*Por Rafael Moura
Nas últimas semanas os telespectadores choraram, torceram e vibraram junto com a doutora Carolina, personagem de Marjorie Estiano, em ‘Sob Pressão, plantão Covid’. Elogiadíssima pela crítica e público, a série disputou todos os prêmios nacionais que existem e levou a protagonista a ser indicada ao Emmy por sua interpretação como a médica na linha de frente dos profissionais de saúde. Com todo esse sucesso a atriz já está roendo as unhas de ansiedade para a estreia de ‘Noturnos’, no Canal Brasil e no Globoplay, da qual integra o elenco. A produção de A Fábrica vai revelar um lado pouco conhecido, mas fascinante da obra de Vinicius de Moraes. Os seis episódios são adaptações de poemas e contos no melhor do gênero thriller.
A dupla Caetano Gotardo e Marco Dutra assina a criação e direção-geral e a produção ainda com Andrea Marquee, Ícaro Silva, Rafael Losso e Vaneza Oliveira. A minissérie de seis episódios, cada um com 35’, ideia original de Renato Fagundes, tem como ponto de partida fragmentos das histórias ‘Balada do Morto Vivo’, ‘O Mágico’, ‘Operário em Construção’, ‘Conto Carioca, Conto Rápido’, ‘A Grande Voz’ e ‘O Incriado’.
Cada episódio conta uma história independente e adaptada livremente com personagens e a narrativa interligadas. Presos em um teatro por conta de uuma tempestade que inundou a cidade, os atores de uma companhia teatral trocam experiências e histórias que fazem referência a vários subgêneros dentro do terror, do gore ao psicológico. As locações variam entre um Rio de Janeiro dos anos 60; um condomínio de luxo em construção; um vilarejo ribeirinho no meio da Amazônia; uma casa grande no distrito dos diamantes na Minas Gerais do século 18; uma cidade do interior paulista nos anos 90; e uma igreja evangélica numa favela carioca nos dias de hoje.
Confira abaixo a nossa conversa com a atriz Marjorie Estiano.
Heloisa Tolipan – Marjorie, depois de 34 episódios, de “Sob Pressão”, como você avalia a doutora Carolina?
Marjorie Estiano – Depois de um filme, três temporadas e um especial percebo uma apropriação dela sobre mim. Ela já existe em mim de uma maneira muito consistente e quase inconsciente, mesmo que ainda assim eu sempre busque o que mais ela pode ser que eu ainda não tenha visto. Ou também de que outra maneira posso me relacionar com alguns aspectos da rotina dela. É fato que a essa altura já nos conhecemos bem, mas considero as surpresas algo muito rico, principalmente porque nós (eu e ela) estamos em constante transformação ou pelo menos tentamos. Lutamos para não nos acomodarmos em nenhum aspecto das nossas vidas. Entretanto, preciso ser justa com a Carolina: acho que foi mais ela que me construiu do que eu a ela. Uma mulher muito madura, sensível, íntegra, inteligente e com um olhar para a vida que trouxe muita beleza ao meu, que me nutre e me desconserta, ou melhor dizendo: me conserta, me coloca no eixo.
HT – Muitos dos episódios de ‘Sob Pressão’ foram inspirados na vida real. Como foi gravar e viver esses episódios especiais sobre o nosso momento difícil de Covid-19?
ME – Duro. Viver essa metalinguagem não é simples. Cada um se relaciona de uma forma com essa condição, mas todos nós estamos em um momento de muita instabilidade, muita incerteza, medo, perdas de várias ordens. Somos um conjunto, uma equipe e dar conta disso é um exercício constante e diário. Para além de todo arco dramático dos personagens, do meu pessoal e do nosso enquanto conjunto. Estamos fora do nosso lugar de conforto. Administrar essas oscilações certamente foi um grande desafio. Mas acho também que justamente pelo fato de estarmos na pandemia, de estarmos falando e fazendo algo que talvez ainda possa ser útil no curso dela, nos deixou muito motivados.
Nota HT – Para a versão especial ‘Covid’, a TV Globo construiu um hospital de campanha em menos tempo que muitas cidades pelo Brasil e com bastante perfeição. Aplausos para todos os profissionais envolvidos na produção, pois não deve ter sido nada fácil colocar os dois episódios no ar, uma atração em meio ao caos com tanto cuidado e protocolos de segurança.
HT – Como foi vivenciar um pouco das experiências dos profissionais de saúde que lutaram/ lutam no combate ao novo coronavírus?
ME – Foi muita coisa. Ao mesmo tempo estafante e libertador. Sofrido e esperançoso. Em maior ou menor escala uma sensação que pode ser comum a todos nós brasileiros nesse momento. É de abandono e muito mais desesperador para a maior parte da população negligenciada. Sente que não tem valor, não tem importância, não tem ninguém que olhe por ela, zele, cuide, proteja. E quando percebe que sim, que a vida dela tem importância, que tem alguém lutando por ela, dedicando e arriscando a própria vida pela sua, ganha esperança, confiança, força… isso inspira e motiva. E confiança é algo muito caro, muito importante, e tudo que a gente está vendo e vivendo explicita em quem a gente pode confiar. Os profissionais da saúde, junto com a imprensa e a sociedade civil, se mostraram nossos alicerces nesse momento. Me fez realizar a responsabilidade e grandiosidade desse gesto na decisão de ser um profissional da saúde no Brasil.
Acho que os grandes desafios das nossas vidas são ao mesmo tempo sempre uma grande oportunidade de evoluir, de crescer também. A gente pode escolher fugir, negar e não usufruir dessa chance. Mas eu, pessoalmente, acho que só vai fazer com que todo o sofrimento seja em vão. O brasileiro é por essência muito criativo, alegre e trabalhador. Estar perto de quem nos inspira, procurar inspirações resulta em esperança. Não tenho dúvida de que dias melhores virão e acho que a gente deve aproveitar o que essa tragédia está nos mostrando e nos apropriar disso para seguir ganhando o maior deslocamento possível na compreensão de indivíduo e coletivo. O país é imenso e muito desigual, com realidades muito distintas. A gente existe na relação com o outro. É nela que nos tornamos concretos. Então, acredito que quanto mais nos conhecermos nas nossas qualidades e defeitos, mais fortalecidos.
HT – Como a Marjorie está passando esse período de isolamento?
ME – Comparando com a realidade da maioria dos brasileiros, estou passando quase ilesa. Eu vivo o isolamento com o medo projetado pela imaginação tanto sobre o vírus quanto sobre as perdas. A realidade desse momento tem consequências muito distintas de acordo com cada vida. Sem dúvida estamos no mesmo contexto, mas algumas especificidades alteram radicalmente o desafio. Eu tive que lidar com todo o desamparo emocional, muito medo, tristeza, incerteza, abandono tudo que chega junto com essa ameaça de morte, vivendo e assistindo a todo esse sofrimento em cadeia disparado pelo vírus. Com o privilégio de ter suporte para enfrentar o isolamento apenas por esse viés e auxiliar familiares, amigos e grupos mais vulneráveis da sociedade.
HT – Planos futuros?
ME – Tivemos que interromper as filmagens da série ‘FIM’, uma adaptação livro da Fernanda Torres feita por ela mesma, em março desse ano (Marjorie fará Ruth, par romântico de Fabio Assunção). Filmamos apenas umas semanas e tivemos que parar, mas pretendemos retomar. Ainda temos a quarta e quinta temporadas do ‘Sob Pressão’ para serrem rodadas. Tirando a estreia do “Noturnos”, todos os outros projetos ainda estão avaliando uma adaptação para conseguir incorporar a realidade do momento ainda com a presença e ameaça da Covid-19. Então, a curto prazo meus planos são de me manter viva e saudável e, a médio e longo prazo, ainda um pouco imprevisível.
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