*Por Simone Gondim
Além de oferecer risco à vidas, a pandemia de coronavírus também representa uma ameaça para a economia de modo geral, sendo responsável por suspensão ou cancelamento de vários projetos. Que o diga o ator Bernardo Felinto. A peça “Enquanto estamos juntos” tinha acabado de estrear no Teatro Fashion Mall, no Rio de Janeiro, quando as sessões foram canceladas; o lançamento do curta-metragem escrito por Bernardo, baseado no espetáculo, vai ter que esperar; e o curso de formação de atores que ele comanda em Brasília, há mais de uma década, precisou fechar as portas até segunda ordem. “Foi uma catástrofe. Parou um momento da minha vida e de tantos outros profissionais. A temporada da peça estava planejada há pelo menos seis meses, tínhamos contrato assinado para seguir para São Paulo em julho. Foi superfrustrante, mas não tem muito o que fazer”, lamenta.
Morando sozinho em Brasília, Bernardo segue à risca o isolamento social, recomendado por autoridades de saúde em todo o mundo como medida de contenção da Covid-19. “Estou trancado em casa e vivendo um período relativamente tedioso, mas tentando me ocupar das formas que eu posso. Estou escrevendo bastante. Venho trabalhando muito esse lado, já escrevi outro curta-metragem para filmar no ano que vem e preparo um longa. Depois desses filmes e de várias peças, consigo assumir que sou roteirista”, revela. “Também pesquiso bastante, assisto a muitos filmes e estudo, mesmo, tanto a profissão de roteirista quanto a de ator”, completa.
A estreia de Bernardo como roteirista de cinema teve reconhecimento internacional. O curta-metragem “Me deixe não ser”, no qual ele também atua e assina a produção, levou o prêmio de melhor roteiro no Los Angeles Television, Script and Film Festival e no New Jersey Indian & International Film Festival. “Eu me apaixonei muito pelo cinema. Escrevo por instinto. Não digo que sou roteirista profissional, porque não tenho a técnica”, confessa. “Funciona também como terapia. Coloco muitas questões minhas dentro do filme, como traumas e angústias. Mesmo que não seja de uma forma literal, acabo fazendo uma metáfora, conseguindo aliviar um pouco esses sentimentos”, acrescenta.
No trabalho como ator, Bernardo também deixa as emoções fluírem. “Atuar é sempre pessoal. No audiovisual, principalmente, o realismo da cena tem que estar muito evidente. É diferente do teatro, onde a interação com o público é mais direta”, acredita. São mais de 30 peças no currículo, como “Hermanoteu na terra de Godah” e “SEXO – A comédia”, junto com a Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo, e “Como não arruinar o seu relacionamento”. A lista inclui dois espetáculos de sua autoria, “Não durma de conchinha” e “Tudo sobre nossa vida sexual”. “Não tenho com a TV e o cinema a mesma intimidade que eu tenho com o palco”, reconhece.
Na TV, um de seus papéis mais marcantes é Kaara, da novela “Órfãos da terra”. Embora o personagem fizesse parte do núcleo dos vilões, comandado por Paul (Carmo Dalla Vecchia) e Dalila (Alice Wegmann), Bernardo não o considera pura e simplesmente cruel. “Foi meu primeiro vilão e eu achei muito bom. Ele era um cara perdido financeiramente, sem apoio da família, que se envolveu com o personagem do Carmo Dalla Vechia. O objetivo dele era sair daquela vida, precisava vencer de qualquer jeito. Como ator, você não pode julgar o personagem, mas sim entender quais são as motivações que o levaram até ali”, explica.
A internet é outro meio que trouxe visibilidade para Bernardo, um dos responsáveis pelo “Canal Só 1 Minuto”, no YouTube. Voltado para o humor, o canal recebeu da plataforma de compartilhamento de vídeos uma placa comemorativa, após atingir cem mil inscritos e 18 milhões de visualizações. “O canal está parado há cerca de três anos, mas ainda tem 190 mil inscritos”, conta o ator. Com o público online vieram, além de fãs, os haters. “Optamos por não responder comentários, fossem bons ou ruins. No começo do canal eu ficava incomodado com algumas críticas, mas depois falei: ‘se eu ficar preocupado por causa disso, não vou fazer’. Aí, desencanei total”, recorda.
Apaixonado por teatro desde os 15 anos, Bernardo faz questão de frisar que não é uma carreira fácil e passa isso aos alunos inscritos em seu curso de formação de atores. “Fiz quatro anos de artes cênicas na UnB, mas não consegui me formar porque já trabalhava como ator e viajava muito. Meu pai era médico e queria que eu fizesse outra faculdade, tivesse uma profissão mais estável. Cheguei a mentir para ele que eu estava fazendo outra faculdade em paralelo, porque do contrário ele não me deixaria cursar artes cênicas. Para agradá-lo, comecei a fazer relações internacionais, que não tinha nada a ver comigo. Fui uma semana e, durante um mês, fingia que ia às aulas. Até que finalmente abri o jogo com meu pai”, recorda.
Do primeiro curso de interpretação, ainda no Ensino Médio, até completar 20 anos de carreira, foi um longo caminho para Bernardo conseguir levar adiante seus projetos. Ainda assim, ele assegura que jamais lhe passou pela cabeça mudar de profissão. “Minha carreira foi degrau por degrau e eu demorei uns dez, 15 anos para ganhar dinheiro de verdade. Nunca pensei em desistir. Ser artista é uma construção. Dou aos alunos essa visão realista de que é difícil”, garante.
O ator reconhece, entretanto, que não basta contar com o talento. “Tive uma estrutura familiar que me permitiu correr atrás desse sonho. O fator sobrevivência é primordial, é importante se sustentar”, admite. “Sorte é uma palavra fundamental na carreira de qualquer autônomo, qualquer artista, mas a pessoa tem que fazer por onde. De alguma forma, você tem que ser empreendedor. Já me acostumei com a questão da instabilidade financeira e poupo dinheiro. Sei que tem épocas melhores e outras piores”, ensina.
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