Simone Spoladore fala sobre filme inspirado em obra de Clarice Lispector e valoriza tema saúde mental após depressão


Em entrevista exclusiva, a atriz que morou na Europa nos últimos anos, fala do longa ‘O Livro dos Prazeres’, que protagoniza, inspirado na obra de Clarice Lispector, em cartaz nos cinemas. Simone fala também de saúde mental, de autocuidado, dos desejos profisssionais e das cobranças em torno do feminino: “Esperam muita coisa das mulheres. Isso é uma coisa que sempre me machucou, esperarem que eu fosse igual a outras. Não sou de plástico, sabe?”

*Por Brunna Condini

De volta às telonas com ‘O Livro dos Prazeres‘, filme inspirado na livro de Clarice Lispector (1920-1977) ‘Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres‘ (1969), Simone Spoladore se identifica em vários aspectos com a protagonista da trama, Lóri, que passa a viver de uma forma mais inteira, consigo e ao redor, valorizando a simplicidade da vida. “Vários aspectos tocam a minha alma, meu coração. Clarice é música, linguagem. Nos últimos anos, exercitei esse olhar para a vida. Fui morar na Europa depois que tive uma depressão profunda em 2015. Fiquei mal. Não fui pra lá procurando trabalho, porque isso tenho no Brasil. Quis estudar inglês, me cuidar. Estudei bastante, escrevi, mexi meu corpo, o que ajudou na minha recuperação. Estive vivendo, tendo tempo para mim, trocando com as pessoas. Acredito que só o contato salva a gente”, divide a atriz, que morou na Suíça e em Londres nos últimos cinco anos e meio.

Simone Spoladore protagoniza ‘O Livro dos Prazeres’, inspirado na obra de Clarice Lispector (Divulgação)

Sobre a personagem, uma professora apaixonada pela liberdade, que vive entre a escola e encontros casuais, até conhecer um professor de filosofia que a faz experimentar o amor, Simone observa: “O mais bonito sobre a Lóri é que ela precisa se reconectar com todos os seus afetos para se tornar verdadeiramente uma educadora. É uma mulher com suas questões. É o corpo de uma mulher comum em cena, o meu corpo, real”, diz sobre padrões estéticos.

Esperam muito mulheres. Isso é algo que sempre me machucou, esperarem que eu fosse igual às outras. Não sou de plástico, sabe? E desejam que a gente se enquadre, a vida inteira foi assim” – Simone Spoladore, atriz

Simone Spoladore fala do filme 'O Livro dos Prazeres' e dos últimos anos na Europa (Divulgação)

Simone Spoladore fala do filme ‘O Livro dos Prazeres’ e dos últimos anos na Europa (Divulgação)

Aproveitando que ainda estamos no Setembro Amarelo, e chamando atenção para todo o preconceito que envolve a questão da saúde mental, a atriz pontua: “Na Europa, as pessoas são mais integradas neste sentido. Foi o meu segundo episódio de depressão, o primeiro aconteceu em 2008, acho que motivado por um acúmulo de questões que estava vivendo, então precisei de ajuda. Comecei a fazer terapia e foi fundamental. Mas descobri que só a análise não é suficiente, e fui buscar o movimento do corpo também. Sempre gostei de dançar, fiz balé clássico durante 10 anos. Em Londres, eu dancei, caminhei muito, aliás, adoro caminhar. Faz bem para o corpo e para a cabeça. Também como bem, bebo muita água, fico bastante tempo em silêncio, mesmo com a cabeça ativa. Acredito que silenciar me faz bem”.

"Esperam muita coisa das mulheres. Isso é uma coisa que sempre me machucou, esperarem que eu fosse igual a outras. Não sou de plástico, sabe?" (Divulgação)

“Esperam muita coisa das mulheres. Isso é uma coisa que sempre me machucou, esperarem que eu fosse igual a outras. Não sou de plástico, sabe?” (Divulgação)

O feminino e as questões estéticas

Ainda sobre questões que envolvem o feminino e as pressões que orbitam ao redor, Simone Spoladore continua. “Falando da atriz, sentia que tinha que ser uma coisa que eu não era. Tinha que falar muito, por exemplo. As pessoas ficavam incomodadas com o meu silêncio. E tem o corpo, que mencionei. Nunca gostei de academia, respeito quem gosta, mas ficava sempre em dúvida se eu devia ir ou não. Exigem uma perfeição de beleza e isso não é para mim. Respeito quem faz cirurgia plástica, aplica botox, mas eu gosto do natural”. E conclui: “A verdade, é que em relação a isso tudo, segui ‘batendo cabeça’. Dói, mas isso é viver. Clarice (Lispector) mesma escreveu: “Se a gente não sente a própria dor, vivemos em dor permanente”. Quando sentimos a dor verdadeiramente, ela passa, é um movimento fluido. E com tudo isso, venho me divertindo na minha trajetória”.

"Tinha que falar muito, por exemplo, as pessoas ficavam incomodadas com o meu silêncio" (Divulgação)

“Tinha que falar muito, por exemplo, as pessoas ficavam incomodadas com o meu silêncio” (Divulgação)

A atriz iniciou sua carreira no teatro curitibano em 1995, e de lá para cá, fez quase 40 filmes, TV e teatro. No Brasil sem data ainda para voltar para Europa, Simone vai fazer o filme de Júlio Bressane, ‘O Leme do Destino‘, e integra o elenco de ‘A fúria‘, de Ruy Guerra. “Também vou estar na segunda temporada de ‘Cidade Invisível‘ da Netflix. Não sei quando volto para a Suíça, está tão bom aqui. Do Brasil sinto muita saudade de arroz com feijão e do cinema. O triste é que a desigualdade social dificulta a vida da população. Dos que sofrem isso diretamente na pele e dos que andam por aí. Tenho medo de andar livremente dependendo do lugar, e amo essa liberdade de andar por aí. Estou otimista por mudanças, vou votar no próximo domingo (2). Espero o melhor. É primavera, não é?”.

Quando sentimos a dor verdadeiramente, ela passa, é um movimento fluido – Simone Spoladore, atriz

"Do Brasil sinto muita saudade de arroz com feijão e do cinema" (Divulgação)

“Do Brasil sinto muita saudade de arroz com feijão e do cinema” (Divulgação)

Atriz, roteirista, escritora e produtora, Spoladore foi vista na TV pela última vez em ‘Éramos Seis, em 2019, na Globo. “Me chamaram para fazer ‘Todas as Flores‘ no ano passado. Fiquei alguns meses esperando o trabalho começar, mas saí do elenco, o núcleo do qual eu faria parte mudou inteiro”, diz. “Olha, não digo que estou com saudade de fazer novela, porque para falar a verdade, nem sei se isso é para mim. Às vezes penso que o sistema de fazer massacra. Muitas horas gravando, em alguns momentos a sensibilidade se perde. Tem que valer muito a pena, ser um projeto interessante. Não estou pensando nisso agora, mas é esperar receber um novo convite para avaliar. Hoje estou animada para fazer os meus ‘curtinhas’. Filmei um em 2016, o ‘Chá de Alice‘, que estou finalizando e vou mandar para os festivais. E já trabalho em mais dois. Tenho muita vontade de falar sobre o feminino e tudo o que cerca o tema em meus trabalhos autorais”.

Sem pressões

Ela namora o escritor suíço Vanni Bianconi, com quem está há quase seis anos, e fala sobre a relação que tem com a filha dele, Loren, de 12 anos. “Nunca tive pretensão de ocupar esse lugar materno para ela. Temos uma relação de afeto, amizade, a vi crescendo. Não gosto desses rótulos. O Vanni é meu parceiro, a pessoa com quem venho dividindo a vida”.

Tenho muita vontade de falar sobre o feminino e tudo o que cerca o tema em meus trabalhos autorais – Simone Spoladore, atriz

"Tenho muita vontade de falar sobre o feminino e tudo o que cerca o tema em meus trabalhos autorais" (Foto: Carolina Merat)

“Tenho muita vontade de falar sobre o feminino e tudo o que cerca o tema em meus trabalhos autorais” (Foto: Carolina Merat)

Aos 42 anos, Simone também comenta sobre a pressão da maternidade compulsória que recai sobre as mulheres. “Uma vez falaram para eu congelar os óvulos e não tive vontade. Nunca tive muito o desejo de ter filhos. Chegou uma hora em que me questionei se deveria ou não ter. Aquela cobrança que fica no ar, sabe? Até parei de tomar pílula uma época e não engravidei. A natureza respondeu por mim. Acho que existem muitas formas de maternar, de ser maternal. Às vezes, quando estava com um namorado, até pintava uma vontade, que nunca foi forte o suficiente. Não rolou e está tudo certo”.