‘Só faço empregadas, mas são protagonistas. Dramaturgia avançou’, diz Regina Casé, Melhor Atriz do Festival do Rio


Festival do Rio 2019 tem encerramento marcado por emoção e discursos acalorados. A noite fechou um ciclo de 11 dias de mostra, em que foram exibidos quase 200 produções internacionais e nacionais. Vencedora do troféu Redentor como melhor atriz, Regina Casé homenageou Aracy de Almeida: “Ela era genial e acho que voltei a atuar por causa dela. Uma vez um garoto encontrou comigo na rua e disse: “mandou bem naquele filme, nunca pensei que uma apresentadora pudesse mandar bem assim”. As pessoas mais novas nem sabem que sou atriz. Lembrei da Aracy, uma cantora genial, intérprete do Noel, que viveu numa época que nem podia dizer que era gay, trans hoje, talvez. E morreu, como uma jurada mal-humorada, do programa do Silvio Santos. Então, dedico esse prêmio à ela”

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*Por Brunna Condini

Em clima de celebração e espírito de comunidade, chegou ao fim a vigésima-primeira edição do Festival do Rio. Na cerimônia, realizada no Museu do Amanhã, na Zona Portuária da cidade, duas palavras reinavam na noite: união e resistência. Fabio Porchat, um dos apresentadores, ao lado de Evelyn Castro, da mostra que quase não aconteceu pela perda dos principais patrocinadores, destaca a relevância do festival que apresentou 100 filmes internacionais e 91 nacionais, ao longo de 11 dias de evento. “É uma honra estar aqui hoje. Fui um dos colaboradores do crowdfunding, divulguei, queria muito que acontecesse. Foram muitas pessoas que se mobilizaram. Esse festival está acontecendo porque 2.000 pessoas fizeram acontecer. Fico orgulhoso de ter uma “gotinha” minha e apoiarei sempre”, garante o ator. “Acho que o mais importante disso tudo, foi essa grande mobilização, mostrando como o cinema e a cultura são importantes. Podem tentar fazer de tudo, a gente não vai acabar, ficaremos firmes”.

Porchat aproveitou para comentar sobre a polêmica em torno do especial de Natal do Porta dos Fundos, “A primeira tentação de cristo”, no Netflix. “Acho que tinham que se preocupar com coisas mais perigosas que estão acontecendo no país. Isso não tinha que estar sendo debatido na CPI, no Congresso, acho uma perda de tempo para a sociedade, que tem lá seus representantes que podem pensar em coisas muito mais sérias. Mas fico feliz, porque as pessoas estão falando do especial, estão assistindo e isso é muito bom. Tem gente que não gosta? Sim, como tudo e acho que têm direito. O problema é não querer que exista, isso é censura. No Brasil, como temos uma democracia muito nova, tem muito o “não pode”, isso é que é perigoso. O especial não incita a violência, o ódio, não tem intolerância. Tem em quem não quer que aconteça. Ou mais ainda, a pessoa que não gosta que Jesus seja gay, isso diz muito mais da pessoa do que da gente. É homofobia o que está acontecendo. Para nós do “Porta dos Fundos”, neste especial, Jesus ser gay é uma característica, não um defeito. Para os homofóbicos é um xingamento. Acho importante Jesus saber, que se ele vier gay da próxima vez, vai encontrar dificuldades aqui”.

No encerramento do prêmio, o ator divulgou que a Justiça negou um pedido de liminar para que o especial de Natal do grupo fosse removido da Netflix. A ação foi movida pela Associação Dom Bosco de fé e Cultura, que alegou que a produção ofendeu os católicos.

A temperatura da noite, que teve como principal vencedor do troféu de melhor filme de ficção, o longa “Fim de Festa”, de Hilton Lacerda, era mesmo essa: discursos potentes, reafirmando a importância da cultura no país.

Em sua fala, uma das diretoras do festival, Ilda Santiago, deixou isso claro: “Foi um ano de aprendizado, mas todos que vieram conosco disseram: o festival merece estar aqui. E principalmente, nós como brasileiros, cariocas, merecemos. Foi em cima dessa convicção, que trabalhamos”, disse Ilda. “Essa trajetória que fizemos este ano vai nos abrir muitas outras portas, para pensar o ano que vem para o festival, para o estado e para o país, que é o que a gente precisa”. Ilda fez também uma homenagem, citando o nome de profissionais do cinema, que frequentaram a mostra nestes 20 anos e nos deixaram em 2019, como Domingos de Oliveira, Fabio Barreto, Ruth de Souza, entre outros: “Não porque as pessoas partiram, mas porque deixaram alguma coisa especial por aqui”.

Emoção e engajamento não faltaram. Recebendo o Prêmio Personalidade Félix do ano (temática LGBT dentro do festival), Bruna Linzmeyer salientou a necessidade de ocupar os espaços. “Quero dividir esse prêmio com todas as mulheres que amei, com todas as mulheres que me amaram, com todas as mulheres que amam, que se amam, com todas que vieram antes de mim. As que ainda estão no armário, as que não podem sair, as que que gritam, as que sabem, as que ainda não descobriram, as que estão aqui agora e com todas que virão. Porque acredito que esse futuro, que já chegou, é nosso. E não seremos mais apagadas, invisibilizadas, nem retaliadas e nem marginalizadas. Nosso amor, nossos corpos e nossas ideias serão respeitados”.

Da plateia, que contava com Christiane Torloni, Edson Celulari, Silvio Guindane (que entregou um prêmio e aproveitou o microfone para um discurso acalorado a favor da cultura), Tainá Muller, Mariana Nunes, José Loreto, Caio Blat, entre outros, saiu uma Regina Casé esfuziante par receber seu prêmio de melhor atriz, por “Três Verões”, de Sandra Kogut. Ela recebeu o troféu Redentor das mãos de Caio Blat e subiu ao palco com o filho Roque. “É um significado incrível receber esse prêmio hoje, é o terceiro deste filme. É um longa quase profético, assistam”, convidou, para a estreia em circuito nacional, que acontece em março. “ Meu filho aguentou acordado até agora e fico muito feliz que ele tenha visto tantos atores, roteiristas e um diretor negro no palco e na tela. Isso há dez anos, não seria possível. Isso é representatividade. Voltei a ser atriz, que foi como comecei, antes de me tornar apresentadora. Sempre trabalhei a serviço de ideias. Agora fiquei pensando porque migrei, acho que porque o único lugar possível hoje, é a ficção. Claro que durante muito tempo, não tinha dramaturgia para mim. Só faço empregada, mas que essas empregadas agora possam ser protagonistas e ganhar prêmios, é sinal de que essa dramaturgia avançou para outro lugar. Isso me anima. Então, queria dedicar esse prêmio à minha família, ao Iô Iô (Estevão Ciavatta, marido de Regina). E também a Aracy de Almeida. Sim, acho ela genial e acho eu voltei a atuar por causa dela. Uma vez um garoto encontrou comigo na rua e disse: “mandou bem naquele filme, nunca pensei que uma apresentadora pudesse mandar bem assim”. As pessoas mais novas nem sabem que sou atriz. Lembrei da Aracy, uma cantora genial, intérprete do Noel, que viveu numa época que nem podia dizer que era gay, trans hoje, talvez. E morreu, como uma jurada mal-humorada, do programa do Silvio Santos. Então, dedico esse prêmio à ela”.

Confira, abaixo, os premiados da noite.

MELHOR LONGA-METRAGEM DE FICÇÃO –  Fim de Festa, de Hilton Lacerda
MELHOR LONGA-METRAGEM DE DOC –  Ressaca, de Vincent Rimbaux e Patrizia Landi
MELHOR CURTA-METRAGEM – A Mentira, de Klaus Diehl e Rafael Spínola
MELHOR DIREÇÃO DE FICÇÃO –  Maya Da-Rin, por A Febre
MELHOR DIREÇÃO DE DOC – Vincent Rimbaux e Patrizia Landi, por Ressaca
MELHOR ATRIZ – Regina Casé, por Três Verões
MELHOR ATOR –Fabricio Boliveira, por Breve Miragem de Sol
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE – Gabriela Carneiro da Cunha, por Anna
MELHOR ATOR COADJUVANTE – Augusto Madeira, por Acqua Movie
MELHOR FOTOGRAFIA – Miguel Vassy, por Breve Miragem de Sol
MELHOR MONTAGEM –  Renato Vallone, por Breve Miragem de Sol
MELHOR ROTEIRO –  Hilton Lacerda, por Fim de Festa
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI – para o Som do filme A Febre – Felippe Schultz Mussel e Breno Furtado (Som direto), Felippe Schultz Mussel e Romain Ozanne, (Edição de som) e Emmanuel Croset (Mixagem)

Menção honrosa do Júri

– Favela é Moda, de Emílio Domingos e M8 – Quando a Morte Socorre a Vida, de Jeferson De

NOVOS RUMOS – Júri composto porFlávia Castro, diretora e roteirista, João Pedro Zappa, ator e Vicente Saldanha, diretor de arte.
MELHOR FILME –  Sete Anos em Maio, de Affonso Uchôa
Menção honrosa (longa)– Marcelo Diorio, ator e co-roteirista de Rosa Azul de Novalis
MELHOR CURTA –  Revoada, de Victor Costa Lopes
Menção honrosa (curta)– Bonde, de Asaph Luccas
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI –  Chão, Camila Freitas

VOTO POPULAR:
MELHOR LONGA FICÇÃO:M8 – Quando a Morte Socorre a Vida, de Jeferson De
MELHOR LONGA DOCUMENTÁRIO:  Favela é moda, de Emílio Domingos
MELHOR CURTA:  Carne, de Camila Kater

PRÊMIO FELIX
Juri composto por Dannon Lacerda, Galba Gogóia, Luana Dias e Bruno Duarte.
Melhor Longa Ficção:  Retrato de Uma Jovem Em Chamas, de Céline Sciamma
Melhor Longa Doc:  Lemebel, um artista contra a ditadura chilena, de Joanna Reposi Garibaldi
Melhor Longa Brasileiro: Alice Júnior, de Gil Baroni
Prêmio Especial do Júri: Bicha-Bomba, de Renan de Cillo
Menção Honrosa – Camille Cabral, pela atuação em luta dos direitos humanos

MOSTRA GERAÇÃO
Melhor filme Júri Popular –Alice Júnior, de Gil Baroni