentir-se em casa. “O encontro com Leticia na novela foi algo muito gostoso. Ela disse q eu ia amar trabalhar no SBT. A equipe da novela é baseada na coletividade, tal como acostumadas no teatro, com esse clima, essa rede de afeto. Percebi muito e desde o começo essa energia no SBT, de coleguismo que vai além dos atores, e passa pelos cabeleireiros, produtores, maquiadores. A galera já estava muito entrosada e fui muito bem recebida. É um clima familiar, leve, divertido”.

A coincidência dos nomes reais das intérpretes de Tânia e Poliana acabou gerando uma fanfic ­– história inventada por fãs – de que Ana Paula e Sophia Valverde são parentes. Tanto que este é um dos termos mais procurados no Google. Ana Paula, diverte-se com a sugestão de que possam ser familiares, mas nega: “Só temos o mesmo sobrenome. Admiro a Sophia, que é uma atriz maravilhosa, com grande disponibilidade cênica, mas é apenas uma feliz coincidência. Não temos parentes e nenhum familiar em comum”. De fato, geograficamente, já seria algo difícil. Sophia é nascida em Curitiba. Ana Paula, em Assis, interior de São Paulo. Inclusive, no início da carreira o nome que a paulistana assinava nem era este, Valverde, mas Lima. Nome com o qual compôs o elenco de “Salve Jorge”, novela de 2013.

“Poliana” reúne atores mais jovens, como a própria Sophia, a outros mais veteranos como Clarice Abujamra e Dalton Vigh. A troca de experiências, segundo Ana Paula, é “uma experiência linda. Dalton e Clarice, por exemplo, são muito generosos e são pessoas horizontais, que sentam conosco, que batem texto… Minha admiração a eles só cresce. Temos uma troca positiva”.

Ana Paula Valverde é a ardilosa Tânia de “Poliana Moça” (Foto: Lourival Ribeiro/SBT)

Um sucesso infanto-juvenil implica, necessariamente, num outro cuidado com as redes sociais ou a dinâmica para com as crianças. Ana Paula relata que a abordagem dos pequenos para com ela é muito afetuosa. “Estou muito surpresa. Recebo muito mais coisas positivas na aproximação das crianças do que negativas. Quando entrei na novela, diziam que eu ficasse tranquila, porque elas costumam confundir, misturando ator e personagem, mas eu recebo muito carinho”.

Ela prossegue: “As pessoas também costumam chegar até mim com alguma admiração pela Tânia. Ainda que ela, por ser vilã, não esteja canalizada para um lado bom. Tânia é uma mulher empoderada e isso é muito positivo, por que gera uma admiração. Há quem diga ser impossível não gostar dela, ainda que seja má. Outros destacam o fato de ela haver trazido uma movimentação para a trama”

O público vê em mim essa pessoa solar e eu gosto de transparecer isso nas minhas redes sociais. Isso nos torna mais próximos. A arte é uma engrenagem valiosa. É uma forma de trocar com o mundo, com a sociedade. As pessoas são reais a partir daquilo que elas trocam com a sociedade e com a verdade e isso transparece no nosso trabalho – Ana Paula Valverde

Poliana tem um público plural (Foto: Marcos Duarte)

A versátil Ana Paula Valverde (Foto: Marcos Duarte)

O assédio dos telespectadores, ainda que afetuoso, é ainda uma novidade: “Na rua, há mães que nos abordam e crianças que ficam com medo sem saber se é um ambiente seguro chegar perto [da vilã da novela]. A gente tem que ter o cuidado sobre como receber as crianças. E eu tento, na medida do possível, respondê-las nas redes sociais”, diz.

VERMELHO É A COR MAIS QUENTE

Ana Paula Valverde e Luciana Bollina eram as estrelas de “Red”, uma websérie inicialmente despretensiosa, que alcançou muito êxito. Era um projeto intimista, roteirizado por Germana Belo e Viv Schiller, produzida pela própria Germana e por Fernando Belo. Realizada de forma totalmente independente, a websérie saiu do papel por meio de crowdfunding e apoio de amigos. Os produtores classificam esta como sendo a primeira websérie brasileira com temática lésbica no Brasil. “Red foi uma experiência diferente por que fizemos tudo por financiamento coletivo, o que no Brasil é uma perspectiva nova. Parecia que o povo estava ansiando por esse momento, por esse conteúdo e queria saber daquela história”.

Red conta a história de Mel Beart (Luciana Bollina) e Liz Malmo (Ana Paula Valverde) atrizes que se apaixonam durante a gravação de um curta metragem. O projeto teve um alcance de mais de 8 milhões de visualizações em mais de 145 países, além de haver recebido prêmios internacionais, como o NYC Web Festival (EUA). Contribuindo para a visibilidade LGBTQ e se tornando referência em produção independente para a web. Foi exibida em cinco temporadas de dez episódios de 12 minutos e era exibido na plataforma Vimeo.

Valverde explica “A gente abria o crowdfunding, alugava a temporadas [no Vimeo] e com esse dinheiro financiávamos as próximas gravações e exibíamos naquele ano”. A atriz destaca, inclusive, a séria limitação orçamentária da qual passava “Red” em seu princípio: “Há uma evolução gigantesca. No começo era uma câmera pequenininha, um microfone amarrado num cabo de vassoura e uma equipe enxuta, que depois foi aumentando. O projeto foi evoluindo e sendo reconhecido no mercado”.

Ana Paula Valverde e Luciana Bollina em “Red” (Foto: Divulgação)

Por muito tempo houve resistência em apoiar peças, filmes ou trabalhos nos quais a temática LGBTQIAPN+ fosse o mote. Os patrocinadores não queriam vincular seu nome a montagens onde esta questão fosse abordada. A websérie foi uma exceção já que não foi aberta para patrocínio externo, mas Valverde salienta que hoje talvez ocorra um acolhimento melhor a projetos desse segmento. “Hoje o mercado está mais aberto. Ainda que haja marcas que não queiram se aproximar [de dramaturgias inclusivas] há outras que têm essa vontade de abraçar”.

[Red] é algo gratificante e me transformou como pessoa e é algo gratificante, me transformou como pessoa e artista e foi uma experiência bacana.  [O público] queria sentir-se pertencente e representado – Ana Paula Valverde

“Red” também tem um lugar de importância por não colocar o LGBT nem no lugar fetichizado nem no trágico. Desde o primeiro lançamento literário brasileiro, “O Bom Crioulo” (1895), de Adolfo Caminha (1867-1897)  – no qual o protagonista morre – a “Do Princípio ao Fim”, longa-metragem de Aluizio Abranches (2009), onde os personagens principais vivem um caso de amor ainda que sejam irmãos, as autoras de “Red” optaram por romper este status quo e propor uma dramaturgia disruptiva, fugindo dos estereótipos dos quais costumam enquadrar a representação LGBT: “Trata-se de uma história de amor entre duas mulheres, sem uma grande tragédia, ou sem dilemas por sair do armário. Acharam melhor abordar as dificuldades no trabalho, da maternidade, do vício em drogas, a bissexualidade… Isso tudo em numa série onde cada episódio tem, no máximo 10 minutos de duração. Isso de forma poética, bonita, com uma boa trilha sonora, feita por artistas independentes que doaram o seu trabalho para agregar”.          

As pessoas se identificaram com a websérie, se conectaram com ela e por isso passaram a respeitar outras orientações sexuais. O respeito [à diversidade] é algo muito importante. Este é um trabalho do qual eu me orgulho por que ele fala de inclusão, e representatividade. Gosto quando a arte ocupa este lugar de transformação – Ana Paula Valverde   

Segundo Ana Paula Valverde é importante haver a abordagem de temas que geram identificação e reconhecimento em produtos de dramaturgia (Foto: Marcos Duarte)

POESIA

Com o fim das gravações de “Poliana”, a atriz volta-se para um retorno ao teatro. A companhia da qual faz parte, a Íntima, celebra os seus 18 anos – dos quais Ana está presente em 10. Segundo ela, o grupo está fazendo pesquisas com poesias para compor o próximo espetáculo. Os poemas, aliás são o que norteiam a produção artística daquele pessoal. Além da já citada Letícia Carnevale, consta também, o ator Rafa Sieg, o Solano de “Pantanal”. A artista diz estar “com saudade dos palcos” e que a companhia está preparando algo para celebrar a sua “maioridade”. Além desta montagem, prepara-se também para estar numa coprodução internacional, independente, e que está numa fase embrionária.

Ainda antes de Poliana, um trabalhos relevante e foi “O Rico e Lázaro”, no qual viveu a Princesa Yasha, uma mulher que estava prometida a um nobre, que sabia ser ele apaixonado por outra pessoa. Além disto, a personagem possuía um toque corporal, que exigiu um trabalho mais intenso de pesquisa “Queria fazer essa mulher de forma humanizada, não caricaturá-la ou representar de forma cômica. Para isso, comecei a estudar a sobre a Síndrome de Tourette [Distúrbio neuropsiquiátrico que implica em tiques múltiplos, motores ou vocais]. (…) Foi uma experiência muito bacana, os diretores adoraram e eu embarquei. Cada trabalho é um desafio e eu sou apaixonada por isso”.

No início de carreira, Ana Paula usava outro sobrenome, Lima. Com ele, assinou as primeiras participações em “Red” e em novelas como “Salve Jorge”. Em seus primeiros anos na Companhia Íntima de teatro, também. Era Lima, poema e doce citricidade. Hoje é Valverde. Mudou a palavra mas manteve a paleta de cor. Tal como o nomear, a arte não se conteve, atreveu-se. E passou a ter vida quando olhou para ela.