Com a chancela de Christopher Nolan na produção executiva, estreia hoje nos cinemas “Transcendence – A Revolução”(Transcendence, Warner Bros, 2014), o longa de sci-fi estrelado por Johnny Deep com direção de Wally Pfister, um dos colaboradores mais recorrentes do cineasta. Na trama, um brilhante cientista (Depp), envolvido em um projeto com inteligência artificial, é obrigado a fazer o upload do seu cérebro para um super computador após ser vítima de um atentado fatal. O tema é perfeito para uma produção com o dedo de Nolan, um realizador preocupado em desvendar os subterrâneos do cérebro humano, tanto em filmes como “Amnésia” (Memento, Newmarket Films e outros, 2000) como “A Origem” (Inception, Warner Bros, 2010). Para ele, a última fronteira não é o espaço sideral, a realidade virtual, nem as profundezas abissais, mas a própria complexidade dá mente humana, essa sim, um imenso universo a ser explorado.
Queridinho da Warner desde quando assumiu com louvor a difícil missão de reinventar Batman na tela grande, o cineasta não tem dificuldade em amealhar grande orçamento, nem arregimentar um contingente de atores de prestígio, que vai de Gary Oldman a Leonardo DiCaprio. Com as costas quentes do estúdio, ele agora tira da sua cartola dois atores com quem costuma trabalhar, os ótimos Cillian Murphy e Morgan Freeman, e abrilhanta o elenco com dois novatos em suas realizações: Rebecca Hall e o eficiente Paul Bettany. Mas a novidade maior fica por conta de Depp, também estreante na filmografia de Nolan. Mas, em um papel onde poderia fazer a festa (um cientista esquisitão que acaba se fundindo a uma inteligência artificial), o ator prova mais uma vez que, quando abre mão de interpretar personagens histriônicos como Jack Sparrow, Ichabod Crane e o Sr.Wonka, encontra no set o mesmo tipo de estranheza que pretende passar quando estrela as produções do seu parceiro Tim Burton. Sim, para ele interpretar alguém que não seja uma figuraça é um grande mistério e ele não fica à vontade com isso, mesmo quando o roteiro lhe dá de bandeja uma criatura pródiga de possibilidades.
Nessa hora, o astro prefere tentar emular uma referência que tem para si na arte de representar e com quem atuou duas vezes: Marlon Brando. A cara de entojo de quem saiu de casa somente para faturar uma bolada – e, quem sabe, fazer uma caixa extra para pagar a pensão da ex-senhora Depp Vanessa Paradis e ainda permitir que a filharada permaneça na zona de conforto – é semelhante àquela que o antigo mito de Hollywood fazia quando, nas últimas décadas, precisava abandonar sua paradisíaca Tetiaroa, ilha no Taiti onde se recolhia, para fazer uns trocados e conseguir pagar o condomínio dessa sua possessão insular. Até a maneira como Johnny Depp mexe a boca neste filme lembra Brando mastigando chumaços de algodão para dar vida ao Dom Corleone de “O Poderoso Chefão” (The Godfather, de Francis Ford Coppola, Paramount, 1972). E mais: seu aspecto de desdém é semelhante ao do antigo astro quando este deixava entrever que fazia um longa-metragem aqui e acolá somente pelo desejo de manter as contas em dia. Como em “A Ilha do Dr Moreau” (Dr. Moreau’s Island, de John Frankenheimer, New Line Cinema, 1996). Aliás, o aparato facial de Depp em “Transcendence” lembra – e muito! – o aspecto de tia velha com filtro solar e expressão de botox do ídolo neste outro filme, promovendo sorrisos involuntários na plateia.
Fotos: Divulgação
Por sua vez, Wally Pfister, diretor de fotografia alçado ao posto de cineasta, demonstra maior preocupação com as áreas nas quais domina (fotografia e condução de efeitos visuais) do que com o melhor aproveitamento do roteiro ou a direção de atores. Uma pena, pois é aqui que o enredo deixa de ser uma boa promessa para cair no lugar comum. Na história, acaba se perdendo a dúvida entre o ser humano permanecer vivo dentro de uma máquina ou sucumbir a um programa de informática que apenas simula sua existência. Assim, o filme se torna apenas uma trama de ação, daquelas que fala de uma super máquina com sede de Pinky e Cérebro querendo dominar o mundo, ser Napoleão e redesenhar o planeta conforme sua própria concepção.
Obviamente este tema não é novo, se constituindo em figurinha fácil na cinematografia norte-americana, antes mesmo do advento da implacável Skynet na série “O Exterminador do Futuro” e da onisciente Vicky de “Eu, robô”, a versão para o cinemão do clássico de Isaac Azimov. As histórias em quadrinhos também são pródigas nesse assunto, e basta considerar o vilão Brainiac, em “Superman”, para traçar um paralelo entre as duas mídias. Dessa forma, o roteiro de Jack Plagen deixa de se concentrar em um argumento muito mais interessante para sucumbir ao mero desejo hollywoodiano de faturar mais alguns milhões, levando o público às salas de projeção para deglutir mais do mesmo.
E é justo quando abandona o viés de ficção-cabeça para se tornar um longa pancadaria que a produção acaba pisando em mais outro lugar comum na sétima arte: o medo de perder a individualidade para uma consciência que elimina qualquer vestígio de autonomia em prol de um mundo utópico, pleno de qualidade de vida, mas desprovido daquele charme imperfeito que torna cada pessoa única. Quando o tal híbrido de inteligência artificial com cientista brilhante começa a formar uma rede com todos à sua volta, a história cai em outro arquétipo utilizado à exaustão pelo cinema: o da ameaça que tolhe particularidades e destrói indivíduos, tornando tudo uma massa sem personalidade. Afinal, não foi o medo do socialismo, em plena Guerra Fria, que tantas vezes levou esse tema às salas de exibição, em realizações como “Invasores de Corpos”? Diante disso, a vida imita a arte. Assim como na história, uma inteligência maior procura submeter todos à sua vontade, só que dentro dos quarteis-generais das das produtoras. Dentro dos estúdios, boas ideias também são derrubadas a favor de uma consciência superior, para a qual nenhum lampejo de criatividade está imune ao desejo de fazer dinheiro repetindo os cânones do consumo fácil.
Trailer (Divulgação)
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