“Sou privilegiado, não tenho o direito de surtar na pandemia”, diz José Loreto


Enquanto se prepara para viver o cantor Sidney Magal na cinebiografia “Meu sangue ferve por você”, José Loreto aproveita o período de isolamento social para passar mais tempo com a filha, Bella, fruto do casamento com Débora Nascimento, e descobrir outras habilidades. “Estou amando cozinhar e me coloquei como ajudante de pedreiro na obra que comecei em casa, respeitando todos os protocolos”, conta

*Por Simone Gondim

A pandemia causada pelo novo coronavírus não parou José Loreto. Embora esteja evitando aglomerações e se preocupe com a Covid-19, o ator se considera uma pessoa de sorte: mora em uma casa vizinha à da ex-mulher, a atriz Débora Nascimento, o que permite que a filha dos dois, a pequena Bella, de 2 anos e meio, transite livremente entre as residências do pai e da mãe; em uma época em que muitos projetos culturais estão parados, ele segue na intensa preparação para viver o cantor Sidney Magal no filme “Meu sangue ferve por você”, e aproveita o período passado em casa para praticar meditação, botar a leitura em dia e buscar o autoconhecimento. “Sou privilegiado, não tenho o direito de surtar na pandemia”, reconhece o ator.

Loreto assume que sente falta de encontrar os amigos, ir a um bar ou a uma festa. Mas, para driblar essas vontades, aposta em uma agenda cheia. Além das aulas de canto e dança que fazem parte dos preparativos para interpretar Magal, ele decidiu se dedicar à culinária e aproveitou uma reforma na parte externa do imóvel onde vive para aprender mais um ofício. “Estou amando cozinhar e me coloquei como ajudante de pedreiro na obra que comecei em casa, respeitando todos os protocolos”, revela.

Agenda cheia é o segredo de José Loreto para lidar com a rotina imposta pela pandemia (Foto: Felipe Figueiredo)

O fato de estar o dia todo convivendo com a movimentação dos operários e o som dos equipamentos despertou a curiosidade do artista. “Pensei: vamos fazer esse barulho para ver se é legal. E é muito legal. Aprendi várias coisas, comecei um diário de obra e isso acabou virando um programa no Instagram, que é o ‘Mãos à obra com José’, no qual mostro minha reforma e as coisas que estou fazendo”, explica. “Já dei tutorial de bater um bom concreto e fazer laje, estou fazendo várias coisas na rede social. Foi uma maneira que achei de me ocupar”, confessa. “Botei o cano do lavabo, do banheirinho da área externa, da privada. Nunca mais vou dar descarga igual, agora sei por onde passa cada coisa”, afirma, rindo.

As habilidades como pedreiro já chegaram aos ouvidos das pessoas mais próximas. “Disse a vários amigos meus: deixa comigo. Primeiro: lista de material, já sei de tudo que precisam para uma obra. Ligo para o meu fornecedor e peço. Consigo ver a metragem para fazer um concreto, quanto de areia e de brita é necessário. Ainda não cheguei na parte de pintar, mas do revestimento sei fazer contrapiso, pôr as coisas no eixo. Tem que botar a mangueirinha de água para ver o caimento, um monte de coisas que eu nem imaginava”, conta o ator. “Para mim, botar um piso era comprar o piso e botar, passar um cimento e pronto. Mas não é assim. Faz o concreto, depois vem a argamassa, depois você tem que nivelar. É muito complexo”, ensina.

“Tão cedo não irei à praia no fim de semana ou a um bar lotado”, garante José Loreto (Foto: Felipe Figueiredo)

Acompanhar a reforma de perto abriu os olhos de Loreto. “Pedreiro é um artesão. É uma profissão invisível, muito desvalorizada. Estou doido para acabar a pandemia, quando terminar essa obra aqui vou fazer um churrasco para os meus pedreiros”, garante. “Eu vou no pesadão. Chega areia aqui em casa, são quatro metros de areia e eles deixam no portão. Só para botar a areia toda para dentro já é uma malhação. Exercício, esquece. É pedreiro. Estou com o ombro machucado, já, de tanto bater. Fazer cimento é uma das coisas mais árduas de uma obra”, acrescenta.

Mas a maior alegria desse período de isolamento é poder aproveitar a companhia de Bella. “Nunca tivemos tanto tempo juntos. Desde que ela nasceu venho gravando coisas e tal. Então, assim, você poder ficar um dia inteiro com a sua filha, brincar, dar almoço, dar jantar, dar todos os banhos, é um privilégio. E hoje eu posso fazer isso”, comemora. A menina, aliás, é a grande paixão de Loreto e o primeiro nome que lhe vem à cabeça quando perguntam por quem seu sangue ferve. “Ela é minha razão de viver e o maior amor do mundo, me desculpem minha mãe e minhas irmãs. Minha filha chegou arrebatando. Meu sangue ferve por ela”, derrete-se. “Agora, esse sangue amante latino do Magal, por enquanto, está morno, em banho-maria”, pontua.

“Ela é minha razão de viver e o maior amor do mundo”, diz José Loreto sobre a filha, Bella (Foto: Reprodução Instagram)

Sobre a cinebiografia de Sidney Magal, José Loreto ressalta que se trata de um personagem complexo, o que torna o trabalho mais instigante. “Tenho que dançar, cantar, dançar cantando e ser esse cara com um estilo muito próprio. Ele é um ser à parte, um alienígena. Essa está sendo a maior dificuldade, porque por mais que a gente vá ter uma liberdade poética para montar o Magal contemporâneo, quero que as pessoas reconheçam o nosso Magal pelo meu Magal. O maior desafio é como pegar a essência desse cara tão diferenciado e colocar a minha”, argumenta. “Ele é muito forte, é alguém que ressignificou a câmera. Os artistas iam a um programa de auditório e cantavam para a plateia, enquanto ele olhava para a câmera querendo atravessar, seduzir quem estivesse olhando. É um cara de coração gigante, multitalentoso e com uma história de vida incrível, um baita personagem”, elogia.

A filmagem de “Meu sangue ferve por você” deveria ter começado em abril deste ano, mas foi suspensa por causa dos riscos relacionados à Covid-19. A ideia é retomar o projeto ainda no primeiro semestre de 2021. “O roteiro é incrível, faz um recorte de quatro meses da vida do Magal, quando ele conhece a Magali e se apaixona. Não vou dar spoiler, mas os dois se conheceram quando ela saía da escola. Ele, no auge do sucesso, a primeira coisa que falou foi: ‘eu te amo, você é a mulher da minha vida, vou casar com você e ter filhos’. E eles estão aí, casados há mais de 40 anos. É uma história de amor romântico, enlouquecido, que merece um filme”, adianta o ator. “O mais difícil de fazer cinebiografia é a cobrança das pessoas, por terem a referência da realidade. Quando o personagem não existe, a gente pode fazer o que for”, descreve.

E Loreto já tem planos para depois de dar vida a Magal: ele será o ex-jogador e atual comentarista Walter Casagrande, em um longa-metragem contando a história de Casão. “É um projeto que está aí para o ano que vem, mas ainda sem data. É uma história que eu quero muito contar porque  a droga é um assunto oculto em todas as famílias. O Casão é um baita exemplo de superação, de alguém que mostra que está matando um leão por dia, ainda. Você é adicto para sempre”, comenta. “Somos amigos, ele é um cara que eu admiro bastante, faz um lindo trabalho com palestras para jogadores em início de carreira”, entusiasma-se.

“Mesmo fazendo várias coisas e não sentindo tanta vontade de sair, tem dias em que eu fico angustiado”, confessa Loreto (Foto: Felipe Figueiredo)

Apesar de procurar ver sempre o lado bom das situações, o ator admite que o mundo vive um período bastante tenso. “Mesmo fazendo várias coisas e não sentindo tanta vontade de sair, tem dias em que eu fico angustiado. Acho normal. Estou bem resguardado em casa e evito aglomeração, vou à praia durante a semana dar uma corrida de máscara. Tão cedo não irei à praia no fim de semana ou a um bar lotado”, observa. “Confio no meu confinamento, sabendo que uma hora ou outra a gente pode pegar esse vírus em uma vacilada. Mas tento manter o risco o mais perto possível do zero. Eu me sinto muito tranquilo de não estar levando nada para as pessoas que eu quero bem, como meus pais e minha avó”, completa.

Quando o assunto é polarização nas redes sociais e cultura do cancelamento, Loreto prefere não se envolver. “Para ser sincero, nem entendo ainda o que é, de fato, a política de cancelamento. Imagino que deva ser as pessoas falarem mal e deixarem de seguir. Não tem como dar muita importância para isso, porque, primeiro: quem é quem para julgar o outro? Como vou julgar alguém que não conheço, por meio de uma informação, geralmente uma frase solta, algo totalmente fora do contexto. Até dentro do contexto você não sabe a real de ninguém”, pondera. “A gente fica triste quando vê um movimento ou palavras de ódio. O que eu geralmente faço é jogar no lixo, ou não leio e ignoro”, esclarece.

“Já dei tutorial de bater um bom concreto e fazer laje”, conta José Loreto (Foto: Reprodução Instagram)

O uso excessivo de redes sociais é outra coisa que incomoda Loreto. “Virou um vício de todo mundo. Eu até já fui o chato da família, que falou: mãe, para, está bitolada no celular, larga isso. Minha mãe, às vezes, quer me mostrar alguma coisa e eu digo: não quero saber, estou aqui e quero olhar para você, trocar com você, não quero saber dos outros”, enfatiza. “Vai haver um momento em que a gente vai se reconectar com quem realmente é importante. Importante é a opinião da minha família, minha filha estar dizendo que me ama todo dia, meus pais, as pessoas próximas. O resto, que seja sensível para ver”, acredita.

O ator espera que o mundo saia melhor da pandemia. “Sou otimista. Acho que a gente está em um turning point, uma mudança muito radical. É o planeta, a ecologia, vemos que a conta está chegando para um monte de coisas. Eu acredito que, quando tudo isso passar, as pessoas estarão com um olhar mais humano. Sei que é um processo lento, mas estou confiante que a geração da Bella seja de pessoas sem preconceito e mais conscientes”, torce. “Como tenho uma filha mulher, meu olhar ficou muito mais atento para o machismo estrutural. Além de pesquisar muitas coisas e seguir referências feministas, minha visão está muito mais aguçada para essas questões. Espero, torço e faço por onde para que ela não sofra tanto quanto minhas irmãs e as mulheres ao meu redor”, diz. “Quero minha filha uma mulher porreta, que nada a impeça de fazer alguma coisa na vida e ela tenha autonomia, como qualquer homem branco hetero tem. Desejo que ela e todo mundo tenha. Essa que é a verdadeira democracia”, conclui.

“O mais difícil de fazer cinebiografia é a cobrança das pessoas, por terem a referência da realidade”, ressalta José Loreto (Foto: Felipe Figueiredo)