* Por Carlos Lima Costa
Em uma ainda nova carreira, Victor Salomão vem marcando sua trajetória com papéis fortes que jogam luz aos preconceitos existentes em nossa sociedade, como na primeira série brasileira lançada pela plataforma de streaming HBO Max. Na produção investigativa Os Ausentes, que estreou recentemente mostrando a rotina de uma agência que busca pessoas desaparecidas na grande São Paulo, ele interpreta o protagonista do nono episódio. Seu personagem, Kennedy Pires, que se assume gay para a mãe e o padrasto militar, é vítima de represália e, para não ser controlado, começa a ter uma vida dupla. Escondido, a única forma que encontra de ganhar dinheiro é se tornar garoto de programa, ao mesmo tempo que vivencia seu drama: a procura do pai biológico.
Essa vida escondida de não assumir a própria identidade é algo mais comum do que se pode imaginar diante de uma sociedade opressora. O próprio Victor, ao criar o personagem para esta série protagonizada por Erom Cordeiro e Maria Flor, utilizou uma referência familiar. “Primeiro, comecei a olhar a questão das travestis que fazem ponto, assisti documentários que falavam o quanto isso é perigoso, ainda mais quando os clientes são homens héteros. Eu sou hétero, mas tenho amigos gays e a minha tia materna Soraia se assumiu lésbica há uns dois anos e somente depois que meu avô, que era muito rígido com isso, morreu. Ela tinha receio da represália. Então, busquei inspiração também na vivência dela. Meu avô não gostava de tatuagem, nem que alguém fosse gay. Ela chegou a ser casada com um homem e escondia dele as tatuagens que tem”, explica, referindo-se a Jorge Sacomã, ex-boxeador profissional morto em 2015, aos 77 anos.
Victor sai em defesa da comunidade LGBTQIA+. “A homossexualidade é tratada com muita ignorância no Brasil. Quando comecei a fazer teatro, eu tinha um amigo que era gay. Um dia, fomos ver uma peça que falava sobre tons de voz e comecei a perceber que ele deixava a voz grave para falar em algumas rodas de amigos, com vergonha de represália. É um tema que o Brasil como um país conservador ainda é muito ignorante. As pessoas têm que cada vez mais dar vazão ao que sentem, ao que são, sem ter medo de represálias. Vimos recentemente um caso no Recife, onde incendiaram uma travesti viva, olha o absurdo”, frisa, citando Roberta da Silva, de 32 anos, morta no último dia 9 de julho, depois de ter 40% do corpo queimado. Enquanto ela dormia próximo ao Terminal de Ônibus de Santa Rita, lhe jogaram álcool e atearam fogo.
“É igual ao racismo”, acrescenta, traçando um paralelo entre os dois preconceitos. Neste caso, com conhecimento de causa. “Eu sempre estudei em escola particular e no colégio da Polícia Militar, às vezes, sofria algum bullying pela cor da minha pele, xingamentos pelo tamanho da minha boca e do meu nariz, pelo meu cabelo crespo, e eu na quarta-série, com nove anos não entendia o porque de apelidos duros. A questão de todo dia ir na escola e ser zoado faz perder um pouco a auto estima, sabe, você começa a achar que é feio, porque outras pessoas estão te xingando pelos seus traços afros”, desabafa.
E prossegue em seu relato: “De 40 alunos, vamos dizer que quatro eram negros, e todos passavam por isso. As meninas até mais por causa do cabelo, por conta da gordofobia, mas como falei, não entendia porque a minha cor de pele, só pelo fato de ser mais escura, mais retinta, me fazia sofrer represália na escola. Só fui entender depois estudando sobre a escravidão e a história do Brasil. Com 14, 15 anos, comecei a me identificar com as músicas do Emicida, aí comecei a entender que o buraco era muito mais embaixo do que eu pensava”, lamenta. “E com o atual governo, parece que as pessoas se sentiram a vontade para dar opiniões absurdas e ignorantes. Eu tenho uma esperança de melhora. Se não tiver esperança também ferrou tudo. Mas vai demorar muitas gerações, sabe, vai ter que ter muita reparação histórica para as coisas serem iguais no Brasil”, diz o ator de 28 anos que também percebe preconceito quando existem relações inter-raciais. E conta situações que já viu no cotidiano de sua vida adulta. “Você entra no mercado e o segurança começa a te seguir. E andando na rua, você sente o olhar e a pessoa atravessa a rua”, relata.
Nos sets, ele vai interpretando situações que remetem a cenas que ele já presenciou. Em seu currículo traz dois curtas, Sobre Pernas e Campo Minado. Este último, dirigido por Jessica Teleze, em 2019, aborda a homossexualidade no futebol. “O craque do time se envolve com um cara, aí o ambiente do vestiário começa a ficar hostil, duro e preconceituoso, os colegas de equipe começam a zoar. Interpreto o capitão do time, que não está preocupado se ele é gay ou hétero. E sim se o time vai vencer o campeonato. Antes de fazer teatro, meu sonho era ser jogador de futebol. Mas depois vi que era um pouco ruim e acabei fazendo faculdade de Publicidade. Mas joguei durante um tempo nas categorias de base do Nacional, que é um clube tradicional aqui de São Paulo, depois comecei a jogar na várzea, em times de bairro, não me profissionalizei. E o ambiente do futebol é muito machista, são piadas de tudo que você pode imaginar, homofóbicas, racistas, transfóbicas, xenofóbicas. O Sobre Pernas, último curta que eu fiz, dirigido pelo Ramon Brent, fala um pouco disso, da masculinidade frágil. O futebol é um esporte legal, apaixonante, mas fala que também, é um esporte preconceituoso, onde jogadores são grandes figuras públicas, conhecidas na mídia e, às vezes, acontece um fato na sociedade e os jogadores se omitem. É bom quando tem jogadores que se posicionam, mas a maioria das vezes eles vão tirar foto com (Jair) Bolsonaro, dão risada e acham que estão acima da carne seca”, reflete Victor, cuja paixão pela atuação surgiu enquanto fazia uma matéria no terceiro ano da faculdade de Publicidade.
“Tinha que realizar o trailer de um filme e inserir uma marca e eu disse que poderia ser o ator, aí na hora das gravações, me deu um estalo na cabeça de que seria legal viver disso”, ressalta ele que foi estudar teatro , em 2017, enquanto trabalhava com marketing. Em breve, ele vai poder ser visto na segunda temporada da série Segunda Chamada, com previsão de estreia, em setembro, na Globoplay. Com foco no futuro, para se aperfeiçoar, no momento, vem estudando interpretação na Academia Internacional de Cinema, em São Paulo, onde nasceu e vive. E aguarda para setembro a segunda dose da vacina contra a covid-19. “Recebi a primeira dose em junho por causa de uma comorbidade, que eu perdi um rim, por conta de um tumor, quando tinha um ano. Só tenho o rim esquerdo. Fiz tratamento com a onco com monitoramento até os meus nove anos. Mas sempre tive uma vida normal”, revela ele, que teve Covid, em abril, mas seu caso foi assintomático.
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