*Por Brunna Condini
Com 23 anos de trajetória, e trabalhos variados no teatro, no cinema e na TV, o ator Renato Livera vibra por estar no ar com dois personagens bem diversos. Na série “Matches”, que estreou mês passado na Warner Channel, ele mergulha na leveza da comédia. Já em “ 1 Contra Todos”, produção da Globoplay, o ator encarna um político que prima pela honestidade. “Em “Matches” mostramos os encontros, desencontros e as aventuras amorosas de pessoas em um aplicativo de relacionamento. Faço o Escovão, um personagem divertido, carismático, um tanto excêntrico, melhor amigo do Ricardo, que o João Baldasserini faz, e expert nesses tipos de apps. Com a missão de levar Ricardo para o mundo virtual, ele acaba enfiando os dois em grandes e divertidas roubadas”, conta sobre a produção que na semana de estreia, ficou à frente de duas grandes emissoras brasileiras de TV aberta.
Renato é um ator que vive e pensa seu trabalho a todo momento. Tanto, que ao falar do seu personagem em “1 Contra Todos”, salienta o contexto político do país de hoje. “Foi a minha primeira experiência em série dramática. O Bruno Pontes é um deputado que luta contra o tráfico internacional de drogas colocando a própria vida em jogo. Isso faz dele um profissional que exerce o ofício para atender um interesse público acima dos interesses pessoais, coisa rara na política brasileira”, avalia.
“Mesmo que hoje a política seja palco de articulações corruptas, existem pessoas empenhadas em diálogos mais positivos socialmente, por isso vivê-lo é ter a oportunidade de dar voz a um pequeno grupo que ainda se esforça para combater algumas estruturas de poder, mesmo que isso custe a própria vida, como Marielle Franco e tantos e tantas outras”, conclui, usando como exemplo a vereadora assassinada. O crime completa dois anos neste sábado (14).
Fora isso, você tem seu monólogo “Colônia”, que apresenta há três anos. Você define a peça como uma discussão sobre a intolerância e os mecanismos de barbárie que a humanidade reproduz em sociedade. Sobretudo a partir de uma herança de Brasil. O que você deseja que as pessoas saibam com essa história? “Entre 1930 e 1980, num manicômio em Minas Gerais, mais de 60.000 pessoas foram mortas por total negligência do governo e também da população. Ainda hoje, tantas outras minorias são vítimas constantes da violência, discriminação e preconceito. Por isso falar sobre é tão importante. O teatro como artifício pode alcançar diversas funções, desde o entretenimento à denúncia e a crítica social. O espetáculo faz um retrospecto histórico da exclusão de grupos na sociedade, propondo uma reflexão sobre as explorações humanas e as violações de direitos básicos do indivíduo, abrindo um espaço para lançarmos dispositivos que, ainda que subjetivos, podem contrapor os danos e os colapsos sociais”, diz sobre a montagem que vai ter apresentação única, dia 2 de abril, em Nova Iorque.
Como vai ser falar deste contexto para um público estrangeiro? “Faremos parte do “Brasil Experiments”, um simpósio em Nova Iorque voltado para a reflexão, análise e combate às atuais condições sócio-políticas que esmagam a sociedade civil no Brasil. É uma reunião de vozes, corpos e ações que constituem um gesto coletivo contra a censura, a discriminação e o crescente autoritarismo no mundo. O convite veio através do próprio curador André Lepecki que assistiu o trabalho em São Paulo. É uma honra poder levar um projeto independente para estimular uma reflexão tão urgente em um país estrangeiro”.
O ator afirma que o teatro sempre foi um “companheiro inseparável”, na sua carreira. E se orgulha, de em mais de duas décadas de trabalho, nunca ter ficado um ano sem subir em um palco, apesar de todas as dificuldades. “Ser ator de teatro é um grande desafio no Brasil, há pouco incentivo e muitas vezes pouco interesse do público em ver trabalhos alternativos, mas me orgulho de poder realizar meus projetos e conseguir circular com eles por diferentes regiões, levantando questões relevantes e urgentes da nossa sociedade dentro e fora do Brasil. No ano passado apresentei no Chile e em Portugal e isso é de extrema importância para a cultura e para a representatividade artística em nosso país”.
O goiano de 39 anos que já participou de algumas novelas, e chegou a ser indicado para o Troféu Imprensa pelo personagem Simut em “Os Dez Mandamentos” (2016), na Record, conta que também tem vontade de fazer mais TV aberta. “Acho que o ator precisa se instrumentalizar para atuar em diferentes plataformas. Quero continuar dividindo meus trabalhos entre o teatro, a TV e o cinema. Há um projeto em TV aberta ainda para esse ano”.
Um ator, em nosso país, não estar na TV, é… “Não ter reconhecimento o suficiente. A TV é um lugar onde o aporte financeiro é promissor, assim como a projeção, ao contrário do teatro. Já vi muitos desistirem da profissão. Precisamos nos reinventar a todo o momento, enfrentando as dificuldades diárias. Há muitos artistas incríveis no Brasil que não estão na TV. Eles também representam a riqueza cênica, com trabalhos provocadores, e pesquisas que de fato constituem a identidade cultural do país”.
Renato revela ainda, que prepara uma peça sobre fake news no Brasil. “Pretendemos estender a pesquisa que iniciamos em “Colônia”, trazendo à tona questões que refletem a atual situação política do país. Tivemos uma experiência inédita nas eleições, mas não quer dizer que as fake news sejam recentes. Queremos justamente investigar essas ferramentas que a comunicação usa para a manipulação e obtenção de verdades construídas a serviço de um interesse tóxico”, observa.
E anuncia sobre os próximos passos: “Acabei de voltar de Manaus após dirigir um documentário sobre a inclusão das minorias no Carnaval da cidade. Pretendo finalizar este projeto ainda este ano. Também vou gravar a segunda temporada da série “Matches”, e continuo viajando com o meu monólogo”
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