*por Vítor Antunes
Desde muito cedo Sophia Abrahão está na TV. Ela surgiu ainda na “Malhação”, em 2007, na qual ficou por dois anos, dando vida à personagem Felipa. E ganhou o país em “Rebeldes“, sendo vítima até de stalker na vida real. Agora, está diante de um dos seus mais representativos trabalhos no cinema: o filme “Letícia”, de Cristiano Vieira, que estreou semana passada. A grande prova do longa, verte-se justamente no desafio em Sophia estar vivendo uma mulher que, narcisista, vive um relacionamento tóxico com Gustavo (Bernardo Felinto), no qual ele é vítima. Sobre si, ela faz uma revelação importante: A de que ela própria viveu relacionamentos tóxicos e de que só foi curar-se disso quando conheceu seu companheiro, o ator Sérgio Malheiros. “Já vivi situações tóxicas, sim, situações que eu não percebia no momento que estavam sendo nocivas para mim, para minha saúde mental. Olho para trás com uma felicidade muito grande de ter saído de relações que não me agregavam, de relações que muitas vezes me faziam mal, e de ter tido força para conseguir ter passado por isso e continuar com esperança no amor, com esperança nas pessoas, tanto que quando eu encontrei o Sérgio [Malheiros] na minha vida, eu me senti pronta para o novo. Claro, que alguns traumas que carreguei, mas estava de peito aberto quando o encontrei”.
Ao ver da atriz, a doença de Letícia deve ser altamente um distúrbio e não como a um desvio de formação moral: “Eu não enxergo que ela seja uma personagem de mau-caráter, ou que ela minta por prazer. Ela é cheia de buracos para serem preenchidos, uma personagem muito sozinha, que tem uma questão familiar muito grave. Então, é preciso observar do ponto de vista de um distúrbio mesmo, de uma questão grave, emocional, que desta forma se consegue ter mais compreensão e empatia à personagem e com as pessoas da vida real que também sofrem disso”.
Já convivi com pessoas mitomaníacas, e esse é um processo muito difícil. Nunca fui afetada diretamente com alguma mentira, mas é muito triste ver isso de fora, as pessoas mentindo por coisas muito bobas, e que se perdem naquele próprio universo que ela constrói. É muito triste observar isso – Sophia Abrahão
Um dos trabalhos mais relevantes da carreira de Sophia Abrahão, “Rebelde” é marco de uma geração que a acompanhou àquele grupo. Não são poucas às vezes que o elenco é questionado sobre um revival. Sobre a novela da Record, ela diz que “foi um divisor de águas na minha vida. Eu já tinha feito “Malhação”, mas a grandiosidade que “Rebelde” se tornou na vida de todos nós, foi uma coisa sem precedente. Foi quando as minhas redes sociais deram um boom, quando as pessoas realmente começaram a me conhecer, pelo menos dentro dessa faixa etária do infanto-juvenil, a novela se tornou um grande sucesso, e tudo que vinha dela também. Era uma fase bem de popstar, um momento incrível, do qual eu tenho muita saudade. Os fãs fizeram e fazem parte da minha vida, mas agora de uma maneira mais madura, diferente do que era antes, quando essas pessoas cresceram e têm suas próprias vidas, trabalhos, estudos e família”.
Eu sou muito grata ao Rebelde, mas acho que um revival, por enquanto não. É uma coisa que muito se falou sobre, mas nunca foi de fato oferecido uma proposta, nunca houve uma conversa mais formal em relação a isso, mas acho que estamos todos seguindo e trilhando seu próprio caminho. Agora, e eu acho que, por enquanto essa possibilidade não é muito próxima de tudo que todo mundo tá vivendo – Sophia Abrahão
Ainda sobre essa época, de “Rebelde”, Sophia relembra um momento delicado. De quando foi vítima de um stalker. “Ele sabia onde eu morava, me mandava presentes, sabia o contato dos meus pais, dos meus amigos e tinha uma perseguição atrás da minha família, muito grave. Chegava a ligar de madrugada para os meus pais dizendo que eu estava em perigo, perguntando a eles se sabiam onde eu estava, ou que eu estava sendo colocada em risco, ligava para os meus amigos de madrugada falando a mesma coisa enquanto eu estava em casa, dormindo. E isso perdurou um tempo. Ele mandava várias encomendas para a minha casa, e eu fiquei muito apavorada. Em princípio eu só sabia que ele era de Belo Horizonte, não tinha informação do nome dele, do endereço dele. Tive que abrir um boletim de ocorrência. A gente tinha pouco conhecimento sobre essa questão criminal do stalker, na época. A nossa grande preocupação na época ocorreu quando fomos fazer um show do “Rebelde” em Belo Horizonte e ficamos com medo de que o stalker me encontrasse, de modo que a produção redobrou a atenção em termos de segurança, e não aconteceu nada, felizmente”.
Neste ano, Sophia vai estar em alguns trabalhos além deste longa. Estará em “Amor da Minha Vida“, do Star+, o “Todo Mundo Tem Problemas Com Amor”, da Renata Paschoal que serão lançados todos neste ano. “Estou tendo a sorte de poder alçar novos voos, de participar de projetos muito legais que eu acredito muito”.
DESTE PLANALTO CENTRAL, NESTA SOLIDÃO
“Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã“, quando Brasília foi inaugurada, em 1960, esta frase passou a ser um símbolo da região. Nos anos, 1980 Brasília pensava a música do futuro do Brasil e hoje, através do cinema, projeta os pensamentos contemporâneos através da cidade. “Letícia” é um longa que se propõe a isso, a discutir os relacionamentos tóxicos. “Nosso foco principal, dos primeiros dias, era criar uma certa intimidade entre o Bernardo Felinto e eu, já que nós fazíamos par romântico, e nós não nos conhecíamos. Inicialmente a preparação constou de coisas mais abstratas, nas quais desenhamos o gráfico das cenas, um roteirinho, fomos decupando e trocando ideia com a direção, com a equipe… Foi uma criação conjunta”.
Para a atriz, esta temática, do narcisismo pode promover debates sobre o distúrbio quando retratada no audiovisual. “Eu acho que o filme pode gerar um aprendizado para a sociedade, no sentido de que muitas pessoas convivem com esse distúrbio ou convivem com alguém que o tem e não entende o que está acontecendo. Eu mesmo, quando convivi com pessoas assim, demorei para ver cair a ficha de que aquelas pessoas não necessariamente eram más, mas tinham um sofrimento e passavam por um distúrbio emocional psicológico que tinha que ser tratado e lidado com uma questão mesmo. O filme fala sobre essa condição, pouco explorada, eu pelo menos nunca tinha visto a mitomania, como através do filme, ou detectar características e sinais de pessoas que talvez tenham essa síndrome”.
Sérgio Malheiros e Sophia estão juntos há dez anos. E, por óbvio, passam por todas as crises inerentes a um casal longevo. Um casamento aberto seria uma possibilidade para trazer um frescor ao relacionamento? Para a atriz, não. E ela fala com muita sinceridade sobre o assunto: “Eu não tenho vontade e creio que o Sérgio também não. Isso nunca foi uma pauta, assim, a gente nunca cogitou isso para o nosso relacionamento. A gente convive com pessoas que têm relacionamento aberto, e são configurações que, para determinados casais, dá super certo, mas eu não acho que seja o nosso caso”. E nesses dez anos de relacionamento, ambos conseguiram uma boa maneira de filtrar o público do privado. “Somos pessoas públicas. Assim, a nossa vida se torna pública, nem que seja por causa do Instagram. Mas a gente escolhe o que registrar ou não, o que compartilhar ou não. Às vezes eu me cobro de estar dividindo mais, as pessoas têm interesse, acham legal, é um conteúdo bacana de ser consumido. Eu tenho curiosidade de ver um pouco mais da intimidade das pessoas que eu sigo e, na verdade, quando isso não rola, não é nem por uma preocupação em me expor demais. Acho que a gente tem momentos íntimos de privacidade entre a gente, entre nossos amigos, que são muito importantes para a gente como casal”.
MODA-TEMPO-HIPERMODERNIDADE
Antes de sua chegada à TV e à arte de atuar, Sophia Abrahão começou sua careira na moda. Apesar de ter tido momentos vitoriosos não passou imune às cobranças da profissão, que exige corpos perfeitos. “Eu comecei no mundo da moda, aos 13 anos de idade. Aos 15 viajei para China sozinha, para trabalhar como modelo, então esse mercado fez muito parte da minha vida. Eu sinto hoje em dia, olhando para trás, que eu tive experiências muito boas, conheci pessoas, viajei, mas passei por experiências extremamente nocivas”.
Desde os 13 anos as pessoas perguntavam o meu peso, mediam meu quadril, a minha cintura, desde esta idade eu fazia teste de biquíni para as pessoas avaliarem o meu corpo, então penso que hoje em dia esse tipo de cobrança já passou, não perdurou na minha vida, até porque com 16 anos eu me tornei atriz, mas ainda assim há uma expectativa imensa que colocam da aparência. Contudo, nada comparado ao universo da moda, que para mim chega a ser inacreditável eu ter normalizado em algum momento as coisas que eu vivi. Vejo com muito bons olhos esse movimento de inclusão, o movimento fashion, falar sobre diversidade – Sophia Abrahão
Sophia continua dizendo que “ainda há uma grande jornada, um grande caminho para ser percorrido, só de estarem apontando nessa direção e estarem realmente, de fato, colocando pessoas diversas, corpos diversos nas passarelas, por exemplo, em campanhas publicitárias, ainda que seja um movimento pequeno é um começo, porque eu passei por isso e eu sei o quanto essa. Essa característica fashion, essa obrigatoriedade de um determinado corpo, de uma determinada aparência, pode prejudicar muito a cabeça, o desenvolvimento emocional de um ser humano. Então eu enxergo, sim, esse movimento, apesar de entender que ainda está bem no começo, de uma maneira muito positiva”.
Conforme frisamos acima, Sophia iniciou sua trajetória na televisão na Globo. Depois foi para a Record e voltou para a Globo num formato de contratos longos, hoje inexistente. Sobre essa modificação do mercado, ela diz que “essa é uma condição, uma maneira de trabalhar que já está dada. Acho que cada vez mais a gente tem visto atores e atrizes que estavam muitos anos em determinadas emissoras, saírem e fazer outros projetos, alçar novos voos em outras plataformas. É óbvio que tem a parte da estabilidade, que é uma coisa que gera uma insegurança em termos de grana, em termos de estar seguro em uma empresa, mas também existe a outra possibilidade, que é participar de emoções, conhecer novas pessoas, conseguir se sentir de repente mais livre, artisticamente. Eu acho que é um movimento que todo ator vai passar. Eu entendo que isso impacta na minha vida, por essa questão da segurança, da estabilidade, mas, ao mesmo tempo, eu tenho conseguido fazer bastante coisa que não faria anteriormente”, frisa.
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