*por Vítor Antunes
Trazendo junto a si a transgressão e a transparência como assinatura, Sonia Abrão mais que ser porta-voz da notícia, em diversas vezes ela própria o foi. Suas opiniões contundentes e falas assertivas e passionais costuraram de polêmicas a sua carreira, especialmente na televisão. A comunicadora, maior audiência da Rede TV! e uma das apresentadoras da casa com o maior número de seguidores no Instagram, está às raias dos 60 anos e seu programa, “A Tarde é Sua”, se aproxima da maioridade: está há 17 anos no ar. Numa conversa sincera e aberta com o Site Heloisa Tolipan, Abrão atribuiu à misoginia grande parte das críticas que recebera quando fazia cobertura de casos policiais em seu programa. “Fazer este tipo de cobertura mexeu com um preconceito muito grande. Não havia mulher fazendo trabalhos desse tipo, era algo muito complicado”. Além disso, acredita que a perseguição da mídia e dos colegas de profissão também não era algo fortuito: “Tive colegas me chamando de coveira no ar. (…) .A contrário do público, que sempre foi muito carinhoso comigo, eu vi que havia uma crítica vinda da mídia e, infelizmente, dos colegas”, disse ela, que afirma não haver “solidariedade profissional” na classe.
Há muitos anos na prática da escrita, tanto que diz nunca haver tido dúvidas quanto à sua trajetória profissional, Abrão lançou no dia 11 o livro “Aos Homens Que Amei“, no qual traz poemas escritos por si, inspirados não apenas na sua perspectiva afetiva, mas nas de suas ouvintes da época em que era conselheira sentimental nas rádios nas quais trabalhou. “No quadro ‘De Mulher para Mulher‘, que fazia muito sucesso no rádio eu passei anos ouvindo as histórias das mulheres e, depois, os homens aderiram também, sob a condição do anonimato. Fui entendendo a maneira de agir das mulheres, e a contradição dos homens e talvez por isso acabei por falar de amor, que se revelou a mim através de versos”.
Há mais de três décadas como comunicadora, Sonia passou por muitas fases de transformação e meios de comunicação. Hoje, além das notícias que chegam com ligeireza, há também as fakenews. Numa equipe composta, além dela, por outros profissionais do mesmo ramo, Abrão afirma prezar por uma apuração cuidadosa. “Preferimos aguardar por uma checagem maior, se isso repercute, se realmente é algo seguro de se falar. E esse trabalho não garante que não vamos cair numa fakenews, mas nos preserva”. E, no caso de ocorrer, tal problema a repórter não hesita: “Pisou na bola, tem que se reconhecer (o erro)”.
FALANDO FRANCAMENTE
Um dos programas que Abrão apresentou no SBT, entre 2002 e 2004 tinha, justamente este nome: “Falando Francamente“. Os primeiros anos da RedeTV!, 2000 e 2002, marcaram, também, o début de Sonia como apresentadora de televisão. Depois desta passagem na emissora de Sílvio Santos e na RecordTV, voltou àquela na qual permanece até hoje. Durante algum tempo o programa dedicou-se às pautas policiais e ao hard news. Por esta razão, Sonia recebeu apelidos duros, agressivos. Sem meias palavras, a apresentadora relembrou esta fase: “Diziam, na internet, haver um Sonia Abrão facts [Fatos da Sônia Abrão]. Frases do tipo ‘Ela não faz programa ao vivo, mas ao morto‘, ou ‘não é Sonia Abrão, é Sonia Caixão‘. Cheguei a ser chamada de “coveira” por alguns colegas, jornalistas, assim, no ar. Para mim, o que me ancorava era o carinho do público, que não mudou. Eu fui muito mimada pelo público, que foi muito carinhoso comigo. A crítica era uma coisa da mídia e, infelizmente, dos colegas”.
Essa rigidez no tratamento à jornalista, segundo ela, tem uma razão misógina: “Nossa equipe pegou grandes casos, e dos quais todos viraram manchete, como o Isabela Nardoni, o Suzane von Richtofen, o Goleiro Bruno – inclusive, neste último caso, nosso programa foi o único com o qual a Eliza Samudio (1985-2010) conversou. O público nunca me discriminou, nunca me fechou as portas, mas a mídia não me viu por esse prisma. Em função do preconceito, de ser uma mulher ancorando num horário tradicionalmente masculino, fazendo cobertura de gente grande, de uma forma digna, dando furo no Jornal Nacional, e numa emissora que não tem a mesma projeção que as outras, isso mexeu muito com o preconceito”. Depois de cinco anos cobrindo episódios policiais, ela e seu staff, decidiram voltar ao entretenimento. “A roda da fofoca é uma alienação saudável. O programa é alto astral, a gente brinca e se diverte. Quem procura outro tipo de noticiário pode esperar por jornais desse perfil”.
Eu fui tratada com muita dureza, de forma muito pesada. Há quem diga que eu fazia críticas de maneira incisiva, mas nunca fiz o que fizeram comigo. É uma questão de aprendizado. Foi assim que eu vi que a verdade tem seu preço, que o preconceito existe e que não é pelo fato de um colega atuar na mesma área de comunicação que ele vai te querer bem ou vai ter solidariedade profissional – Sonia Abrão
Por este tempo todo no ar, “A Tarde é Sua” passou por várias transformações. Atualmente, o vespertino da RedeTV! é um programa de variedades e responde pela maior audiência da casa e, não raro, é o único programa da emissora a pontuar no Ibope. Sonia não tem a menor pretensão de voltar ao hard news. “Passei por pelo menos cinco anos fazendo [jornalismo] policial. O desgaste emocional era uma coisa horrorosa. Paramos por decisão própria. Eu não aguentava mais receber mãe ao meu lado para falar de filho morto. É uma tsunami de dor, uma coisa que a gente não tem o que falar. A nossa própria equipe ao fim do programa estava arrastando corrente. Eu não voltaria [à coberturas de crimes], mas se for necessário, vou com mesma verdade com a mesma vontade, dignidade de sempre mas não faz parte dos meus planos”, diz.
Em face dos anos de profissão, Sonia relata que uma questão a ser tratada hoje com acurácia é a onda de fakenews, de notícias falsas. “É algo muito delicado. Mas vamos aprendendo a lidar. Nós, no “A Tarde é Sua”, somos extremamente rigorosos. A gente checa tudo. E tem coisas que nos chegam e que poderiam ser furo , mas optamos por não dar. Preferimos aguardar por uma checagem maior, se isso repercute, se é algo seguro de se falar. Esse trabalho é constante, mas não garante que não possamos cair numa fake. E caso aconteça, a gente se desculpa e vai de cara limpa, não fica tentando colocar uma versão oficial em cima e terceirizar culpa. Isso não é honesto nem com o publico, nem com a profissão, nem com a notícia. Temos por norma não errar e fazer o máximo possível para isso não acontecer. Mas, se pisarmos na bola, temos que reconhecer”
Há muitos anos, Sonia Abrão é jurada do Troféu Imprensa, tradicional premiação liderada por Sílvio Santos. Em 1988, quando julgava as novelas postulantes ao título de Melhor naquela categoria – “O Outro“, “Brega e Chique” e “Corpo Santo“, a jornalista votou em “Brega e Chique“, com a alegação de que “O Outro” tinha um bonito tratamento de imagem a despeito de um texto ruim. Já “Corpo Santo“, era o contrário. Perguntamos à crítica, qual obra de teledramaturgia ela elegeria como a melhor da atualidade: “Seria ‘Todas as Flores‘, que eu amo de paixão. Apesar de ser dividida em duas temporadas, coisa que não gostei, a novela é brilhante. Narrativa, ritmo e elenco bem amarrados”.
A apresentadora também faz uma importante associação para determinar o sucesso das novelas. “Eu acredito que nessa última safra de folhetins, o elenco é determinante para saber se uma trama emplaca ou não. Tudo passa pelo elenco. A imagem, a linguagem, a fotografia, tudo tem passado por uma transformação muito grande”. Para efetivar sua comparação, aproveita-se de uma novela do Walcyr Carrasco: “‘O Outro Lado do Paraíso‘, por exemplo, era muito ruim, mas o elenco era brilhante e salvava tudo. Havia cenas cinematográficas, que depois se perdiam numa coisa óbvia, pobre. O próprio texto do Walcyr vacilava em razão de toda essa mudança mas o elenco salvava a novela”.
Na mesma premiação que participou, nos Anos 1980, Abrão foi elogiosa à Hebe Camargo (1929-2012), dizendo-a: “tão grande a ponto de não caber no vídeo”. No campo contemporâneo destaca, entre as apresentadoras, a cantora Ivete Sangalo, diante do seu carisma. E entre os comunicadores, Luciano Huck, ainda que “não tenha o humor do Fausto Silva ou o improviso do Sílvio Santos, mas ele tem uma presença marcante. Segurar um ‘Domingão’, programa com 30 anos no ar, reverter a rejeição inicial do público e imprimir a cara dele ao show é uma chancela de talento. Algo semelhante aconteceu com o Celso Portiolli, que precisou assumir o ‘Domingo Legal‘. São bons profissionais. Agora, ídolos a nível de Sílvio Santos e Hebe são outro assunto.
Perguntamos à apresentadora se o fato de ser uma pessoa opinativa e contundente trouxe-lhe algum revés. Segundo ela “dar opinião é algo muito complicado. Como eu tenho um lado passional muito pronunciado, e quero dar minha opinião, falo sempre daquilo que estou sentindo. Até meus erros são sinceros. Quando sinto que peguei pesado não tenho problemas em mudar de opinião, de abordagem, de ouvir o outro lado. O autoconhecimento ajuda muito, o autocontrole, a maneira de se posicionar, de reposicionar-se também. Havendo uma câmera diante de você, um microfone em sua direção, você precisa falar a verdade. É preciso ter transparência nem que seja com a sua corrente de pensamento”, aponta
Às vezes, eu cometo um sincericídio mas é a minha vontade. Se eu cometer um erro não vejo problema em redirecionar a rota – Sonia Abrão
SONIA E VOCÊ
“Aos Homens Que Amei” não é o primeiro livro de Sonia Abrão, mas o marca sua estreia como poetisa. “O livro já estava praticamente pronto. Escrever é algo natural para mim, eu escrevo poesia desde criança, sempre gostei. Eu fui entendendo a maneira de agir das mulheres, a contradição dos homens e o falar de amor foi se revelando a mim em forma de versos. Mas não espere do livro alta literatura no sentido mais amplo da palavra, não. O livro tem 70 poeminhas, flashes da alma feminina, do coração da gente, em termos de amor. Uma foto 3×4 de um amor que todos nós vivemos e isso é coisa universal. São momentos pinçados de emoções que me foram contadas no “De mulher para mulher“. É um livro simples, de ser lido e um retrospecto de amor de as nossas emoções”, afirma, sobre a publicação, lançada pela Editora DisrupTalks
Ela promete mais um livro, o seu último, para 2024. Escolheu o tema, mas ainda o deixa em segredo. “Isso vira um gatilho para a minha ansiedade. Eu passei os últimos meses com a impressão de que a última página não ia chegar nunca, ou que não iria cumprir o prazo”, confessa. E revela também outra faceta. “Eu piro em noite de autógrafo. Para mim é um desgaste. Eu quero escrever uma mensagem carinhosa para cada um e sempre acabo ficando até mais tarde [no evento]”, diz.
Para o ano que vem, ela também almeja transformações no “A Tarde é Sua“. No próximo dia 1º de maio, a atração completa 17 anos do ar, e em 2024, a maioridade. “Vamos ver como as coisas vão se desenrolar economicamente para o ano. Com a estrutura mais sedimentada e com mais recursos e investimentos técnicos, pensar em novas contratações. A gente quer reforçar o nosso time, ampliar horizontes, voltar com reportagens internacionais, ter um cenário novo. Planos não faltam. Na batalha, estamos”, relata.
Diante de uma comunicação cada vez mais surpreendente, a apresentadora crê que o futuro no segmento “será de uma transição profunda, intensa, onde tudo tem que ser tudo muito rápido. Não temos mais o tempo de entender os processos de forma profunda. Temos que nos jogar e, no meio do caminho, saber qual a melhor direção a ser seguida. Estamos no meio desse aprendizado, numa espécie de alfabetização digital. E o que nos resta é seguir em frente”.
Lidando diretamente com a vida dos outros personagens, afinal, qual não é a missão do jornalista, a comunicadora revala o que a emociona, o que a faz sair do eixo. “A vida. Sempre fui muito apaixonada pela vida. Sou cheia de fé, esperança, gratidão. Eu não sou extrovertida, sou mais introvertida e é dentro de mim que a vida acontece. Hoje, o que me sensibiliza é como a gente andou para trás, ou se vivemos um mundo de ilusão [no passado]. Eu sinto as mulheres se acomodando novamente, ou tentando um alpinismo social, que era uma coisa de antigamente. Eu vejo uma garotada antenada, inteligente, mas tentando ter um marido rico. Isso me deixa muito deprimida. Vivi na época da emancipação feminina, pela independência emocional, financeira. Isso me incomoda, bem como perceber que os preconceitos recrudesceram, há um notável aumento nos casos de abuso sexual, do racismo, do preconceito social, das pessoas passando fome. Eu queria ter um projeto meu que pudesse consolar todas as pessoas que passam por dificuldades”, frisa.
Com a maturidade e os 60 anos que se avizinham, houve até espaço para uma questão existencial. “Tenho me preparado para essa fase final da vida, afinal, a morte é algo que deve ser encarado. Quanto à maturidade, eu quero um corpo funcional, lucidez, não ter uma independência física é algo que me angustia. Ter demência, especialmente após ver minha mãe padecer pelo Alzheimer, isso me levou a pensar sobre a madureza, sobre perder o vínculo com a própria história. Quero estar de bem com a vida, com as minhas rugas, com a minha história, fazer meu próprio inventário”.
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