“Vidas Partidas” levanta debate sobre a violência doméstica: “As próprias mulheres precisam perder o medo de denunciar os agressores”, diz Domingos


Intérprete da protagonista e produtora do longa, Naura Schneider falou da identificação com a situação retratada no filme. “A gente coloca na Graça e no Raul uma relação que pode ser de qualquer um de nós e que fala sobre esses tantos casos de violência que acontecem não só no Brasil como no mundo inteiro”

A história do filme “Vidas Partidas” é ambientada em João Pessoa, na Paraíba, na década de 80, mas claramente poderia acontecer em qualquer casa de família do mundo, mesmo nos dias de hoje. Com Domingos Montagner e Naura Shneider no elenco, o longa retrata o triste drama de Graça Machado: uma mulher vítima de um violento marido que, por diversas vezes, usa a força para conseguir o que quer. Na semana em que a Lei Maria da Penha completa 10 anos de existência, e em contrapartida não param de surgir novos  casos de agressões à mulheres, a produção traz luz e debate ao assunto. A história é tão intensa que o espectador chega a sair com um nó na garganta por perceber que não se trata apenas de ficção, mas também de vida real. Insider que somos, invadimos a pré-estréia carioca, no Shopping Leblon, e conversamos com o elenco para coletar maiores detalhes desses bastidores.

Elenco do filme "Vidas Partidas", em pre-estreia, no Rio (Foto: AgNews)

Elenco do filme “Vidas Partidas”, em pre-estreia, no Rio (Foto: AgNews)

Intérprete da protagonista e produtora do longa, Naura Schneider falou da identificação com a situação retratada no filme. “A gente coloca na Graça e no Raul uma relação que pode ser de qualquer um de nós e que fala sobre esses tantos casos de violência que acontecem não só no Brasil como no mundo inteiro. O filme acabou sendo lançado em uma épica em que as pessoas estão falando muito sobre isso, mas infelizmente é um assunto que não é novidade para ninguém”, disse ela, que vem se aprofundando no assunto há quase três anos. “A partir de um documentário sobre violência doméstica que eu fiz em 2013 (“O Silêncio das Inocentes”) me ocorreu a ideia de trazer esse tema para o sétima arte também. A partir daí, nós começamos a entender melhor essa relação e como é importante se falar sobre esse assunto”, afirmou.

Na trama, Graça é uma mulher bem-sucedida e apaixonada que, após alguns anos casada, se torna vítima de crime de violência doméstica. A relação passional começa a desmoronar quando Raul, um homem inicialmente tranquilo e sedutor, fica desempregado. Enquanto isso, Graça avança em sua carreira profissional. Fica claro que, além da desconstrução do amor em família, o longa ainda pincela comportamentos machistas e patriarcais.

Domingos Montagner e Naura Shneider (Foto: Divulgação)

Domingos Montagner e Naura Shneider (Foto: Divulgação)

O diretor de “Vidas partidas”,  Marcos Schechtman, explicou a sua visão a respeito de Raul. “Você começa vendo esse casal, e a coisa vai adensando e entrando em situações difíceis, fortes. Aquilo vai, de alguma forma, te espremendo. Porque você, ao mesmo tempo, se enternece de ambos”, comentou. “Apesar de toda a monstruosidade dele, você vai humanizando, exatamente por esse olhar que não é só colocá-lo no lugar do algoz. É entender essa interdependência dos dois e como é que isso funciona”, defendeu o diretor.

Sobre a construção do personagem, Montagner complementou que o trabalho foi um dos mais difíceis de sua carreira, já que teve que tirar de dentro de si sentimentos adormecidos como o ódio e o recalque sobre o sucesso da esposa. “Foi difícil de engolir esse personagem. Eu chegava em casa muito exausto, mas ele é bem mais complexo que um vilão. Eu quis imprimir no Raul justamente essa interrogação. Por que uma figura como essa, um professor, pós-graduado, tem formação… Todos os conceitos que a gente aborda normalmente, que essa violência é fruto de algum tipo de influência do meio e ignorância caem por terra. Essa situação é a mesma de grande parte desses casos de violência que a gente vê por ai”, pontuou ele. “O Raul representa características muito presentes na sociedade machista, que são indivíduos intolerantes e violentos nas suas relações”, completou.

Nelson Freitas, Naura Shneider e Domingos Montagner (Foto: AgNews)

Nelson Freitas, Naura Shneider e Domingos Montagner (Foto: AgNews)

Com 10 anos de sua existência, a Lei Maria da Penha já salvou aproximadamente 250 mil vidas, de acordo com informações da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher. Os motivos são variados: ciúmes, fim de relacionamentos, traições… não há como detalhar um perfil exato dessa situação. Questionado quanto à punição, Domingos acredita que a medida inibe a ação de homens violentos. “A violência contra mulher é um problema gravíssimo da nossa sociedade, que está dentro de uma instituição clássica, que é o casamento. Ela afeta os filhos e a formação emocional dessas pessoas. Eu não tenho dúvida de que essas leis funcionam. Elas apontam uma grande evolução, mas cabe à sociedade acreditar na instituição que promove esse amparo. As próprias mulheres precisam perder o preconceito e o medo de denunciar esses agressores”, ponderou o ator.

Já Naura Shneider acredita que apesar da evolução no assunto, ainda é preciso aprofundar essa discussão. “As leis realmente ajudam, mas ainda existem muitas deficiências no que diz respeito a sua aplicação no país. Acredito que quanto mais a gente mostrar essa violência nas artes, seja no cinema, no teatro ou na televisão, a gente vai estar ajudando essas mulheres que precisam de ajuda”, comentou. “Foi muito dolorido interpretar essa personagem, porque apesar de ser da ficção, são histórias que acontecem o tempo inteiro. Durante o laboratório, eu ouvi de muitas mulheres que permanecem nessas situações porque precisam manter esse núcleo familiar e por amarem esses homens”, destacou ela, que ainda aprovou a caminhada das mulheres com o movimento feminista. “O feminismo hoje está em um caminho mais equilibrado em que as mulheres estão fazendo a coisa certa. Nós não queremos ser mais ou menos. Queremos apenas igualdade”, completou.

Longa chama atenção para a violência contra a mulher (Foto: Divulgação)

Longa chama atenção para a violência contra a mulher (Foto: Divulgação)