Ex-Paquita Stephanie Lourenço foca em doc com sobreviventes do Holocausto e fala sobre assédio e bissexualidade


Ela, que brilhou nos programas “Planeta Xuxa” e “Xuxa Park”, trilha carreira de atriz e como assistente de direção finaliza “Sobreviventes”, para o qual entrevistou sobreviventes do Holocausto. No palco, atuou no espetáculo “O Que Meu Corpo Nu Te Conta?”, onde 15 artistas nus em cena relatavam histórias de preconceitos, no caso dela abordava com orgulho a sua orientação sexual

* Por Carlos Lima Costa

Stephanie Lourenço fez parte da última geração de Paquitas, entre 1999 e 2002, quando participou dos programas “Planeta Xuxa” e “Xuxa Park”, ao lado de nomes como Monique Alfradique e Lana Rhodes. Duas décadas depois, além de trilhar carreira de atriz e ser formada em jornalismo, ela também escreve, produz e dirige levando o público a debater temas relevantes. Atualmente, como assistente de direção, está focada no documentário “Sobreviventes”, com entrevistas de sobreviventes do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial. Como atriz, marcou presença no  Festival do Rio com o filme “Ciclo”, de Ian SBF, depois de ter estado no Festival de Gramado com o longa “O Último Animal”, do premiado diretor português Leonel Vieira. E, no teatro, entre os 15 artistas do Coletivo Impermanente comandado por Marcelo Varzea, que criaram textos a partir de suas vivências na peça “O Que o Meu Corpo Nu Te Conta?” e, sem roupa, em cena, levantaram a voz contra preconceitos como assédio, machismo, etarismo, homofobia, gordofobia e bissexualidade, tema retratado por Stephanie.

As pessoas ficaram tocadas com as histórias, por identificação. Falo sobre mim, uma mulher que está saindo do armário, após anos de repressão, uma adolescência um pouco complicada, mas que hoje é uma questão bem resolvida na minha vida, tenho muito orgulho de falar. Vinha sentindo que precisava me expressar sobre a minha bissexualidade – Stephanie Lourenço

Em “O Que Meu Corpo Nu Te Conta?”, Stephanie Lourenço abordou a bissexualidade (Foto: Kim Lee Young)

E prossegue em seu relato, destacando os 20 anos que demorou para se abrir. “A gente não sabe a história de cada um. Mas acho importante quem consegue assumir. Isso pode dar força e apoio para pessoas que estão na mesma situação. Eu tenho essa certeza desde mais ou menos os meus 14 anos, desde quando eu era Paquita. Falava para as pessoas mais próximas, mas não era algo que eu assumia. Por muito tempo eu reprimi. Com essa peça, senti a liberdade de falar. Com 35 anos era a hora. Foi libertador assumir, foi muito bom. Quando conversei com meu pai e com minha mãe, eles falaram que já sabiam, que estavam esperando faz tempo eu contar”, pontua.

Hoje, não tendo mais que esconder minha bissexualidade, me sinto muito melhor – Stephanie Lourenço

Para estar em cena, precisou superar a questão do pudor. “Foi a primeira vez que eu fiquei completamente nua para um trabalho artístico. Eles começaram o projeto antes de mim, na verdade. Quando foi proposto o processo da nudez, eu fiquei mais ali na produção, dando assistência. Não tinha certeza se queria participar. Sempre penso qual é o meu papel como atriz, se a nudez, principalmente a feminina, não está sendo objetificada. Mas, a partir do momento que eu assisti, fiquei completamente apaixonada pelo trabalho, vi que não tinha nada a ver com isso e fez sentido pra mim. Então, me despreocupei e consegui me despir com mais facilidade do que eu imaginava. Em cena, não pensava se estavam olhando a minha celulite ou as minhas partes, mas na história que estava contando”, acrescenta.

DOCUMENTÁRIO COM SOBREVIVENTES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Enquanto aguarda novas apresentações, mostra total entusiasmo sobre o  documentário “Sobreviventes”, dirigido por Elder Fraga, no qual assina a assistência de direção que ainda está em fase de edição/finalização. Eles fizeram entrevistas, por exemplo, com Takashi Morita, sobrevivente da bomba atômica, e Adorn Stern, único sobrevivente do Holocausto nascido no Brasil, mas que retornou para a Europa ainda criança, quando acabou sendo enviado para o campo de concentração de Auschwitz, onde viu a mãe pela última vez.

“Esses foram os que eu estive mais presente ouvindo as histórias. Foi impressionante estar com uma pessoa que passou por isso. São histórias pesadas e a gente acredita serem distantes. Logo em seguida veio a guerra da Rússia com a Ucrânia. Então, isso é muito cíclico, está sempre se repetindo. O Adorn (ele morreu, em abril, aos 94 anos) contou muito sobre o nazismo, questões do fascismo, ditadura. Foi muito forte, porque é um movimento que está acontecendo no mundo. São questões contemporâneas. Quando eu estava na escola, estudava sobre ditadura. Parecia algo tão distante, ninguém a defendia abertamente. E agora vemos pessoas defendendo, os militares voltando ao poder em diversas maneiras. A gente acha que se livrou de um negócio, só que não. Então, não vai bastar o (Jair) Bolsonaro perder as eleições, que é o que eu espero que aconteça”, avalia.

DEFESA DOS ANIMAIS

É com orgulho também que relembra o curta-metragem de ficção “Emilio”, que ela idealizou, produziu e está em cena. Ele aborda a amizade interespécie entre Stephanie e o chimpanzé Emilio, mostrando a questão da exploração dos animais que são aprisionados em circos e zoológicos. “O direito dos animais é uma questão muito importante pra mim”, frisa ela que desde a adolescência se preocupa com a defesa dos animais. “Eu sempre flertei com o vegetarianismo, quando era mais novinha, mas continuava comendo carne. Um dia, assisti um monte de coisas na internet e um novo mundo se abriu. Tinha 20 anos, ainda morava com minha mãe. Tirei tudo que eu tinha de couro do meu armário. A partir dali, senti uma inquietação, fui trabalhar como voluntária na ONG que produziu o documentário que eu tinha assistido e fui me envolvendo na luta pelos animais. Mais tarde, fiz um blog e um canal no YouTube chamado “Amiga do Esquisito”, em homenagem ao meu cachorro vira-lata, que chama Esquisito. Eu falava sobre o direito dos animais”, relembra ela, que chegou a trabalhar como editora de agência de notícias de direitos dos animais.

Stephanie Lourenço relembra machismo e casos de assédio na profissão (Foto: Kim Lee Young)

“Sempre quis juntar a arte com o ativismo, mas além de um documentário ou matéria, queria fazer algo de ficção. Esse é baseado na minha vida. Decidi contar a história dessa menina, enfim, já tenho 35 anos, da amizade dessa mulher com esses chimpanzés. Pretendo fazer mais coisas relacionadas à proteção animal, juntar o ativismo com a arte de uma maneira que não seja tão panfletária, que toque mais sutilmente as pessoas”, explica ela, que em “Emilio”, contou com o apoio do projeto GAP (Proteção aos Grandes Primatas), de Sorocaba, que resgata chimpanzés de circos e zoológicos. A partir de 2020, o curta rodou festivais do Brasil e do exterior, como um de veganismo na Austrália. Agora, Stephanie planeja disponibilizá-lo no YouTube e no Vimeo, na esperança de que seja exibido em escolas, sensibilizando crianças e adolescentes sobre a questão.

No Festival do Rio, ela esteve presente com o filme de suspense distópico “Ciclo”, de Ian SBF, que deve chegar aos cinemas ainda este ano. Ao lado de nomes como Flavio Bauraqui e Dani Ornellas, ela interpreta Sofia, chef de cozinha responsável pela alimentação dos moradores de um prédio no decorrer da quarentena. E, em agosto, foi exibido no Festival de Gramado, seu primeiro longa-metragem internacional, “O Último Animal”, do premiado diretor português Leonel Vieira, onde faz uma participação. Além de atuar, vem querendo desenvolver mais o lado roteirista e diretora. Na pandemia, por exemplo, comandou um circuito de leituras dramáticas de Clarice Lispector (1920-1977) e outro de Contos de Terror.

LEMBRANÇAS DOS TEMPOS DE PAQUITA

Até chegar nesse momento, foi uma longa jornada desde que deu seus primeiros passos no meio artístico como Paquita da Xuxa, entre 1999 e 2002, dos 12 até quase seus 16 anos. Este ano, reencontrou no palco outra ex-Paquita, Lana Rhodes, na peça ‘O Que Meu Corpo Nu Te Conta?’. “Foi emocionante e engraçado, porque os fãs das Paquitas foram assistir. De repente titia ali nua no palco. Claro, os fãs não são mais crianças, mas tem aquela imagem nossa de quando éramos crianças dançando. De repente estou lá nua, falando sobre um tema sério. Mas adoraram, voltaram, deram um feedback bem legal”, comenta.

Quando era mais nova, Stephanie tinha algumas inseguranças sobre o que iam pensar dela por conta do rótulo de Paquita, se ela iria conseguir seguir o caminho que desejasse. “Hoje em dia, sou tranquila em relação a isso. Com a idade, vamos desenvolvendo uma autoconfiança. Quando penso em Paquita, não penso mais no rótulo. Lembro da menina de 12 anos que saiu da cidade dela, foi trabalhar, em todas as experiências, a responsabilidade. Não me importo se alguém tem preconceito hoje em dia comigo, porque eu sei do meu valor como atriz. Estudei muito, batalho há anos, já fiz teatro, cinema, publicidade, sei do meu valor como atriz. E acho que não tem tanto preconceito, virou algo cult”, aponta.

Stephanie Lourenço festeja aniversário no palco com Xuxa, nos tempos de Paquita (Foto: Arquivo Pessoal)

Daquela fase, são muitas as lembranças, a começar pelo teste, quando achou que não fosse ser aprovada para assistente de palco de Xuxa Meneghel. “Eu me sentia superadulta, achava que não ia ficar emocionada. Mas quando a Xuxa passou do meu lado, ferrou. Não consegui nem falar, eu só chorava. Depois da separação, tive pouco contato com a Marlene (Mattos), mas tenho muito carinho por ela. A Xuxa eu me afastei um tempo, e nos reaproximamos pouco antes da pandemia, quando ela resolveu que queria que a gente ficasse mais próxima e criou um grupinho no WhatsApp com todas as Paquitas. Ela é uma pessoa que está sempre na minha cabeça, por quem tenho muito carinho. Sempre vi a Xuxa como uma mulher forte. Eu sabia que ela era uma mulher com muita opinião, atitude e dona de si. Talvez mais antigamente ela agisse muito de acordo com o que a sociedade esperava dela, por ser mulher, por estar nos anos 80. Hoje, quando eu vejo como ela se posiciona, em relação aos direitos dos animais, aos direitos dos LGBTQIAP+, agora nas eleições declarando voto no Lula, eu fico muito orgulhosa de ter trabalhado com ela”, assegura.

SOCIEDADE MACHISTA

A sociedade machista lhe trouxe dissabores como assédio em sua caminhada. “Acho difícil uma mulher nunca ter passado. Conversando com as minhas amigas e observando o mundo, acho praticamente impossível. O mais louco é que quando eu passei eu não entendi que aquilo era assédio, porque fui entendendo o feminismo e o que era machismo faz alguns anos, quando essa pauta começou a entrar um pouco mais forte. Acho que ainda passo, principalmente atriz, mulher nesse meio. Tenho certeza que em todos os meios corporativos as mulheres passam também”, conta.

Vi muitos casos de amigas vivendo relacionamento abusivo. Eu me sinto uma das poucas que não passou por algo assim em um namoro. Mas machismo no relacionamento, com certeza – Stephanie Lourenço

E reforça o machismo na profissão. “Acontecia de um diretor se aproximar, você achando que ele estava interessado no seu trabalho, e no final das contas, não era isso. E você se sente ali sem saber o que fazer, porque você o admira e fica com medo, acuada. Tudo é muito sutil, tipo ‘vamos tomar um negócio’, aí você sai e a pessoa dá em cima de você, que rejeita e a partir dali aquela pessoa começa a fingir que você não existe. É impressionante. Tenho certeza de que todas as minhas amigas atrizes já passaram também por isso. Com toda dificuldade, eu me impunha e, de repente, aquele interesse todo daquela pessoa sumia. Hoje, com 35 anos, ainda é difícil. Eu tento trabalhar bastante isso na minha terapia, para realmente ser grosseira quando precisar, se alguém passar dos limites”, finaliza.