*Por Vítor Antunes
“Ninguém nasce mulher. Torna-se mulher”. A frase de Simone de Beauvoir (1908-1986) poderia definir o quão complexo é experienciar haver nascido no corpo feminino. A imagem da mulher nas redes sociais é discutida de tal maneira que a elas, a contrário dos homens, não é permitido o “pecado” de envelhecer. É sob esta seara que nascem as falas da atriz Tereza Seiblitz, 58 anos, que recentemente viu-se expostas na web por haver sido fotografada enquanto estava na feira. Dizia-se que a artista era algo como “irreconhecível”, em razão da idade. “Acho horroroso isso por que coloca em cima de todas as mulheres a necessidade de se estar acompanhado o ritmo e fazendo-as ir atrás de um corpo que não existe mais. A vida não acaba quando você atinge a maturidade”, desabafa.
Além desta discussão, Seiblitz falou-nos sobre seu próximo projeto teatral, “Carangueja“, que está em fase de montagem e deve ter lançamento para breve. A peça, um monólogo, será dirigida pela atriz Fernanda Silva, que é trans. Fato que veio a calhar com o forte posicionamento de Tereza, que se identifica como “mãe, pesquisadora, e transfeminista”. Quando for aos palcos, “Carangueja” será uma das poucas montagens a ter, como diretora, uma mulher trans.
ATRIZES, O ETARISMO E PRESSÃO ESTÉTICA
Tereza Seiblitz relata-nos de que esta não é a primeira vez que recebe shade na Internet apenas pelo fato de ser uma mulher madura. Em outra ocasião, fora alvo de um comparativo de “antes e depois”, onde usaram uma foto dela mais jovem junto a outra, editada digitalmente. Ela disse-nos que num primeiro momento achou engraçada a montagem, mas, depois, preocupou-se. Na segunda, a mais recente, chamou-lhe a atenção não apenas haverem cobrado dela um corpo de 27 anos atrás, quando dera vida à cigana Dara, mas pelo fato de ela não poder vestir-se de maneira leve para ir a uma feira escolher um tapete.
Sobre a maturidade, Seiblitz trouxe uma observação diante da diferença entre homens e mulheres. Para tal, lançou mão do seu próprio ofício: “Eu acho muito cruel o etarismo, especialmente com as mulheres. Observe a quantidade de casais nas novelas nos quais os homens são muito mais velhos e meninas muito mais jovens. É algo muito comum, embora já tenha sido mais”.
Com efeito, esse recurso foi fartamente explorado na TV. Em “O Cravo e a Rosa“, atualmente em reprise, há uma diferença rascante. O par formado entre Ângelo Antônio (36, na ocasião) e Leandra Leal (18), não foi sequer problematizado, ainda mais em razão de, naquele momento, a atriz ser menor de idade, haja vista que, para as mulheres, a maioridade só deixou de ser 21 anos, em 2002. Tereza, viveu, em “Renascer“, a experiência de ver a sua personagem, Joana, ser casada com Tião Galinha, vivido por Osmar Prado, sendo que ele tinha muito mais idade que ela. O que reitera a tolerância no relacionamento entre homens de mais idade com moças. Em “Explode Coração“, 1995, discutia-se o fato de um rapaz jovem, personagem de Rodrigo Santoro (20 anos) apaixonar-se por aquela vivida por Renée de Vielmond, (42 anos).
A artista classifica como “careta” a catalogação das pessoas de forma geracional: “Acho que a velhice não está no corpo. Está na cabeça e na falta de projetos. Enquanto a pessoa tem projeto de vida ela é sempre jovem. Em diversos momentos eu me sinto com diversas idades possíveis, tanto mais criança como mais madura por algum pensamento que me chega, como fora por ancestralidade”.
A CARANGUEJA E O TRANSFEMINISMO
Embora atriz, Tereza é formada em Literatura, pela PUC/RJ. Seu trabalho de conclusão de curso era a produção de um texto dramático, maneira pela qual nasceu o monólogo “Carangueja”, em 2015. A roteirização ficou a cargo dela, supervisionada por Paulo Henriques Brito, que é um poeta e tradutor. Depois de quase sete anos, a montagem tem a chance de ganhar os palcos, trazendo um ato muito positivo e quase inédito: a diretora é uma mulher trans, a artista piauiense Fernanda Silva.
Curiosamente, a primeira vez que a transexualidade apareceu em um personagem de novela da Globo, o foi na já citada “Explode Coração“, onde Tereza viveu a protagonista Dara. Em 1995, até mesmo a comunidade gay tinha dificuldade em categorizar a personagem Sarita, vivida por Floriano Peixoto – Era drag queen? Era cross-dressing? Travesti? – já que a a questão trans ainda não havia sido discutida. Tereza diz achar que muita coisa mudou de 1995 pra cá: “(…) Quando a Gloria Perez traz a Sarita pra novela, pro povo, foi uma discussão extremamente eficiente (…) Eu fico impressionada com a sensibilidade de ela haver levantado esse tema há quase 30 anos. Embora a gente tenha avançado em muita coisa, socialmente ainda há muito a ser visto”, propõe.
O PRIMEIRO FILME E A AMIZADE COM DANIELLA PEREZ
O primeiro filme de Tereza Seiblitz era uma produção internacional chamada “Pure Juice“. Neste filme, produzido em 1990, a lambada tinha fundamental importância e era o elemento central do longa. Embora fosse dançarina, Seiblitz precisou aprender o ritmo, que revelou-se o símbolo daqueles idos. Sua coreógrafa, esposa de um dos atores da película, Raul Gazolla, transformou-se em sua amiga. Era Daniella Perez (1970-1992). A amizade entre ambas permaneceu, de modo que, coincidentemente, estrearam na mesma novela “Barriga de Aluguel“, igualmente em 1990, sem, no entanto, fazerem parte do mesmo núcleo.
A dureza do assassinato do qual Daniella fora vítima chocou Tereza, que, além de haver perdido a amiga, havia contracenado com seu algoz ainda naquele ano: “No começo de 1992, eu trabalhei com o Guilherme de Pádua, que era era o chefe dos ladrões na montagem de “Ali Babá“. Ele me raptava em cena, em razão de eu ser a mulher do protagonista. Eu descia pendurada no pescoço dele, num cabo de aço por cima das pessoas (…). Guilherme era esquisito, tinha uma coisa vazia. Era um carreirista que elaborava como se dar bem no próximo passo”. Segundo, a atriz foi difícil ver a série na qual a morte de sua amiga é o núcleo da obra.
DARA: NAMORO PELA INTERNET EM 1995 ERA “FICÇÃO CIENTÍFICA”
Exibida em 1995, “Explode Coração” foi a primeira novela inteiramente gravada nos Estúdios Globo. Na trama que protagonizou, viveu Dara Sbano, uma jovem cigana. A contrário do que se convencionou dizer, Tereza não tem ascendência espanhola, de modo que isso que isso não pesou em sua escalação. Talvez a sua experiência com dança flamenca tenha ajudado, ainda que, inicialmente, não fosse ela que daria a vida à personagem que a fez famosa: “Eu dançava flamenco num restaurante chamado El Pescador, no Rio, de terça a domingo e fazia parte de um grupo chamado Los Romeros, nesta casa”. O conhecimento desta modalidade de dança pode ter ajudado, porém Tereza diz que a cigana da novela não seria vivida por ela. Quem estava cotada era a Cláudia Abreu. Seiblitz faria uma baiana numa série que estava em pré-produção chamada “Mar Morto“, baseada no livro de Jorge Amado, projeto que acabou não sendo montado, embora tenha servido de base para a novela “Porto dos Milagres” de 2001. Outro dado curioso diz respeito ao restaurante El Pescador. Este fechou as portas e em seu lugar abriu uma concessionária de automóveis que, coincidentemente, chama… Dara!
Embora tenhamos dito anteriormente sobre o pioneirismo de “Explode Coração” em trazer uma personagem trans, ainda que não se soubesse exatamente disso, a novela foi pioneira ao trazer à discussão os sites de relacionamento e namoro, isso em 1995, quando a internet ainda era incipiente no Brasil. Na época, diz Tereza, que ela mesma não tinha computador. Só foi tê-lo em 1999. Embora lide bem com tecnologia hoje, a atriz declara que, na época, via esse avanço tecnológico com alguma estranheza: “Eu achava muito divertido aquilo de sentar na frente do computador para ficar conversando. Parecia uma ficção a mais. Eu não fiz pesquisa nenhuma sobre a Internet na época, mas, sim, sobre os ciganos, que era o que me interessava, a questão cultural que os envolvia”.
Dara fez enorme sucesso, bem como a novela, de modo que a atriz é, ainda hoje, reconhecida por este papel. Segundo ela, a personagem era interessante por que queria “estar antenada com o mundo, por mais que quisesse também estar ligada com as tradições ciganas”. Lamentou apenas o fato de que, na novela, acabou não sendo abordado o analfabetismo das gitanas, o que faz parte da tradição. A artista se diz honrada em haver colaborado no “batismo” de uma geração de ‘Daras’, nascidas em 1995.
“DONAS DE CASA DESESPERADAS”, NOVELAS ATUAIS E O BRASIL DE HOJE
Um dos trabalhos mais pitorescos da carreira da atriz tratou-se da série “Donas de Casa Desesperadas”, única experiência da Rede TV! em teledramaturgia. Embora inicialmente com boa audiência pros padrões do canal na época – 5 pontos – a série logo desinteressou a audiência que foi muito irregular. Como se isso não bastasse, a adaptação de “Desperate Housewives” em nada se assemelhava à realidade das donas de casa brasileiras, ressaltando a estranheza no ar.
A intérprete de Lígia Salgado conta que, ao ser convidada a fazer o projeto não conhecia o original americano. Viu, gostou e aceitou fazer parte da série. A questão é que, embora bem cuidada em alguns quesitos de produção e com uma escalação estelar, a série tinha uma logística complicada: “Para economizar, a produção, em vez de contratar um elenco de apoio de brasileiros, chamava atores argentinos. Era estranho por que estes tinham que falar em português, sem saber o idioma e acabavam precisando ser dublados. As cenas ficavam com um delay que diminuía a qualidade do projeto em alguns momentos”, descreve.
A atriz contou-nos que, para conferir alguma naturalidade à cena, os atores chamavam amigos seus que estivessem de passagem pela Argentina, assim como namorados de pessoas do elenco e/ou familiares que estavam de passagem pelo país platino a fim de conferir maior fluidez às cenas de elenco de apoio. Inclusive uma das filhas de Tereza, Manuela, acabou gravando uma cena para o projeto. A relação da emissora com “Donas de Casa” mereceu uma observação da artista: “A sensação que tenho é a de que a TV Manchete, por exemplo, tinha uma busca, um interesse em produzir algo. A Rede TV!, ao contrário, não parecia interessada em estabelecer um núcleo de teledramaturgia”, compara.
Perguntamos à Tereza se ela percebe alguma diferença salutar entre as novelas dos anos 1990 e as atuais e ela disse “não ver novela mais, especialmente depois de ter tido filhos. Vejo uma coisa ou outra. Elas não fazem mais parte do meu cotidiano”. Graduada e Mestre em Literatura, Seiblitz recebe muitas mensagens de fãs cobrando sua volta à telinha, plataforma a qual gostaria de voltar a trabalhar. Ela diz: “voltar à TV não é algo simples assim. Somos chamadas a fazer. Tive boas oportunidades nas quatro novelas que fiz. Em todas havia algo especial artístico pra mim como atriz”.
A palavra saudade, em sua etimologia, remonta a algo como “saudar a lembrança”. Enquanto revíamos sua carreira, Tereza lembrou-se de uma frase de Tião Galinha, personagem de Osmar Prado, seu marido em “Renascer“. O homem, de coração puro, foi preso injustamente. Próximo de seu falecimento, o personagem deu uma fala importante, que Seiblitz relembrou e emocionou-se ao falar:
Quem trabalha e mata a fome não come o pão de ninguém. Quem ganha mais do que come sempre come o pão de alguém – Tião Galinha (Por Benedito Ruy Barbosa, em “Renascer”)
Emocionou-se por falar “do empobrecimento da população, pela diminuição dos direitos trabalhistas, da fome e das pessoas cozinhando com lenhas de madeira e ferindo-se”. A atriz espera que esta eleição traga um sopro de esperança a quem está desassistido e deseja o nascimento de um mundo mais humano. Ela diz: “Não existe a possibilidade de se ficar feliz sozinho. Se não for para criar felicidade à nossa volta, criaremos felicidade aonde?”, finaliza.
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