Rodrigo Pinto tem o emprego dos sonhos de muitos jovens apaixonados por música, como ele. Ao lado da namorada, a greco-alemã Elisa Kriezis, ele viaja o mundo visitando os maiores e mais conceituados estabelecimentos comerciais de CD’s e vinis, através do programa “Minha loja de discos”, exibido todos os domingos no canal Bis e que já está em sua terceira temporada. Paralelamente, ele é, ao lado de Didi Wagner, o responsável por cobrir ao vivo os principais festivais do país para o Multishow, entrevistando grandes nomes da música momentos depois de seus respectivos shows no Rock In Rio ou no Lollapalooza. Agora, ele aguarda a estreia de “Sons urbanos”, no próximo dia 10, através do qual desvenda, ao lado de Elisa, o cenário mundial dos artistas de rua.
Mas sentar no sofá do programa “Bastidores” é algo que parece natural para o garoto que sempre foi ligado em música e, por um capricho do destino, acabou escrevendo sobre economia antes de entrar no caminho que trilha hoje. No currículo, ele já tem um documentário sobre Lenine, o “Continuação”, além de um programa sobre a profusão cultural do Reino Unido no período pré-Jogos Olímpicos, que marcou seu primeiro projeto profissional com a atual namorada.
Em um longo bate-papo descontraído com HT, Rodrigo Pinto que, pela primeira vez visitou o Brasil com o “Minha loja de discos”, avalia o atual estágio da indústria fonográfica no país, como o vinil ainda se mantém como uma mídia viável para consumidores e artistas, além da importância desses locais para os próprios músicos e a divulgação de seus trabalhos. Além de dividir um pouco do seu gosto pessoal sobre o assunto, ele também fala sobre seu próximo projeto, um novo programa sobre, claro, música. Vem com gente!
HT: Quando você decidiu que queria trabalhar como jornalista, especializado em música?
RP: Essa sempre foi uma área de interesse para mim, mas só comecei a trabalhar nela em 1999, como assistente de produção do Prêmio Multishow. Como jornalista, eu fazia pautas de economia, mas, paralelamente, tinha uma banda, então não achava legal misturar isso tudo. A banda acabou indo para o espaço (risos) e fui editor de cultura do Globo Online. Saí para apresentar o programa “Bastidores”, no Multishow, e ali tinha muita música. Comecei então a apresentar o Lollapalooza e o Rock in Rio, dividindo com a Didi (Wagner).
HT: E como você chegou ao “Minha loja de discos”?
RP: Em 2009, eu fazia vinhetas para homenagear os artistas do Prêmio Multishow. Comecei a fazer pequenos documentários para o canal, e, então, tive o “Continuação”, um longa, no qual acompanhei o Lenine em turnê. Isso me abriu portas como um produtor independente. Já no fim dos anos 2000, tentei fazer um documentário sobre o fechamento da fábrica de vinis, Polysom. Sempre me interessei por essa cultura do vinil, e, então, fiz meu primeiro trabalho com a Elisa. Desenvolvemos a ideia do programa, porque pensamos que seria interessante mostrar esses museus da música. Mandamos um piloto para o Bis e ele foi aceito. É algo bem caseiro, que mantemos há três anos.
HT: Por que o programa demorou tanto para visitar uma loja no Brasil?
RP: Demorou por que morávamos em Londres e tínhamos um universo enorme a ser explorado no Reino Unido. Depois, partimos para os Estados Unidos, porque era o país com o maior número de lojas. Então, começaram a pedir pelas redes sociais para que viéssemos ao Brasil.
HT: E como está o atual estado das lojas de discos no país?
RP: O panorama do vinil melhorou muito, por aqui. A fábrica da Polysom foi reaberta com recorde de produção. O número de lojas também está estabilizado, e talvez até crescendo. Sabemos de bons estabelecimentos que estão abrindo as portas no Brasil. Hoje, há também muita banda independente lançando álbuns em vinil, além das edições especiais que temos acompanhado. Acredito que, atualmente, a maior loja seja a Baratos Afins, em São Paulo, que existe desde os anos 1970.
HT: Você diria que o mercado de vinis no Brasil está em um bom momento?
RP: Claro que não dá para comparar o ritmo de produção entre Brasil e o Reino Unido, mas houve um crescimento. Os principais supermercados dos EUA e do Reino Unido, por exemplo, vendem vinil. É possível imaginarmos que não há um retrocesso, e sim uma convivência entre mídias, o que é parte do mercado.
HT: Então, apesar do mp3 e do streaming, o vinil ainda vende no país?
RP: O vinil é um percentual pequeno, comprado mais como produto colecionável. Ao mesmo tempo, é o segmento que mais cresce, mas com uma parcela pequena da produção concentrada em artistas independentes e de baixa receita. Acho que essa é a forma de artistas saírem do universo do streaming, que é muito efêmero. Claro, o streaming ainda é o principal meio de consumo da música, por razões lógicas. O CD não faz mais muito sentido, ele está desaparecendo, mas ainda tem certas funções específicas, como ser um cartão de visita para o artista.
HT: Qual é o perfil do público que ainda consome música em produtos físicos, como o vinil?
RP: Vemos de tudo, desde o colecionador, que sempre comprou, até um perfil de jovem que tem investido mais nesse aspecto (pelo menos com base na minha observação), por ter o prazer de segurar um produto daquele nas mãos, mais como arte, algo que ele põe na parede. Há também uma parcela que só consome porque há um hype em volta do físico. Eu nem tenho nada contra isso, inclusive acho que ajudou a popularizar vários gêneros e tecnologias. Mas os compradores mais comuns são mesmo os colecionadores.
HT: Ao visitar tantas lojas em tantos lugares do mundo, qual foi a maior surpresa que você já teve?
RP: Ficamos muito impressionados com a força da Smekkleysa, que significa “mau gosto” em islandês. Essa loja é pequena, em um lugar modesto, com apenas dois funcionários, e não é nem de perto uma das maiores que já visitamos. Mas quando começamos a buscar os artistas para entrevistarmos, percebemos que todos queriam ir para lá. Por causa da Björk (uma das revelações da loja), eles já lançaram artistas como o Sigur Rós, e vão desde o metal até à música clássica.
HT: E no Brasil, qual o lugar mais interessante que conheceram?
RP: Em São Paulo, foi legal passarmos os dias nas duas lojas que visitamos. Na Baratos Afins, por exemplo, estávamos de bobeira gravando, quando chega o Marcello Nova, para perguntar sobre o dono. Depois, chegou o Edy Star, do grupo Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, criado pelo Raul Seixas. Essas lojas têm um sentido comunitário muito forte e, em qualquer roda de conversa, o assunto mais recorrente é a música. Na Casa Brasilis, por exemplo, encontramos o Criolo, o Siba e o Curumin.
HT: E como vê a importância desses “santuários” para os artistas atuais?
RP: Uma história muito legal, que contamos no programa, é a dos Mutantes. Na década de 90, eles estavam meio sumidos do cenário com a explosão do sertanejo e do pagode, músicas muito comportadas. Então, o Luiz Calanca, dono da Baratos Afins, decidiu relançar o disco dos Mutantes depois que o Arnaldo (Antunes) teve um acidente e isso coincidiu com a vinda do Nirvana para o Brasil. Ele foi ao hotel da banda e deixou todos os discos dos Mutantes para os integrantes. Então, o Kurt (Cobain) (1967-1994) ouviu e mandou um bilhete agradecendo. A partir daí, ele começou a falar dos Mutantes e, quando isso aconteceu, o Beck também entrou na jogada, citou o grupo como uma grande influência, e todo mundo voltou a ouvi-los. Quem trabalha nessas lojas, ainda tem muito dessa credibilidade e dessa influência. Se ele falar que uma banda é foda, as pessoas ouvem com atenção.
HT: Como você e a Elisa começaram a trabalhar juntos e como é essa relação?
RP: Fizemos algumas matérias juntos quando terminamos a universidade e, ao mesmo tempo, já ficávamos. Em determinado momento, senti vontade de voltar à TV. Começamos a conversar sobre isso e tivemos a ideia de lançar a série “Londres assim”, no GNT, mostrando a cidade cultural e social antes dos Jogos Olímpicos de 2012. Nós já morávamos lá há um ano e essa foi a nossa primeira experiência juntos para a TV.
O programa teve uma boa repercussão e, então, surgiu a ideia para o “Minha loja de discos”. Em seguida, pensamos no “Sons urbanos”, nosso próximo projeto também no BIS, com pequenos documentários sobre músicos de rua, e que começa a ser exibido no próximo dia 10. Andamos muito de transporte público, o que é uma outra maneira de circular mais nos EUA e na Europa. Começamos a ver bons artistas de rua, com uma qualidade musical muito alta, e começamos a desenvolver esse trabalho há uns três anos. Hoje, já temos mais de 30 bandas gravadas.
HT: Rodrigo, não podemos terminar o papo sem perguntarmos qual o seu disco preferido, dentre tantos que já ouviu. Você consegue escolher um?
RP: Eu gosto muito do “Sandinista!” (1980), do The Clash, que é um álbum triplo, bem político, bonito e com uma mistura de sons muito londrina, tipo reggae e punk. De brasileiro, eu gosto muito do “A Tábua de esmeralda” (1974), do Jorge Ben Jor. Nós nascemos na mesma área e eu ouvia muitas histórias dele quando era criança. Acredito que o Jorge Ben seja um dos maiores gênios da música, em todo o mundo. Esse é um disco maravilhoso e que, por sinal, eu gostaria que ele tocasse de novo.
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