Espiritismo em alta! Em cenas de ‘Renascer’, em três novelas reexibidas e na Internet, o sobrenatural ganha destaque

*por Vítor Antunes

“Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que a vã filosofia dos homens pode acreditar”. A frase de William Shakespeare norteia e ordena muito do comportamento humano frente àquilo que não tem explicação, do imponderável. Aliás, é justamente isso que tanto seduz o ser humano: O que há para além da vida? Há amores que se aguardam e/ou se esperam? Há predestinação ou punição para aquilo feito em outra vida? Há outras vidas além desta, atual? Não há uma resposta definitiva para estas perguntas, ainda que haja possibilidades de interpretação para isso. Esta semana, em “Renascer”, Maria Santa (Duda Santos) apareceu e revelou-se para José Inocêncio (Marcos Palmeira) consolando-o após a morte de José Venâncio (Rodrigo Simas), num fenômeno espírita chamado materialização. O Espiritismo, aliás, codificado por Allan Kardec (1804-1869),  tem um olhar para estas questões e, coincidentemente ou não, costuma ter representação nas novelas e  com grande sucesso. Atualmente, duas novelas – uma na própria Globo, “Alma Gêmea” (2005) e outra no Viva, “A Viagem” (1994), revisitarão o assunto. Além destas, citadas, “América”, no Globoplay, também aborda o espiritismo. Importante ressaltar que filmes como “Nosso Lar“, foram bem de bilheteria e há inúmeros vídeos sobre o sobrenatural, incluindo relatos de Experiências de Quase Morte nos canais no YouTube.

“A Viagem” está em sua quinta reexibição e sempre vem acompanhada de um enorme sucesso. Traz em seu bojo, a questão do amor além da vida que une Diná (Christiane Torloni) e Otávio (Antonio Fagundes). Além disso, mostra o martírio de Alexandre, vilão que se suicidou e resgata sua falha no Vale dos Suicidas enquanto obsedia Téo (Maurício Mattar), Tato (Felipe Martins) e Guiomar (Laura Cardoso). Em “Alma Gêmea”, Rafael perde sua mulher Luna (Liliana Castro), que reencarna na índia Serena (Priscila Fantin) e aí o amor tem seguimento. “Alma Gêmea” margeia um pouco mais para o lado da fantasia, mas também é obra de grande sucesso, tal como “A Viagem“, e vai para a sua quinta reprise.

“América” (2006) trouxe a Experiência de Quase Morte a um de seus núcleos, quando Tião (Murilo Benicio) sofre um acidente. Ainda que à época essa abordagem tenha sido criticada por margear com a fantasia e abordar de forma um tanto delirante o assunto, não são poucos os relatos de pessoas que vivenciaram uma Experiência de Quase Morte (EQM). Estudos científicos apontam números elevados de relatos assim em pessoas que experienciaram tal vivência e com isso, redefiniram a relação com a própria vida.

O Espiritismo nas novelas costuma ser associado ao sucesso, mas nem sempre é assim. “Espelho da Vida”, de Elizabeth Jhin, por exemplo, malogrou má audiência. “Renúncia”, de Geraldo Vietri (1927-1996), não fez sucesso e foi abandonada pela Band após 12 capítulos exibidos. Ainda que tenha tido boa audiência em sua exibição original, “O Profeta“, da Globo, foi um fracasso na reprise. A obra espírita mais antiga adaptada À televisão foi “A Vingança do Judeu”, de JW Rochester, que deu origem à novela “Somos Todos Irmãos“, esquecida novela da Tupi, sobre a qual não há consenso se foi bem sucedida ou não, segundo a historiografia das novelas.

Fato é que nas novelas o sobrenatural está presente e, coincidentemente, em quatro obras que estão/estarão de volta. Veja como o tema é apresentado em cada uma delas.

Alma Gêmea

Novela de Walcyr Carrasco que volta às telas dia 29/04 trata sobre o amor de Rafael (Eduardo Moscovis) e Luna/Serena (Liliana Castro/Priscila Fantin). Apaixonado por Luna, Rafael casa-se com ela e ambos têm um amor à primeira vista. Rafael, porém, é amado por Cristina (Flávia Alessandra), que arma um plano para separá-los, mas que acaba em uma tragédia, com Luna assassinada. A falecida, porém, reencarna na índia Serena, a quem Rafael reencontra o amor. Mas o plano que termina em tragédia: Luna leva um tiro e morre. A alma de Luna reencarna na índia Serena, que encanta Rafael por sua pureza, e com quem ele se casa. O Espiritualismo e a possibilidade de reencarnação de Luna em Serena é apresentada por Elias (Umberto Magnani [1941-2016]). Neste caso, há uma distinção entre o Espiritualismo e o Espiritismo, já que há uma relação espiritual e crença nos espíritos, mas não necessariamente relacionada à doutrina do Espiritismo de Kardec, algo que só ocorre em “A Viagem“.

Eduardo Moscovis era o Rafael de “Alma Gêmea”. Sucesso  (Foto: Kiko Alves/Divulgação TV Globo)

A Viagem

“A Viagem” é, geralmente, a obra apontada como a mais próxima da Doutrina Espírita, por mais que haja algumas concessões em favor da teledramaturgia. A premissa romântica é o encontro de Diná (Christiane Torloni) e Otávio (Antonio Fagundes), que iniciam a novela em conflito e se conhecem devido a Alexandre (Guilherme Fontes), irmão dela. O rapaz é um enfant-terrible, que mata uma pessoa após um assalto e é preso. Otávio, homem muito justo, nega-se a defender Alexandre, que também não é apoiado por Téo, seu cunhado, e Raul (Miguel Falabella), seu irmão. Revoltado com o que atribui a uma injustiça, Alexandre se suicida. Para retratar a passagem de Alexandre pelo Umbral, inspirou-se no livro “O Martírio dos Suicidas“, de Yvonne Pereira (1900-1984), a autora da novela Ivani Ribeiro (1922-1995),  transportando Alexandre para o Vale dos Suicidas após a morte. De lá ele passa a perturbar, ou a obsediar – segundo terminologia espírita –  aqueles que, supostamente, lhe fizeram mal: Raul, Téo e Otávio. O estudioso do Espiritismo Alberto (Claudio Cavalcanti) é o responsável por trazer a palavra da Doutrina Espírita, e falar sobre os conceitos da religião, como a prece, o passa e os estudos mediúnicos. Ele é um dos primeiros a perceber a influência de Alexandre sobre os encarnados. Além destes, outro que se descobre médium é Tibério (Ary Fontoura), que conversa com um “amigo imaginário”. Importante ressaltar que “A Viagem” é um remake de uma obra exibida em 1975, escrita pela mesma autora, para a Tupi.

Christiane Torloni viveu Diná em “A Viagem”, novela de maior audiência na década de 1990 (Foto: Acervo/TV Globo)

América

América definitivamente não é uma novela espírita. Seu eixo central trata sobre os conflitos de uma mulher, Sol (Deborah Secco) que abandona o Brasil em busca de viver o sonho americano e triunfar nos Estados Unidos. O personagem masculino principal, Tião (Murilo Benício), também não era espírita, mas católico e fiel a Nossa Senhora Aparecida. Porém, ele, que era peão de rodeio, sofre um acidente que o deixa desacordado. No coma, ele tem EQM e passa a ter visões. Segundo a professora e pós-doutoranda pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Beatriz Ferrara Carunchio, no artigo da Revista Rever, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é comum que os que vivenciaram essa experiência entre em contato com seres místicos ou entes queridos já falecidos. “Geralmente após esse tipo de experiência, o paciente passa por intensas mudanças não apenas no âmbito da espiritualidade e religiosidade, mas em diferentes setores de sua vida, tais como nos relacionamentos afetivos e interpessoais, na carreira, em aspectos psicossociais (incluindo crenças, visão de mundo, planos, metas e a própria identidade). A saúde mental também é afetada. Infelizmente, após uma EQM, mesmo que agradável, é comum o paciente apresentar senso de realidade alterada, angústia, conflitos psicológicos e mesmo transtornos como depressão grave, transtorno do estresse pós-traumático e distúrbios do sono”. Ainda segundo ela, há uma recorrência de descrição de se estar passando sob um “um túnel escuro, sem poder resistir ou mover-se e com a sensação de morte iminente ou haver a presença de uma luz intensa, frio e sons ou criaturas tidas como assustadoras”.

José Dumont e Murilo Benício na cena do acidente de Tião, em América (Foto: Zé Paulo Cardeal/Globo)

Renascer

Nos últimos capítulos de “Renascer”, trama que, a contrário do que o nome sugere, não trata sobre renascimentos ou reencarnação, Maria Santa (duda Santos), personagem falecida na primeira fase, aparece diante tanto do filho, antes de ele falecer, como diante de Inácia (Edvana Carvalho), num fenômeno espírita chamado “materialização”, ou seja, quando o espírito se revela na forma de sua última encarnação, para um encarnado. A materialização é um fenômeno de efeito físico em que os Espíritos. Explica o livro Estudo Sistematizado da doutrina Espírita, da Federação Espírita Brasileira (FEB), que, materialização é o evento que torna “visíveis (…) [àqueles presentes] mesmo que não possuam mediunidade de vidência. Para se tornarem visíveis e tangíveis, os Espíritos utilizam fluidos específicos, sobretudo o denominado ectoplasma, liberado pelo médium. As materializações podem ser de objetos, como nos fenômenos de transporte, e de Espíritos (…) esta última é mais comum porque, em geral, o Espírito materializado apresenta as características do corpo físico que tinha quando encarnado”.

Marcos Palmeira, Duda Santos e Humberto Carrão em ‘Renascer”