De fato, a carreira de ator não é nada fácil. Embora possa parecer mágico dar vida a personagens icônicos e admiráveis, interpretar alguém com uma personalidade tão diferente da sua pode significar uma missão bem complicada. E é justamente por isso que Pedro Nercessian está passando. No ar em “Justiça” (Rede Globo), o ator é Téo Ferraz, um jovem com atitudes condenáveis e ideologias bem diferentes das seguidas por Pedro. Na minissérie, Téo Ferraz transita por várias histórias. Além de ser filho de Antenor Ferraz (Antonio Calloni), que foi o responsável pelo atropelamento de Beatriz (Marjorie Estiano), o jovem também teve um relacionamento com Elisa (Débora Bloch) enquanto Isabela (Marina Ruy Barbosa) estava viva e foi o responsável por fazer e divulgar o vídeo íntimo com Vanessa (Giovana Echeverria), o que acabou fazendo com que a moça se jogasse da janela. Enfim, um personagem cheio de emoções. Ao HT, Pedro Nercessiam confessou que foi bem difícil criar a personalidade do Téo. “A construção desse personagem surgiu a partir do texto, e eu construí uma linha ideológica dele. Mas foi muito difícil criar esse cara que tem atitudes absurdas. Só que eu acho que ninguém é tão mau caráter o tempo todo. Eu acho que pessoas assim também fazem coisas boas, como puxar a cadeira do restaurante para a mulher, por exemplo. Ninguém é nem ruim e nem bom o tempo todo”, defendeu seu personagem.
Com um personagem envolvido em tantas questões que a minissérie apresenta, Pedro destacou a importância de tratar da justiça em tempos de cólera. Mas, como ressaltou o ator, há uma diferença muito importante entre falar e agir de uma nova forma. “O primeiro passo é abordar e discutir esses temas na sociedade. Mas isso é só um começo. Eu acho que questões como racismo e machismo já são, pelo menos, mais debatidas. O próximo passo é uma mudança real de comportamento após a evolução do pensamento. Porém, sem dúvidas, é muito importante que já exista essa onda de reflexão, principalmente nas escolas e na tevê. Quanto mais a gente discute esses assuntos, menos nós jogamos para debaixo do tapete”, argumentou Pedro que destacou a coragem da autora Manuela Dias em retratar temáticas como estupro, eutanásia e racismo na minissérie “Justiça”.
E por falar nos diferentes enredos que a minissérie aborda e no formato escolhido pela autora em que todas as narrativas se cruzam em histórias simultâneas, Pedro Nercessiam contou que está adorando o resultado. Mas, como revelou, fica ainda mais difícil para o ator. “A gente tinha que fazer um dever de casa muito maior antes de ir para a gravação. Neste formato, a gente grava uma mesma cena que vai ao ar em diferentes ângulos e em várias histórias. Em cada dia, uma mesma imagem pode ter sentidos diferentes. Mas o resultado está sendo incrível. Eu acho que o público fica mais instigado, curioso e querendo entender o que se passa. A meu ver, é justamente esse o cerne da questão: toda história tem um ponto de vista diferente, não existe um lado só certo e nem um só errado”, opinou Pedro que relacionou esse fator às atitudes de seu personagem. “As pessoas odeiam o Téo e as atitudes fazem dele quase que um vilão. Mas eu acho que tudo tem um real motivo. Ele, por exemplo, nasceu e cresceu em um ambiente machista com um pai totalmente desrespeitoso. E, em uma sociedade naturalmente machista, ele acha que o que faz não é tão errado assim”, justificou.
Apesar de Téo Ferraz estar ocupando um grande espaço emocional e temporal na vida de Pedro Nercessiam, o ator ainda nos contou que segue com outros projetos na carreira. No cinema, Pedro estreia o longa “Canastra Suja” em 2017, com direção de Caio Sóh. “O enredo gira em torno de uma família e a falta de comunicação entre eles. São pessoas que se amam muito e que buscam se entender pessoalmente, o que dificulta e impossibilita uma comunhão coletiva. Esse filme mostra que o amor não é suficiente para manter as relações e como os novos valores e a tecnologia podem impactar uma convivência. Na nossa atual sociedade, um casal não precisa mais ficar décadas juntos só para manter uma família tradicional e estruturada”, explicou o ator que acredita que esteja mais difícil “tolerar o diferente” nos dias de hoje. “Nós perdemos os valores que tínhamos e não conseguimos nos acostumar com os novos”, pontuou.
E não é só. Pedro Nercessiam nos contou que, apesar de toda a correria com os trabalhos paralelos, o teatro é uma arte que nunca fica de fora da carreira. Apaixonado pelos palcos, o ator ainda se divide na função de diretor e produtor. Atualmente com a peça “Da Carta ao Pai”, que voltará em cartaz em breve, Pedro nos disse que assumir a direção simultânea é uma tarefa “natural”. “Eu não me considero um diretor. Para mim, eu dirijo a partir da visão do ator que está em cena, o que deixa o processo muito mais natural. A partir do momento que eu comecei a fazer isso, eu passei a entender muito mais o meu trabalho como ator, o que ajudou muito. Desse modo, eu descobri que o ator cobra uma resposta do diretor para solucionar a angústia que ele sente. Eu passei a entender bem mais como funcionam esses dois lados quando eu me coloquei no papel do outro”, disse.
Com a produtora, Pedro Nercessiam também amplia os seus horizontes de conhecimento e relação. Desta vez, a solidariedade e a compreensão são as palavras que definem a experiência do ator. “Nossa missão é levar espetáculos para áreas em que a arte não chega. Nós fazemos há oito anos este trabalho que é social, mas não é voluntário. Assim como todos, nós também precisamos saciar as nossas necessidades básicas. Então, com a ajuda de empresas privadas, nós levamos a arte para pessoas que não teriam acesso”, contou Pedro que se disse apreensivo com os rumos do atual governo e do panorama cultural brasileiro. “Quem dependia do poder público para fazer um trabalho social para quem realmente precisa não está mais tendo muito apoio. Mas, em relação a tudo isso, eu prefiro ver de uma forma bem racional. Eu tento me desfazer dessa paixão que cega muitas pessoas e analisar a situação friamente. É muito triste ver tudo isso, ainda mais para quem acompanha a miséria de perto. O impeachment marca uma era que acabou”, analisou o ator Pedro Nercessian que prefere se preservar nas redes sociais quando o assunto é política.
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