Vera Gimenez nega voltar às novelas, critica o politicamente correto e relembra ‘Anjo Mau’, que está no Globoplay


A novela “Anjo Mau”, trama que atualmente compõe o catálogo da Globoplay, marca por ser a única novela em preto-e branco na plataforma. Além de haver pontuado muito bem em sua estreia no player, marcando, por algumas semanas entre os 10 produtos mais vistos do canal. Dona de opiniões contundentes, a atriz nunca foi de dourar a pílula. Mãe da apresentadora Luciana Gimenez e do ator Marco Antonio Gimenez, Vera diz que o Instagram é uma escravidão, não gosta das novelas atuais e nega retornar ao segmento: “As novelas atuais têm muita maldade”. Ainda revela projeto para teatro e diz, também, como lida com um câncer ósseo

*por Vítor Antunes

Expoente do cinema dos Anos 1970 e nome forte do posicionamento feminino, Vera Gimenez  manteve o tom libertário que imprimiu na vida e, sem freios, soltou o verbo sobre todos os temas nesta entrevista exclusiva. A atriz, que é mãe da apresentadora Luciana Gimenez e do ator Marco Antonio Gimenez, falou sobre como lida com a maturidade e o desafio de conviver com mais um câncer, o terceiro desde 1994. Vera também analisa a profissão de ator e as novelas contemporâneas.

Além disto, ela fala sobre “Anjo Mau” (1976), novela da qual compôs o elenco e que, no fim do ano passado, entrou para o catálogo da Globoplay, sendo a única trama em preto-e-branco a estar na plataforma de streaming. A novela que foi um fenômeno nos anos 1970, mas também fez perceber em Vera a necessidade de fazer análise. “Aquela luz vermelha do gravando me dava pânico”. A atriz também rememora a relação de animosidade que vivia com o extinto grupo Bloch – TV e Revista Manchete. Processou por haver sido chamada para fazer a novela “Kananga do Japão” (!989), da qual fora dispensada na véspera das gravações, e teve uma foto sua, sensual, republicada sem seu consentimento.

VERA, FERRO E FOGO

“Vera” vem do latim, verdadeira. Talvez motivada pela etimologia do seu nome, a nossa convidada não se poupou de relatar suas perspectivas e olhares sobre o mundo, sobre sua profissão e experiência de vida. “Envelhecer não é a coisa que mais me deixa chateada. Eu não consigo me considerar uma pessoa velha. Minha geração chamava as atrizes mais veteranas por ‘senhora’ e elas gostavam disso, mas as pessoas da minha geração não gostam de ser tratadas assim”. Quanto à sua saúde mental, ela que também é psicóloga, diz ter feito “nove anos de análise freudiana e isso foi o que me salvou. Eu me conheço perfeitamente e as minhas coisas mais doidas. Isso tem me ajudado muito. As pessoas estão muito desesperadas e a pandemia exacerbou-lhes as doenças”.

Sobre as novelas atuais, afirma não assistir às novelas da Globo por ver nestas, muitas maldades. Mas revela que seu autor favorito é Walcyr Carrasco. “Eu não assisto novelas da Globo. Acho que há muita coisa má ali, porém um dos autores que mais gosto é o Walcyr Carrasco. Gosto da maneira como ele faz e sempre sonhei em fazer uma novela dele”, confessa. Porém, à “Terra e Paixão“, nova novela do horário nobre da Globo não dispensa críticas:

Acho que ela já começou de uma maneira errada, falando mal do agronegócio. É o agro que  sustenta o Brasil – Vera Gimenez

Sobre as novelas exibidas atualmente também diz acompanhar com mais fidelidade uma trama da Record. “Sou doida por História e vejo “Reis”, na Record, que fala sobre os reis de Israel. Gosto, ainda que reconheça haver algo ficcional ali”. Afastada de uma novela inteira há 17 anos, Gimenez diz não querer voltar nem tão cedo para o gênero: “Não sinto falta nenhuma de estar em novelas e não peço mais nada. Aliás, os atores mais velhos não pedem nada mais. Eu quero fazer uma peça. Cinema, se conseguisse fazer, adoraria”. Conta-nos ela, em primeira mão, que está com uma montagem em pré-produção, escrita pela autora Zaíra Bueno, que trata-se sobre uma mulher que foi traída.

Sobre seus trabalhos na televisão destacamos “Anjo Mau”, trama que atualmente compõe o catálogo da Globoplay e marca por ser a única novela em preto-e branco na plataforma. Além de haver pontuado muito bem em sua estreia no player, marcando, por algumas semanas entre os 10 produtos mais vistos do canal. Vera diz que esta novela também tem como vantagem a ausência de grandes perversidades. “É uma novela que não tem muita maldade. Havia, claro, alguma vilania ou traições, por exemplo, mas nada como hoje. Anjo é uma novela simples: Uma menina má, Nice (Susana Vieira), que queria estar no lugar da patroa. Sobre o elenco, o Luiz Gustavo (1934 – 2021) era maravilhoso, assim como o José Wilker (1944 –2014). O meu primeiro marido, pai da Luciana [Gimenez], foi padrinho do filho mais velho da Pepita Rodríguez e do Carlos Eduardo Dolabella (1937-2003), diz, sobre o clima de coleguismo da novela. E relembra que o trabalho, sua segunda participação em folhetins globais, permitiu que ela se observasse melhor. “Eu era muito infantil. Foi ali que eu comecei a fazer terapia. Aquela luz vermelha do ‘gravando’ me dava pânico”. Não obstante, a artista sofreu um acidente de carro durante a novela: “Um ônibus bateu em meu automóvel, eu cortei o meu rosto, mas me recuperei facilmente”.

Vera Gimenez foi Paula em “Anjo Mau”. Novela a fez procurar terapia, nos 70’s (Foto: Reprodução/Globoplay)

Ainda que tenha passado por várias emissoras de tevê, a memória mais amarga que Gimenez tem é da extinta Manchete. Especialmente por conta de ter processado duas vezes o grupo de comunicação e ainda ser dispensada de uma novela antes mesmo da estreia. “Fui chamada para fazer ‘Kananga do Japão’, tive que cortar o cabelo e aprender a dançar. Na véspera do início das gravações eu estava ensaiando com o Raul Gazolla, quando me chamaram à sede da emissora, no bairro da Glória. Foi ali que fui dispensada pela diretora, a Tizuka Yamazaki. Eu não dormi a noite inteira. Tizuka foi de muita maldade para comigo”, desabafa. Continua ela dizendo que “eu tinha um contrato de Pessoa Jurídica com a TV e a emissora teve que me pagar o ano inteiro por todo o período em que eu estaria na novela”. No lugar de Vera, na trama de Wilson Aguiar Filho (1951-1991) entrou a atriz Tamara Taxman

O imbróglio com o extinto Grupo Bloch não termina aí. Já próximo de seu período falimentar – entre 1999 e 2000, a revista “Ele Ela“, de temática mais sensual, que fazia parte do catálogo do grupo, republicou fotos de um ensaio feito por Vera àquela publicação, em janeiro de 1976. “Eu os processei e eles não me pagaram, até que faliram”, afirma.

Cidade cenográfica de “Kananga do Japão”. Vera Gimenez foi dispensada da novela da Manchete na véspera do início das gravações (Foto: Reprodução/Revista Manchete)

ANOS 70

Tendo iniciado sua carreira em plena ditadura, Vera comenta que atualmente “tudo é proibido, há uma baita questão de proibições. Antigamente era mais livre que hoje, quando tudo é muito chato. Não dá para imaginar o Chico  Anysio (1931-2012) fazendo programa de humor hoje, ou o Jô Soares (1938 –2022) fazendo piadas. “Os Trapalhões” hoje seria algo proibitivo. Inclusive, quando dizem que o brasileiro é racista, eu acho que há pessoas que são e outras que não. Eu, por mim, não vejo o povo brasileiro como racista”, pontua.

Sobre os longa-metragens produzidos durante o Regime Militar, Gimenez diz: “Eu fiz 28 filmes. Nós estávamos sob ditadura. Naquele momento histórico não se podia falar muita coisa. Os milicos eram muito quadrados e não permitiam filmes intelectualizados, tinha que ser comédia. Porém era sobre o que se podia falar. Hoje em dia, por exemplo, há muito mais restrição. Hoje é tudo muito doido”.

Dentro dessas loucuras contemporâneas, o Instagram. Para tal, exemplifica através de sua filha, Luciana Gimenez. “Ela posta foto todo dia e isso é uma escravidão. Eu acho isso uma dependência”. Outra crítica que faz, relaciona-se à classe artística. “Está bem complicada a situação dos atores no Brasil. O mercado para atores esta péssimo, são meia dúzia de privilegiados. Os atores têm que começar a sair fora, a fazer outras coisas, porque como ator não dá”.

“Anjo Mau”. Vera Gimenez era uma personagem de destaque na novela (Foto: Acervo/Globo)

Frente à uma vida arisca como suas palavras, Vera segue o tempo. Convive com mais um câncer, o terceiro, que, segundo ela, é “de multiplicação lenta. Fiquei vários anos tomando a mesma injeção e radioterapia”. A artista já teve um em 1994, de mama, e outro em 2004, do qual se recuperara. Além disto, convive com a dor de haver perdido a irmã e o sobrinho num curto espaço de tempo no ano passado. Ainda que sejam realidades acachapantes, Vera sabe que acima de tudo é preciso coragem. E, lançando mão de uma novela que estrelara em 1972, há sempre de haver tempo de viver.