*Por Vítor Antunes
No ano em que celebra 30 anos de carreira, Vannessa Gerbelli promete o retorno do projeto teatral “Sombras No Final da Escadaria”, um monólogo dirigido por Amir Haddad, bem como o lançamento do filme “Nosso Lar 2” para os cinemas. Desde 2021, a atriz assina seu nome com mais uma letra “n”, em razão da numerologia e celebra seus trabalhos recentes e alguns reencontros. No streaming, atriz atua em “Maldivas“, série da Netflix, na qual reencontrou com Bruna Marquezine. Tal como ocorreu em “Mulheres Apaixonadas“, novela de 2003 que projetou-as no cenário artístico brasileiro. Sobre a trama de Manoel Carlos, Gerbelli observa criticamente as figuras masculinas que protagonizaram a história e analisa também a sua estada na Record, onde integrou o elenco da novela “Jesus”. Nesta entrevista exclusiva, a artista fala ainda sobre sua experiência com o diretor Walter Avancini (1935-2001), em “O Cravo e a Rosa“, novela recentemente exibida na sessão de “Edições Especiais” da Globo.
CORES, NOMES
Vanessa Gerbelli estreou na televisão em 2000 e dali engatou mais duas novelas além de peças de teatro e trabalhos musicais. Sempre foi incensada como “um grande nome” – o que, de fato, se confirmou ao consolidar sua carreira. Durante a pandemia, o “grande nome” avolumou-se ainda mais. Não apenas por uma maior quantidade de trabalhos, mas pela adição de mais uma letra “n” ao seu nome: Vannessa, portanto: “Decidi ouvir um numerólogo que falava com muito alarde sobre os números do meu nome artístico. Ele sempre me pedia para usar o nome de batismo [Vanessa Gerbelli Ceroni] que dizia ser muito forte, mas como eu fui descobrir a numerologia mais tarde, a alternativa que causaria menos estranhamento para o público seria o acréscimo de mais um “ n”, que tinha uma soma bem mais positiva que o anterior”, explica.
Tudo é energia. Cores, sons, números. Palavras. Pensamentos. Esta entrevista. Tudo tem uma frequência vibratória. A cabala estuda isso há milhares de anos e sendo uma estudiosa e apaixonada por metafísica, não tive nenhum problema em mudar. Há quem não compreenda, mas por mim, tudo bem – Vannessa Gerbelli
Com energia numerologicamente renovada, atriz promete para o ano vindouro, ainda que dependa das Leis de “aprovação e incentivo, como a maioria dos projetos [teatrais]”, a retomada do monólogo que encenou 2021, “Sombras No Final da Escadaria“, dirigida por Amir Haddad. Além deste projeto, Gerbelli está no elenco do filme “Nosso Lar 2“.
“O CRAVO E A ROSA” E PROJEÇÃO
“O Cravo e a Rosa“, imorredouro sucesso da faixa das 18h recentemente reprisado pela quinta vez – quando somadas as reapresentações do Canal Viva e da Globo -, foi a primeira novela na qual Vannessa atuou. Sob a ótica da atriz, o folhetim traz “um conjunto muito harmônico e potente. Trata-se de uma história baseada em Shakespeare (1564-1616), atores maravilhosos, figurinos, caracterização e cenários excelentes, música boa, textos impecáveis. Humor e romance na medida certa. Uma novela ‘primorosa’, como dizem”.
Na trama de Walcyr Carrasco e Mário Teixeira, a atriz viveu Lindinha, uma camponesa ambiciosa que queria ascender na vida: “A personagem era completamente diferente de mim, mas o Avancini me propôs uma “imersão” que eu topei e que me ensinou muito. Foi um dos trabalhos que mais amei fazer em toda a minha carreira”.
O diretor da trama era Walter Avancini, famoso por seus métodos pouco ortodoxos para extrair do ator cenas mais intensas. Perguntamos à atriz como foi a sua experiência com ele diante de sua sistematicidade: “Avancini era um profissional de uma qualidade espetacular, mas bem temperamental. Tive algumas passagens com ele que foram desafiadoras, mas o que aliviava era que ele me chamava de lado e dizia para eu não levar as coisas para o lado pessoal e que ele confiava em mim, razão pela qual se mostrava mais exigente”. Uma das técnicas usadas por Avancini na construção de Lindinha foi pedir que a atriz lavasse os cabelos com sabão em pó a fim de que ele não aparecesse sedoso ou bem cuidado, conforme a atriz relatou ao livro “O Último Artesão – Walter Avancini“, escrito pela jornalista Ângela Britto.
A artista pondera dizendo que o diretor sabia que ela era inexperiente e que aproveitou-se disso para acreditar em seu método: “Não tive problemas com a direção dele que, mais para frente acabou sendo extremamente prazerosa e valiosa para mim, em termos de conduta, concentração, pesquisa, sutileza. Os atores trabalham com emoções e, muitas vezes, os métodos para se obter resultados podem ser agressivos. É preciso que o ator seja respeitado em seu limite – ele precisa aprender a reconhecer seus limites emocionais e é preciso acompanhamento profissional para ajudar com isso também – para se deixar envolver com um ‘comando'”.
Vannessa destaca, porém, que hoje, esses métodos, pudessem ser vistos de outra maneira, já que há uma outra dinâmica de entendimento nas relações entre atores e diretores: “Quando observamos o pensamento humano evoluindo, passamos a reconhecer abusos em situações às quais antes se passava despercebido. E passamos a dar voz a quem se sente oprimido, traído, lesado”.
Sem dúvida os tempos são outros, acredito que hoje em dia o abuso moral está sob os holofotes em todos os coletivos e isso é maravilhoso – Vannessa Gerbelli
O grande sucesso da atriz já em sua primeira novela assustou-a. Não estava acostumada com a grande exposição que a TV traz, especialmente numa novela de inegável sucesso. Hoje, Vannessa diz lidar melhor com os reflexos da fama: “Lido melhor com a falta de privacidade. Hoje em dia me incomoda mais a falta de informação sobre os artistas e a animosidade para com a gente. De repente viramos os protagonistas da “mamata” da Rouanet. Esse equívoco é o que mais me indigna”, dispara.
MULHERES APAIXONADAS, “BOY LIXO” E BRUNA MARQUEZINE
Logo depois de “O Cravo e a Rosa“, Vannessa Gerbelli fez “Desejos de Mulher”, de Euclydes Marinho. Na sequência, entrou no elenco de “Mulheres Apaixonadas“, uma das mais icônicas novelas de Manoel Carlos, exibida às 21h no ano de 2003. Todavia, a reprise da trama no Canal Viva, entre 2020 e 2021, o comportamento dos personagens, especialmente os masculinos, causou grita nas redes sociais. Com destaque a Téo, vivido por Tony Ramos. Durante a reexibição da trama, as telespectadoras o classificaram como “boy-lixo”, haja vista que ele, embora casado com Helena (Christiane Torloni), tinha em Fernanda (Gerbelli) sua amante, a quem engravidara e de quem separou os filhos gêmeos. Não os registrou todos em seu nome, somente Lucas (Victor Cugula) – criado por ele e sua esposa – e deixando Salete (Bruna Marquezine) aos cuidados da mãe. Téo relacionava-se com elas como amigo.
Perguntamos à intérprete de Fernanda como ela enxerga a problematização deste tema hoje, vinte anos depois: “Acho importantíssimo que a gente tenha essas discussões, mas precisamos ficar atentos ao desejar ver nas obras a nossa moral o tempo inteiro. A arte quase sempre mostra o imoral pra refletir sobre a moral, não para “dar exemplo”. O Maneco sempre construía personagens muito humanos, que erravam e acertavam, com virtudes e defeitos, como somos todos. Acho isso lindo em uma obra”.
Dezenove anos depois da exibição de “Mulheres”, as atrizes se reencontraram nos set das gravações de “Maldivas”, série da Netflix. Coincidentemente, reviveram a experiência de serem mãe e filha e viram-se em fases diferentes da vida: Gerbelli uma mulher mais madura e Marquezine uma jovem mulher estabelecida na carreira de atriz: “Foi delicioso reencontrá-la e foram exatamente como antes o jogo e a troca nas cenas. A Bruna começou cedo, sabe o que está fazendo em cena, é maravilhosa, intuitiva, aberta. É sempre um prazer estar com ela”.
Depois de alguns trabalhos na Globo, como em “Kubanacan” e em “Da Cor do Pecado“, a atriz transferiu-se para a TV Record, onde fez o fenômeno “Prova de Amor“, de Tiago Santiago. Esteve naquela emissora até 2012 quando voltou à Globo e retornou à Rede dos Macedo em 2018, fazendo a novela “Jesus”. Em sua primeira passagem pela televisão paulistana, encontrou-a em uma proposta de dramaturgia muito diferente daquela produzida hoje. Naquele momento, a emissora produzia novelas que, intencionalmente objetivavam competir com as da Globo, em tramas contemporâneas e realistas. No plano atual, as novelas obedecem a uma linha de produção mais voltada às diretrizes da Igreja Universal, sua mantenedora. Perguntamos à Vannessa, já que ela pegou as duas fases da Record, como ela enxerga esse novo viés teledramatúrgico da emissora: “Eu penso que uma boa história sempre emociona e empolga a plateia. As histórias bíblicas trazem bons conflitos, tanto que muitos filmes foram feitos, quadros foram pintados com elas ao longo dos tempos (…) O que me atrai nas novelas de época é a pesquisa. Falar de um tempo remoto, do qual a gente tem pouquíssima referência é um exercício de fantasia que me fascina bastante, também”, opina.
Na minha opinião, enquanto a obra se preocupar em contar bem a história, com todos os recursos, será bom assistir. Por outro lado, se a intenção é transmitir uma ideologia ou doutrina, a dramaturgia fica empobrecida, até por que fica evidente essa intenção. É preciso dosar os ingredientes… – Vannessa Gerbelli
MULHER DAS ARTES PLURAIS
Além de seu trabalho como atriz, Vannessa também é formada em Artes Visuais pela USP e teve de conciliar a formação com o teatro. Tanto que, para ela, a pintura nunca é puramente estética. É necessário ter um contexto. Em uma entrevista de 2003 dada ao Diário OnLine e repercutida pela fan-page da atriz, ela relatou que, motivada pelo atentado às Torres Gêmeas, realizou uma pintura voltada a este tema “O homem da tela passa a ideia de interrogação. Ele está com pés e mãos atados diante da situação”, explicou, na época.
Ainda que não tenha um estilo definitivo em sua pintura, disse, ainda àquele site, que identifica-se com o movimento expressionista. A nós, revelou que lança mão deste saber específico para colorir suas personagens “Tudo que faz uma composição numa tela pode ser usado na composição de uma cena. A relação com o espaço, o sentimento, a vibração, o ritmo, a harmonia, o gesto”, compara.
“Dígrafo” é o encontro de duas letras para representar um único fonema. Após alguns anos de carreira e às raias de completar os 50 anos, Vannessa Gerbelli, por sugestão de um numerólogo, agora traz um “n” a mais no nome. Um nome com três dígrafos, 30 anos de carreira, 13 novelas e muita arte.
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