Suely Franco de volta aos palcos: ‘Graças a Deus fui chamada para trabalhar, porque muito artista está desempregado’


A atriz pode ser vista na reprise da novela ‘O Cravo e a Rosa’, no Vale a Pena Ver de Novo, na Globo, e também comemora o fato de ter sido escalada para o espetáculo ‘Copacabana Palace — O musical’, que reabriu o Teatro do Hotel Copacabana Palace. Suely esclarece como driblou as dificuldades que tantos profissionais do meio artístico enfrentaram durante a pandemia, e aproveita para falar às novas gerações de atores: “Quem faz teatro, faz realmente pelo ofício. Agora quem só quer fazer televisão, faz mais pela fama. A vida do ator pede paciência, tem que estudar muito. E ter um outro plano, caso aconteçam espaços de tempo sem trabalhar, e isso acontece muito. Graças a Deus eu nunca passei mais de um mês sem atuar. É um privilégio nesta área. Tenho essa vitalidade toda ainda porque faço o que gosto a vida inteira. Se tem um segredo é esse (risos)”

*Por Brunna Condini

Em tempos de desvalorização da cultura nacional, conversar com Suely Franco é lembrar da importância de exaltar a arte e seu poder transformador. Para ela, apesar “de estarem tentando destruir o nosso legado cultural”, valeu e vale a pena dedicar sua vida ao ofício de entreter, fazer pensar e emocionar as pessoas. “Nunca pensei em ser outra profissional. Interpretar é o que me faz sentir viva e quero fazer isso até o fim”, diz Suely, que, aos 82 anos de vida, dedicou mais de 60 ao teatro, TV e cinema. E, depois de quase dois anos de pandemia, tendo visto as ofertas de trabalho diminuírem, celebra a reprise da novela ‘O Cravo e a Rosa‘, no Vale a Pena Ver de Novo, na Rede Globo, em que viveu a doce e inesquecível Mimosa, e também o fato de estar em cartaz até 20 de fevereiro com o espetáculo ‘Copacabana Palace — O musical‘, que reabriu o Teatro do Hotel Copacabana Palace.

“Estou com 20 atores, músicos e bailarinos. É muito bom poder estar novamente no teatro, presencialmente. Amo estar no palco, no set. Quem gosta do que faz, não quer parar. Quando não temos lugar para trabalhar a gente quer morrer, não tem mais o que fazer na vida”.

"Quem gosta do que faz, não quer parar. Quando não temos lugar para trabalhar a gente quer morrer, não tem mais o que fazer na vida".(Foto: Edu Rodrigues)

“Quem gosta do que faz, não quer parar. Quando não temos lugar para trabalhar a gente quer morrer, não tem mais o que fazer na vida”.(Foto: Edu Rodrigues)

Ela tomou as três doses de vacina e se sente grata por estar bem de saúde e trabalhando. “A pandemia tem sido um aprendizado para nós de como agir diante do infortúnio. Algo que não sai da minha cabeça é que quando parou tudo por causa da Covid, era a semana que eu ia estrear com a minha amiga Nicette Bruno (1933- 2020) o espetáculo ‘Quarta-feira Sem Falta lá em Casa‘. Sinto muita falta. Ela era uma pessoa extraordinária e tem uma família maravilhosa, que eu adoro”.

Sobre a notícia que estaria passando por dificuldades financeiras, Suely esclarece mais uma vez: “Muita gente passou por dificuldades. Eu fui contornando as situações e me adaptando. Tenho um apartamento em um prédio sem elevador, na Urca, era ruim subir sempre de escada. Então, fui para um no Catete, que aluguei. Mas precisei voltar para o meu, porque fiquei desempregada e não deu mais. Vou te dizer que no meio disso tudo, eu dou graças a Deus de ainda ser chamada para trabalhar, porque tem muito artista desempregado. Estou com a peça e continuo gravando o ‘DPA – Detetives do Prédio Azul‘. Na Globo sempre fui contratada por obra. Só uma vez nestes anos todos tive um contrato por três anos. Estou com saudade das novelas, é só me chamar”, avisa.

Veteranos na TV

São 90 peças, 80 trabalhos em televisão e 22 filmes em que o talento e a devoção à arte de Suely podem ser vistos. E a atriz que ajudou a escrever a história da televisão brasileira, comenta sobre o atual momento da TV: “As histórias principais sempre são para pessoas de uma certa faixa de idade. Não fazem romance para velhos, roteiro com velhos protagonizando. E os velhinhos agora estão muito mais animados (risos). Está faltando os roteiristas, autores, pensarem mais nos atores e atrizes mais velhos em suas histórias, com bons personagens. Tenho 82 anos e estou satisfeita de continuar trabalhando. Acho até que em outras encarnações fui atriz também, de tanto que amo viver outras vidas”.

"Não acho que exista preconceito com idade na TV, mas as histórias principais sempre são para pessoas de uma certa faixa de idade. Não fazem romance para velhos" (Foto: Edu Rodrigues)

“Não acho que exista preconceito com idade na TV, mas as histórias principais sempre são para pessoas de uma certa faixa de idade. Não fazem romance para velhos” (Foto: Edu Rodrigues)

E reflete sobre os propósitos do ofício: “É maravilhoso perceber que o meu trabalho, além de divertir, emocionar as pessoas, também pode inspirar, levá-las a mudarem algo. É bom demais pensar que através do nosso trabalho elas podem melhorar de vida. Acho que o que as pessoas sentem em relação ao meu trabalho é reflexo da entrega também. Nunca fiz escola de teatro, tudo que vivo em um personagem é o que ele me faz sentir. Não tenho uma técnica, tudo que vivo em cena vem de dentro”.

Mimosa

Suely avalia que seu trabalho em ‘O Cravo e a Rosa’ como a amorosa Mimosa é um dos que mais lhe trouxeram o reconhecimento do público. “É maravilhoso a novela ir ao ar nesse momento, estava prestes a estrear o musical quando soube que seria reexibida. Está tudo conspirando bem para mim (risos). A Mimosa é um dos meus papéis que mais marcaram e até hoje as pessoas falam muito sobre ela comigo”, conta a atriz, que no espetáculo ‘Copacabana Palace – O Musical‘, tem a companhia de Vanessa Gerbelli, que vive Lindinha na novela.

Com Pedro Paulo Rangel em "O Cravo e a Rosa': "Somos amigos há mais de 50 anos" (Divulgação/ Globo)

Com Pedro Paulo Rangel em “O Cravo e a Rosa’: “Somos amigos há mais de 50 anos” (Divulgação/ Globo)

A atriz também exalta a parceria com Pedro Paulo Rangel na trama de Walcyr Carrasco, e a amizade entre eles, de mais de 50 anos. “Somos amigos até hoje. Na década de 1960 ele me ensinou a dirigir, já fizemos diversas peças juntos, somos muito próximos. Então foi muito fácil fazer a ligação entre Mimosa e Calixto, tivemos uma química muito boa, e o público sentiu isso”.

Jovens atores

Trabalhando com atores de várias idades, Suely aproveita para falar às novas gerações. “Quem faz teatro, faz realmente pelo ofício. Agora quem só quer fazer televisão, faz mais pela fama. A vida do ator pede paciência, tem que estudar muito. E ter um outro plano, caso aconteçam espaços de tempo sem trabalhar, e isso acontece muito. Graças a Deus eu nunca passei mais de um mês sem atuar. É um privilégio nesta área. Tenho essa vitalidade toda ainda porque faço o que gosto a vida inteira. Se tem um segredo é esse (risos)”, observa.

"Quem faz teatro faz porque realmente pelo ofício. Agora quem só quer fazer televisão, faz mais pela fama. A vida do ator pede paciência, tem que estudar muito" (Divulgação)

“Quem faz teatro faz porque realmente pelo ofício. Agora quem só quer fazer televisão, faz mais pela fama. A vida do ator pede paciência, tem que estudar muito” (Divulgação)

Você tem paciência para quem está começando ou tem um estilo mais ‘Susana Vieira‘ de ser (risos)? Em 2009 Susana estava sendo entrevistada por Geovanna Tominaga para o Vídeo show’, e cortou a repórter com a frase “Não tenho paciência para quem está começando”, que até virou meme. “Não, tenho paciência para quem está começando, claro (risos). Quando sinto que o ator está fazendo o que ama, dou todo o apoio, troco. Só acho importante o empenho, que busque estudar, se aprimorar. É uma profissão que pode dar muitas alegrias. Me considero realizada”.

É melhor ser alegre

Não se engane pelo jeito doce, alegre e os mais de 80 anos. Suely Franco gosta de emoções mais radicais. Aliás, ela gosta de viver intensamente. E anseia pelo dia em que vai saltar novamente em um voo de asa-delta da rampa da Pedra Bonita, em São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Acredite, adorei quando saltei, é maravilhoso (risos). E quero voltar a fazer coisas que me fazem bem, como andar na garupa de uma moto também. Na vida não podemos perder a alegria, porque com ela passamos por cima de qualquer dificuldade”.

"Na vida não podemos perder a alegria, porque com ela passamos por cima de qualquer dificuldade" (Foto: Edu Rodrigues)

“Na vida não podemos perder a alegria, porque com ela passamos por cima de qualquer dificuldade” (Foto: Edu Rodrigues)

E apesar da vasta trajetória, na arte ela também tem sonhos profissionais ainda não realizados: “Têm coisas que ainda quero fazer, mas não sei se vai dar. Como teatro grego, Shakespeare. Hoje está difícil montar espetáculos com essa estrutura. Tenho esperança que as coisas vão melhorar, mas para isso, tem que ser revista a nossa política. É preciso ter fé em dias melhores. Tenho fé. Acredito que todas as religiões podem levar a coisas boas. Acredito nas religiões e não em quem toma conta delas (risos)”.