Tatiana Tiburcio no elenco de ‘Sob Pressão’: “Estou vivendo oportunidade rara, principalmente para uma artista negra”


Tatiana viverá uma enfermeira em “Sob Pressão – Plantão Covid”: “O roteiro nos leva a uma realidade com um olhar humanizado sobre uma questão que é tão dura para nossa sociedade no Brasil inteiro e no mundo”. A atriz também integra a equipe do longa “Medida Provisória”, direção de Lázaro Ramos, o doc-tragicômico “Macbeth 2020”, de Luis Lobianco, com estreia virtual será dia 26, na plataforma Sympla, e a oficina “Negro Olhar”: “Conseguimos colocar em prática esse olhar que surge da necessidade de ver o artista negro em cena, na dramaturgia, direção e interpretação, misturando profissionais consagrados com novos talentos”, pontua

Atriz, diretora, preparadora de elenco e professora. Essas são algumas das várias facetas de Tatiana Tiburcio,  idealizadora da oficina “Negro Olhar” e responsável pela direção de elenco dos recentes “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos, “Macbeth 2020”, com Luis Lobianco, e que integrará o elenco da série “Sob Pressão – Plantão Covid”. Ela ainda emocionou o público no especial “Falas Negras” como Mirtes de Souza, sobre a história real da mãe do menino Miguel, que morreu após cair de um prédio sob cuidados da sua patroa, cuja atuação rendeu o Prêmio APCA 2020 de Melhor Atriz. “Foi muito emocionante ganhar pelo projeto, pela personagem e pelo que a dor dessa mãe representa para todos nós brasileiros que sonhamos um mundo mais justo e igualitário em seus direitos”, revela. Além da atuação, Tatiana também foi preparadora de elenco do projeto que fala sobre o racismo estrutural na sociedade. “Estamos aqui, sempre estivemos aqui. Grandes, poderosos, atuantes e competentes. Como disse Viola Davis: ‘O que falta para uma atriz negra é a oportunidade’. É isso que acontece no Brasil. Falta oportunidade para nos fazermos presentes com a nossa arte”, afirma. Apesar dos avanços, a atriz alerta para a necessidade de representatividade negra nas produções. “Sei que um pensamento construído e enraizado na formação da nossa sociedade por quase quatro séculos não se desfaz rápido. Já tivemos ganhos e avanços nessa caminhada, mas ainda estamos longe de poder nos acomodar e acreditar que resolvemos a questão”, frisa.

Tatiana mergulhará agora na enfermeira que chega ao epicentro da trama da série “Sob Pressão“: “É uma personagem muito bonita e delicada. E dialoga com todos que trabalham diretamente com o hospital de tal maneira que se entrega por inteiro quando se dá conta de que encontrou os seus iguais em ideologia, em vontade e paixão por aquilo que faz, que é salvar a vida do outro”.

Tatiana Tiburcio vai integrar o elenco de "Sob Pressão - Plantão Covid”: "Estou vivendo uma oportunidade rara para um artista negro brasileiro” (Foto: Reprodução/ Instgram)

Tatiana Tiburcio vai integrar o elenco de “Sob Pressão – Plantão Covid”: “Estou vivendo uma oportunidade rara para um artista negro brasileiro” (Foto: Reprodução/ Instagram)

Estrelado por Marjorie Estiano e Júlio Andrade, o seriado está em uma nova fase na qual episódios especiais retratam as implicações da pandemia do vírus na rede pública do país. Admiradora do trabalho desenvolvido na série, a atriz elogia a forma como conceito de coletividade é abordado e diz que se emocionou com o roteiro assinado por Lucas Paraizo: “Confesso que chorei quando terminei de ler. O roteiro nos leva a uma realidade com um olhar humanizado sobre uma questão que é tão dura para nossa sociedade no Brasil inteiro e no mundo”, diz, acrescentando que o Sistema Único de Saúde, o SUS, é um modelo de saúde público dos mais eficientes para atender a população de um país de tamanho continental e que é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Além da série "Sob Pressão", Tatiana está à frente de "Macbeth 2020" e da oficina "Negro Olhar". (Reprodução Instagram)

Além da série “Sob Pressão”, Tatiana está à frente de “Macbeth 2020” e da oficina “Negro Olhar”. (Reprodução Instagram)

Como Tati se sente com tantos e diversas empreitadas profissionais? “Estou com sono (risos), mas é o melhor momento. Eu fico mal quando não estou fazendo nada. Pode parecer clichê, mas é a mais pura verdade. A adrenalina é a melhor sensação para um ator. O artista tem que estar nas produções o tempo todo e, se possível, nas mais variadas frentes desse fazer arte. E a vida está me oferecendo este presente. Estou dirigindo, em “Medida Provisória” estava com a preparação de elenco, em “Sob Pressão” como atriz… Então, não tenho o que reclamar de tanto trabalho e de tanto “sono”. Estou vivendo uma oportunidade rara para um artista, principalmente um artista negro brasileiro”, afirma. 

A atriz Tatiana Tiburcio comemora a fase de muitos trabalhos e em prol da representatividade negra nas artes (Foto: Reprodução/Instagram)

A atriz Tatiana Tiburcio comemora a fase de muitos trabalhos e em prol da representatividade negra nas artes (Foto: Reprodução/Instagram)

O começo de um amor pelas artes

Antes de dar vida a tantos projetos, o primeiro contato da diretora carioca com a atuação começou aos 10 anos. Tatiana nos contou que foi incentivada a ingressar no meio artístico por intermédio da mãe que, em meio a um processo de separação, usou a arte para se reencontrar: “Minha mãe é uma pessoa muito divertida e engraçada…Dominava a cena, saía das marcas todas e fazia o que queria. Eu era muito tímida e vê-la daquele jeito, naquele espaço, foi o primeiro despertar do bichinho que comicha a gente”. Em meio a scripts e roteiros, o interesse pela arte da dramaturgia foi dando lugar à paixão pelo ofício, mas ele não veio facilmente. 

A paixão pelas artes cênicas começou por intermédio da mãe: "Vê-la daquele jeito, naquele espaço, foi o primeiro despertar do bichinho que comicha a gente” (Reprodução Instagram)

A paixão pelas artes cênicas começou por intermédio da mãe: “Vê-la daquele jeito, naquele espaço, foi o primeiro despertar do bichinho que comicha a gente” (Reprodução Instagram)

Pela idade, não tinha autorização da mãe para prestar a prova da Escola Técnica de Teatro Martins Pena, na qual a atriz se matricularia anos depois: “Eu saí escondido para fazer a prova, mas eu não tinha ideia que demoraria tanto, então cheguei em casa fora do horário combinado. Ela ficou muito brava, mas me colocou em um curso de teatro perto de casa”. Dois anos depois, já com a liberdade para poder se locomover, Tati iniciou os seus estudos na Martins Pena e deu o start na brilhante carreira que viria pela frente. Hoje, mãe de João, de 11 anos, ela tem no currículo ainda o curso de História da Arte pela UERJ e atuou na Cia dos Comuns e, como atriz e diretora de movimento e coreografia, na Companhia Amok Teatro. Em 2015, foi indicada como melhor atriz no Prêmio Shell de Teatro, pela atuação em “Salina (A Última Vértebra)”, realizado pela Cia Amok Teatro. O encontro com as técnicas do AMok e o conhecimento adquirido pelo trabalho, calçado nas referências de matriz africana pela Cia dos Comuns, a ajudaram a desenvolver um estudo sobre uma perspectiva de construção de personagem que deu origem à Oficina Negro Olhar – do movimento ao gesto.

Tatiana Tiburcio: “Sei que um pensamento construído e enraizado na formação da nossa sociedade por quase quatro séculos não se desfaz rápido. Já tivemos ganhos e avanços nessa caminhada, mas ainda estamos longe de poder nos acomodar e acreditar que resolvemos a questão da representatividade” (Foto: Reprodução/Instagram)

Tatiana Tiburcio: “Sei que um pensamento construído e enraizado na formação da nossa sociedade por quase quatro séculos não se desfaz rápido. Já tivemos ganhos e avanços nessa caminhada” (Foto: Reprodução/Instagram)

“Macbeth 2020” 

Com a regulamentação da Lei Aldir Blanc, que fomenta a produção cultural durante o período da pandemia, diversos projetos foram capazes de ganhar vida. No doc-tragicômico “Macbeth 2020“, de Luis Lobianco, ela assina a direção de elenco, e a estreia virtual será dia 26, na plataforma Sympla. Ela lembra que o encontro com Lobianco ocorreu no Teatro Prudential, na Glória, durante o espetáculo “O Método Grönholm – Em busca de um emprego”. A artista entraria somente para a assistência, mas a sintonia foi tanta que acabou como co-diretora, ao lado de Lázaro Ramos: “Lá conheci ‘Lobi’ (Luis Lobianco), George Sauma, Raphael Logam, Ana Sophia Folch e Lázaro, que é parceiro para a vida”. Por conta do decreto de lockdown, o espetáculo ficou em cartaz somente um final de semana: “Foi muito frustrante parar, pois, além da felicidade, estávamos muito empolgados e com vontade de levar o projeto adiante”, pontua.

Pedroca Monteiro, Thiago Sacramento, Tatiana e Luis Lobianco nos bastidores de “Macbeth 2020”. (Reprodução Instagram)

Enfim, seguros e respeitando todas as medidas sanitárias, Lobianco, Tatiana e elenco puderam seguir com a gravação de “Machbeth 2020” no período de flexibilização nas medidas de restrições com a curva da pandemia do novo coronavírus em diminuição. Lobianco interpreta 7 diferentes artistas que relatam desgraças em suas vidas após montarem a peça Macbeth de Shakespeare. “Foi um bálsamo, vou te dizer. Foi um presente nesse momento tão estranho que estamos vivendo. Nós levantamos o projeto em uma semana depois de conversarmos pela internet, fazendo toda a preparação de ator virtual. Nos encontramos para colocar de pé tudo aquilo que havíamos planejado”. E ainda dividindo a direção de elenco com Thiago Sacramento, relembra a saudade de voltar ao palco.

“Medida Provisória”

Tatiana também fez preparação de elenco do aguardado filme “Medida Provisória”, com direção de Lázaro Ramos e que foi declarado “melhor filme brasileiro desde Cidade de Deus” pelo festival PAFF (Pan African Film Festival). Estrelado Alfred Enoch (‘Harry Potter’‘How to Get Away with Murder’), Taís Araújo, Seu Jorge, Renata Sorrah, Adriana EstevesEmicida, Rincon Sapiência, Mariana Xavier, é um projeto que nasceu a partir da peça teatral “Namíbia, Não!”, com direção de Lázaro Ramos, cuja primeira apresentação para o público carioca aconteceu dentro de um projeto “Negro Olhar – Ciclo de leituras dramatizadas com autores e artistas negros”, que Tati desenvolveu em 2010. A segunda edição da oficina trazia a dramaturgia negra consagrada das regiões dos Estados Unidos, Caribe e Brasil, e também abria espaço para os novos dramaturgos do Brasil, como foi o caso de Aldri Anunciação, autor da peça que deu origem ao filme Medida Provisória: “Foi assim que eu conheci esse texto. O Aldri tinha se inscrito no projeto e o texto dele foi selecionado sob a minha curadoria e de Leda Maria Martins. O primeiro contato foi arrebatador”, declara a diretora de elenco.

Tatiana no set de “Medida Provisória”: “Conseguimos colocar em prática esse olhar que surge da necessidade de ver o artista negro em cena, misturando profissionais consagrados com novos talentos” (Divulgação)

“O set com Lázaro Ramos ele é de uma leveza, uma doçura e de uma tranquilidade que é difícil de você encontrar. A inteligência de ‘Lai’ (Lázaro) é impressionante, porque ele é ator, Então, o discurso ajuda quem está em cena, sintonizando o trabalho da equipe e do elenco”. Ambientado em um Brasil do futuro que inicia um processo de reparação histórica, a trama teve um papel muito importante na carreira da diretora, sobretudo no tocante à representatividade negra no audiovisual: “Foi um encontro lindo onde levamos muitos dos nossos para dentro do trabalho. Conseguimos colocar em prática esse olhar que surge da necessidade de ver o artista negro em cena, na dramaturgia, direção e interpretação, misturando profissionais consagrados com novos talentos”. 

E Tatiana não esconde a felicidade quanto ao sucesso do filme, que foi exibido recentemente no festival South by Southwest (SXSW), nos EUA: “Ter essa oportunidade de mostrar a estrada que fizemos, ainda fazemos e continuaremos a fazer é incrível. Ter como resultado um trabalho com a receptividade que “Medida Provisória” está tendo é indescritível. Eu não vejo a hora de poder ser exibido no Brasil”, revela. 

Oficina “Negro Olhar”

Outra trabalho constante da diretora é a oficina “Negro Olhar”. O projeto começou como uma discussão sobre a dramaturgia a presença do sujeito negro dentro dela, levantando a questão na roda: “A partir desses questionamentos, começamos a perguntar se existe uma dramaturgia negra, o que a definiria, e se existe um jeito negro de interpretar”. Diante de tais indagações, a proposta acaba ganhando outras formas: “O que inicialmente começou com um projeto de leitura dramatizada, se tornou uma oficina tanto de dramaturgia, quanto interpretação”, conta Tatiana. A  partir de textos, documentários e dramaturgias, como “Dutchman & The Slave”, de Amiri Baraka, “Alta Noite”, de Elisio Lopes Jr. “Estamos tratando de textos que foram escritos na década de 60 e contemporâneos para vermos a evolução e levantar questionamentos dentro dessa representação”, pontua.

Tatiana na edição da oficina “Negro Olhar” no SESC Caxias do Sul. (Reprodução Instagram)

Usando o corpo como instrumento em um combo de referências mitológicas africanas como a iorubá, a diretora trabalha a energia do movimento para chegar na potência de um gesto, por exemplo, “sair de um movimento de Oxum para chegar no gesto da Lady Macbeth”, como observa Tatiana. E nos conta que as aulas presenciais não são fáceis: “Quando estou na sala de aula, quase morro. É uma turma de 20, 30 alunos e eu entro na roda com todos eles. A entrega é muito grande, porque dou em troca a mesma intensidade que estou exigindo deles. Tenho muito prazer”. E quanto aos alunos, a diversidade de etnia e área de atuação dos participantes é o que mais fascina a atriz: “Artistas, professores e até pessoas que estão apenas interessadas em saber do assunto, e isso é maravilhoso. O que queremos, e isso faz parte de uma filosofia afrocentrada, é o compartilhamento do conhecimento. Não o hermético, seletivo e difícil de entender”.  

“O que queremos, e isso faz parte de uma filosofia afrocentrada, é o compartilhamento do conhecimento”. (Divulgação)

E mesmo em tempos de pandemia, o trabalho da oficina continua. Como adaptar algo tão intenso para o mundo virtual? “Essa é a maior dificuldade, porque todo o conceito está baseado na energia da troca, no sensorial. Estou descobrindo aos poucos como sanar a dificuldade dentro desse contexto. Isso é o mais desafiador, confesso. Mas está funcionando!” Nós temos certeza, Tati!