*Por Brunna Condini
Ela é uma espécie de antagonista em ‘Bom dia, Verônica’ série elogiada e entre os top ten da Netflix. Elisa Volpatto é a delegada Anita que tem suas rusgas com a policial Verônica do título, vivida por Tainá Müller. E se na trama sua personagem se incomoda com o idealismo da protagonista – uma inexperiente escrivã – na vida, a atriz é uma feminista e apoia suas ‘manas’ com convicção e sororidade. “Não é porque estamos fazendo uma série empoderada, feminista, que não vamos retratar que o comportamento machista não respinga nas mulheres também”, diz. “Eu e Tainá não quisemos deixar essa relação delas no mi mi mi. Elas divergem, pensam diferente. A Verônica é audaciosa, atravessa a hierarquia. E a Anita, além dela, comanda muitos homens. Não deve ser fácil para uma mulher dentro desse universo chegar neste lugar. Cria-se uma casca”.
Elisa se anima quando pensa na repercussão da série e no retorno que tem recebido. “Muita gente diz: te odiei neste trabalho, te achei uma ‘escrota magnifica’ (risos). E dizem que se eu causei isso é porque fiz um bom trabalho. Estamos felizes com a repercussão. Logo que assisti a série falei com Tainá que sabia que era um assunto forte e chamaria atenção, mas tem sido muito rápido. Acho que essa resposta imediata do público tem a ver com a vontade de falar do tema que gira em torno da violência doméstica, da violência contra a mulher. Acho que o espectador tem vontade de gritar junto com a gente. Tenho visto grupos de mulheres compartilhando e recomendando que outras assistam. E pessoas que passam por algo análogo se sentem representadas”.
Com esse sucesso todo já existe previsão de uma segunda temporada? “Não sei (risos). Não sei de nada a esse respeito, mas acredito que com toda essa repercussão deva ser uma possibilidade concreta. Posso dizer que tenho vontade de desenvolver mais a Anita. Para além deste machismo que ela está impregnada na primeira temporada. Mesmo estando em situação de poder, ela reproduz algo que fomos ensinadas”.
A gaúcha de 33 anos completa: “Sou uma feminista na vida. Meu grupo de teatro aqui, em São Paulo, tem essas pautas, o ‘Vulcão [criação e pesquisa cênica]’. Fundei o coletivo ao lado de outras atrizes em 2016 e desenvolvemos a temática do espaço social da mulher. Realizamos o espetáculo ‘Pulso’, dirigido pela minha parceira Vanessa Bruno, inspirado na poetisa norte-americana e ícone feminista Sylvia Plath, que foi acachapada. E, no momento, estamos em fase de construção de “Orlandx”, inspirado no romance de Virginia Woolf que conta a história de um homem que, após 300 anos de vida, acorda mulher”, conta Elisa.
“E é por isso e pela minha história que muitas cenas como Anita, lidando com outras mulheres, me doíam um pouco. Tipo umas de interrogatório, onde parece que a vítima que é a culpada quando você pergunta sobre a roupa que estava usando, se bebeu ou não, entende? Poxa, ela é a vítima. Gravar isso foi difícil para mim. Na vida eu apoio todas as manas. A Anita foi um desafio do início ao fim. Nunca tinha vibrado nesta energia. Inclusive para defendê-la. Fazê-la trouxe ainda mais reflexão para este momento”.
Em seu lugar
No início deste ano, antes do período de isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus, a atriz estava gravando a segunda temporada da série ‘Aruanas’, da Globoplay. As gravações serão retomadas só em 2021. Elisa salienta ainda, a congruência temática de violência contra a mulher em outras séries recentes que fez, como ‘Assédio’, dirigida por Amora Mautner. A obra é inspirada na história real de Roger Abdelmassih, condenado a mais de 173 anos de reclusão pelo estupro de pacientes, e ‘Vítimas Digitais’, de João Jardim, na GNT. “Esses produtos colocam luz na história das mulheres, no discurso delas. E não no agressor. Esses assuntos me perseguem e me interessam. Estou falando do tema em veículos diferentes, mas tudo muito na mesma linha. Tenho tido vontade de gritar cada vez essas questões sociais graves por meio da minha arte, que é o que posso fazer, e já é uma atitude política”, analisa.
Ela acredita que a sociedade vem mudando, mas que ainda há muito espaço para ser tomado e muitos diálogos para serem travados. Elisa destaca também a necessidade de empatia quando falamos de violência contra a mulher. “Eu mesma já passei por abuso. E conheço muitas mulheres que já passaram. Aliás, acho difícil mulheres que não tenham enfrentado alguma situação de assédio moral, físico. Já tive um relacionamento em que não via o que estava me abafando, não enxergava. A gente fica meio cego quando está dentro”.
Novela
A atriz também acaba de lançar o curta-metragem *E se fossem crianças*, dentro do projeto ‘Crônicas da Pandemia’, idealizado pelo cineasta André Gustavo e todo gravado com o celular durante o período de isolamento social e dirigido via zoom, com roteiro de seu companheiro, Guto Portugal.
Além disso, para o primeiro semestre de 2021 também está previsto o lançamento do longa-metragem ‘Depois de Ser Cinza’, dirigido pelo cineasta gaúcho Eduardo Wannmacher. “Me sinto muito privilegiada. Sou grata de seguir trabalhando nestes anos todos, porque não é fácil viver da profissão. Essa pandemia foi um momento que refleti ainda mais sobre isso, porque escancarou as desigualdades sociais. Isso foi uma das coisas que mais me bateu. Hoje é só gradecer, nada a pedir. Só pelos outros”.
E deixa escapar um desejo: “Gostaria de fazer uma novela. É uma dramaturgia que não conheço e sonho em experimentar”.
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