*Com Thaissa Barzellai
Norminha, de “Caminho das Índias”. Solineuza, de “A Diarista”. Lucimar, de “Salve Jorge”. Dona Helena, de “Dois Filhos de Francisco”. Esses são só alguns trabalhos que representam a potência e grandiosidade de Dira Paes enquanto atriz. Agora, com o longa-metragem “Veneza”, dirigido por Miguel Falabella, a atriz adiciona mais um nome para esse leque de personagens em mais de 30 anos de carreira que tem feito parte da história do cinema e da teledramaturgia brasileira – tendo sido, inclusive, celebrado com o Troféu Oscarito na edição de 2017 do Festival de Cinema de Gramado. A personagem da vez é Rita, uma das prostitutas do bordel comandado por Gringa (Carmen Maura), uma cafetina que, doente, quer ir atrás do amor do passado e corrigir seus arrependimentos em Veneza.
Para realizar esse último desejo, a personagem de Dira e os companheiros de bordel Madalena (Carol Castro), Jerusa (Danielle Winits) e Tonho (Eduardo Moscovis) se unem à uma trupe circense para ir em busca dessa aventura, deixando de lado os seus sonhos e anseios para um futuro diferente da única vida que se apresentou para ela. “Rita dá sem esperar nada em troca e ela se dedica a realizar o sonho de outra pessoa. Tem uma beleza nisso, uma doação da sua própria existência para essa loucura. Isso mostra um traço bem bonito da personagem porque não tem julgamento no que ela faz e tem uma doação da parte mais bonita do ser humano que é, independente se ela é uma prostituta ou não, a capacidade de fazer o outro sonhar. E manter isso dentro de você é a grande joia”, reflete. Como a possível herdeira do bordel, Rita tem uma relação de mãe e filha com a dona do local que, mesmo caminhando entre a frieza e o amor, é uma das poucas referências de acolhimento e pertencimento que a personagem tem.
Juntas, as duas, entre uma alucinação e outra de Gringa, desafiam a realidade e se permitem entrar nesse universo lúdico, cheio de sonhos e esperanças. Na vida real, a troca entre as duas atrizes também permitiu que Dira Paes tivesse uma experiência tão incrível que parecia proporcionada por um efeito mágico. Afinal, Dira nunca imaginou que um dia poderia estar contracenando com a espanhola Carmen Maura e que teria a chance de expandir seu olhar e escuta artística com os conselhos e métodos da convidada especial. “Teve esse momento de acolher a Carmen, de conhecê-la e de ver o tempo dela. As leituras com ela foram peculiares, porque perguntava bastante já que estava se acostumando às nossas vozes e queria entender em que momento a gente estava se direcionando a ela como Carmen ou Gringa. Esses ouvidos foram se acostumando uns aos outros”, relembra Dira que acrescenta: “Ainda está caindo a ficha de que eu faço parte desse elenco incrível e de ter sido escolhido para estar ao lado da Carmen nesse projeto lindo”.
Durante a passagem pelo Festival de Cinema de Gramado, no qual o filme foi exibido pela primeira fez e participou da Mostra Competitiva, Dira Paes relembrou diversos momentos dos bastidores, entre eles um entre o diretor e a atriz espanhola. “Teve um momento muito curioso. O Miguel fazia a Gringa e ela amava a interpretação do Miguel. Era realmente muito incrível. Ela, que não é boba nem nada, brincava falando que a personagem estava pronta e pedia para ele fazer, dizendo que iria se esforçar ao máximo para chegar aos pés da Gringa do diretor”, conta.
Com histórias tão acolhedoras não só na tela como também nos bastidores, “Veneza” consegue o feitio de nessa aventura, que caminha entre o realismo e naturalismo, colocar a prostituição – que poderia ser vista como a premissa inicial de toda a obra -, como uma personagem secundária. Deste modo, por diversas cenas, o espectador, esquece que esse assunto é pautado no filme. No entanto, se no filme é possível se permitir ver a obra pelo viés de outras temáticas – afinal, ele é, no fim de tudo, uma fantasia e, portanto, ilimitado na imaginação de quem vê -, na vida real as coisas são um pouco diferentes. Não por acaso, Dira preza pela liberdade artística acima de tudo. “É impossível você cercear a criatividade de um artista, estabelecendo o que é conteúdo ou não em uma obra de arte. É inadmissível esse tipo de cerceamento. Nós temos uma diversidade imensa e todos merecem ser representados da mesma forma. Isso sim é a democracia”, conclui.
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