*por Vítor Antunes
Sol Menezzes estrela personagens centrais de “Dois Tempos”, série do Star+, que aborda a perspectiva de duas mulheres separadas por um século. No projeto audiovisual, ela dá vida às personagens Cecília e Paz. A primeira vive no ano de 1922 e, a segunda, em 2022. Eis aí um grande desafio narrativo, não apenas por romper o espaço-tempo, mas também pelo fato de a artista não estar vivendo personagens que são gêmeas ou sósias, mas duas mulheres totalmente independentes. “Fazer duas personagens diferentes dentro de um corpo é um trabalho árduo”, frisa. Ambas as personagens também trazem à tona a necessária discussão sobre questões afirmativas LGBTQIAPN+. Aquela do Século XX enfrenta os desafios de ser lésbica numa sociedade que não apenas invisibilizava a mulher, mas ainda mais a homossexual. A do tempo contemporâneo, tal como Sol, é bissexual. “É importante trazer esse tema à pauta em razão de trazer liberdade a outras meninas. Eu entendi a minha bissexualidade mais tarde e a série se propõe a discutir isso de forma leve”.
Além deste trabalho, Menezzes está em cena em “O Meu sangue ferve por você”, longa que trata sobre o amor do casal Magali West e o cantor Sidney Magal. “Eu vivo a prima da Magali. Gravamos o filme em Salvador e em São Paulo. É um filme leve, para a família”. Aliás, tratando-se de família, a moça que é irmã dos atores Sheron e Drayson Menezzes e filha da escritora Veralinda Menezzes não sente-se cobrada diante do fato de ter tantos artistas na família. Pelo contrário. “Estar numa família de artistas permite compreender as sutilezas que vivemos na nossa profissão. É um prazer. A gente se potencializa, se assiste, conversa sobre as coisas que circundam a nossa arte. Esse ambiente artístico nunca foi uma questão para nós”, pondera.
SOL MAIOR
“Uma correria gostosa de se viver”. Assim Sol Menezzes define seu atual momento, com filmes e séries em plena produção e outros projetos em andamento. Protagonista de “Dois Tempos”, série audiovisual hospedada no Star+, a atriz dá vida a duas personagens independentes, fugindo assim, do clichê das gêmeas e/ou sósias. Pelo contrário, traz ao debate os conflitos e demandas que as duas mulheres que interpreta, Cecília e Paz, vivem em sua contemporaneidade. “São personagens que me exigem. Eu preciso estudar muito para vivê-las dentro de um mesmo corpo. É um trabalho árduo. Isso para mim é um presente. Poder mostrar o meu trabalho, a curva dramática do meu personagem. Na série temos bastante espaço para mostrar o que estudamos e foi muito mágico viver estas duas pessoas de energias tão diferentes e separadas por cem anos”.
Alguma literaturas apontam que, no início do século passado, as mulheres, que já viviam grandes invisibilidades apenas pela condição de existir, eram ainda mais apagadas quando eram lésbicas. Tanto que não há farta literatura acessível sobre essas pessoas. A contrário dos homens gays, que tinham a liberdade da rua e dos encontros, ainda que fossem duramente perseguidos e alvos de preconceito. Menezzes conta que surpreendeu-se sobremaneira ao ser convidada para viver Cecília. “Minha personagem, em 1922 já sabia ser lésbica. Ela é uma escritora e não admitia ser possível outra realidade para si, senão a que vivia, enquanto mulher lésbica. Diferente de outras mulheres daquela época, que nem sempre tiveram a oportunidade de saber se eram lésbicas ou não, pois lhes era imputada uma heterossexualidade compulsória. A sociedade impunha um protocolo que a Cecília se recusou a seguir. Foi um aprendizado grande essa questão do conhecimento e do autoconhecimento das mulheres da década de 1920”. A artista lança um olhar também, para o tempo mais contemporâneo, já que há uma parte da trama que se passa em 2022. “Há muita gente se descobrindo, ponderando, questionando-se sobre ser ou parecer lésbica, ou bissexual, ou sobre entender-se enquanto bissexual”.
É importante trazer esse tema à tona, porque também liberta outras meninas. Eu sou bissexual e entendi isso mais pra frente na minha vida . Cresci entendendo isso e vendo como uma coisa leve – Sol Menezzes
Em sua carreira como atriz, Menezzes destaca uma recorrência curiosa: Das cenas de sexo que fez no audiovisual, todas eram com mulheres. Em apenas uma ocasião teve um par masculino. “Fico feliz com essa representatividade e com esses papéis”, celebra.
QUADRO NEGRO, EM BRANCO
“É preciso ser radical sem ser sectária”. A frase de Lélia Gonzalez (1935 –1994) é significativa quando se observa a carreira de Sol. O simples fato de ser um corpo preto já a coloca num espaço de ocupação artístico diferente que o de uma outra atriz. Além de “Dois Tempos“, a jovem teve um papel de destaque na peça “Lívia”, encenada em 2017. Nesta última, ainda que não fosse uma montagem centralmente voltada em questões afirmativas, acabou encontrando alguma resistência justamente por ter em seu elenco apenas dois atores, sendo ambos pretos. “Eu parto do princípio que o meu corpo é um corpo politico. Se eu estou no palco fazendo arte, roteiro ou o que quer que seja, as questões raciais estarão presentes implicitamente ou não. No caso de Lívia, a peça não era sobre racismo, mas pessoas pretas poderiam se identificar. Pessoas não-negras viam o cartaz e pensavam tratar-se de uma peça sobre questões raciais”, diz, sobre o comentário recorrente na época da montagem.
Sou uma pessoa como qualquer outra. Posso falar sobre tudo: amor, desejo, trabalho, arroz e feijão… As pessoas têm uma cabeça fechada nesse sentido. Toda forma de arte preta é válida e esse recorte afirmativo pode estar presente de forma sutil ou intensa. A arte é um quadro-negro, em branco – Sol Menezzes
Papéis protagonistas para personalidades pretas não é algo frequente. Para Sol, o fato de ser negra e estar num papel importante, algo que coincidentemente está acontecendo com a sua irmã, Sheron, em “Vai na Fé”. “O fato de ser negra e protagonista nunca foi uma questão para mim não. Só tenho gratidão por estar conseguindo conquistar meu espaço. Sou uma atriz que trabalhou muito, estudou muito e precisava de oportunidade de mostrar meu trabalho. Além de ter um papel importante e tempo de tela é importante ser uma boa profissional dentro do set, diante do volume de trabalho e da pressão que isso impõe”.
A família de Sol é artística. Seus irmãos, Sheron e Drayson são atores e sua mãe, Veralinda, escritora. Talvez esta seja a pergunta que a atriz mais ouça, mas é impossível ser indiferente a ela: Como é ser e estar numa família composta por artistas? “Para mim é positivo. Me perguntam se houve cobrança ou algo do gênero e digo que estar uma família de artistas compreender as sutilezas que vivemos na nossa profissão. É um prazer. A gente se potencializa, se assiste, conversa sobre as coisas que circundam a arte… Foi bom, nunca foi uma questão e nem houve barreira. E eu sempre a tive como referência e cresci vendo uma atriz bem sucedida, que é a minha irmã”.
Atriz desde muito cedo, Sol desenvolveu uma técnica para auxiliar atores a encontrar um caminho para a construção de personagens. Trata-se do “Mapeando Sensações” , uma ferramenta extra para auxiliar a preparação de atores: “Eu me inspirei com coisas que faziam sentido para mim. Que são baseados em sensações e tem várias formas. Como através do olfato, que sensibilizara uma memória ou um afeto, com os óleos, com incensos… Cheiros trazem sensações…. Procuro sugerir que atinjamos pontos sensíveis através da cromoterapia ou dos chacras. É uma pesquisa minha interna, sobre tudo o que estudei e fui juntando, das sabedorias holísticas”.
Mesmo com tantos anos de carreira, a atriz relata que seu sonho é que algum roteirista diga-lhe: “Fiz esse personagem pensando em você, Sol”. Se a respiração já conta uma história, como Menezzes mesmo nos diz, o que falar de alguém que plagia um astro tendo a ele como (seu) nome próprio? Sol que, em suas palavras, a ilumina e faz dela apaixonada pela vida. Nesse universo de mistérios, um livro aberto, cheio de fascinação. Amando a liberdade, cantando em sol maior, a poesia vem da estrela, que faz do Sol, mulher.
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