Simone Spoladore fala de novo filme, do cenário da cultura e sobre não fazer TV com frequência: “Não sou popular”

*Por Brunna Condini

Tendo o cinema como uma das suas principais fontes de expressão artística e conhecida por personagens mais complexas, Simone Spoladore estrela o mais recente longa-metragem de Ruy Guerra, ‘Aos Pedaços‘, em cartaz na telona, após cinco anos da sua realização. Capitaneada no thriller psicológico pelo diretor que segue em plena atividade aos 93 anos, a atriz fala da sua segunda experiência seguida com Ruy, um dos nossos mais importantes cineastas, que também a dirigiu em ‘A Fúria’. “Filmar com ele é uma aventura de criação. Antes de cada dia no set nos reuníamos para discutir a cena que íamos fazer, era uma conversa, e todos do elenco e equipe podiam participar. Ele instigava o pensamento e a descoberta de como fazer cinema. Filmar com Ruy é uma aventura. Ele constrói planos longos e precisamos preencher de vida cada segundo. É um salto no vazio”, diz, sobre o trabalho com o legendário expoente do Cinema Novo, marcado por uma dramaturgia ‘fora da caixa’ e um estilo noir.

Também considerada uma atriz mais densa, Simone que esteve pela última vez em uma novela no remake de ‘Éramos Seis‘ (2019), fez uma pequena participação no  primeiro capítulo de ‘Mania de Você‘, trama das 21h da Globo, como a mãe da personagem Luma (Agatha Moreira). E sintetiza quando perguntada o motivo pelo qual acha que não é convidada para fazer mais o gênero. “Morei em Londres durante sete anos, as coisas aconteceram assim. E eu não sou popular”. Simone acrescenta: “Fiz a série ‘Reencarne‘ (Globoplay) em 2023, que vai estrear esse ano. Adoraria fazer novela de novo, uma hora quem sabe acontece!”. Nesta entrevista a atriz fala sobre a paixão e a atuação constante no cinema, reflete sobre a situação da cultura no país e também sobre pressões e exposição.

Simone Spoladore: paixão e a atuação constante cinema e reflexão sobre a cultura” (Divulgação)

A atriz de 45 anos iniciou sua carreira no teatro em 1995, e nunca se permitiu sucumbir às pressões ao redor, tanto para se encaixar nos padrões das relações sociais do meio artístico, que costumam exigir muita interação; quanto para se encaixar em padrões físicos, e de cobrança por exposição. Isso teve um preço?

Acho que vivi tudo de acordo com o que meu temperamento permitia. Têm coisas que não fazem parte da nossa natureza. Só não gostaria de ficar sem trabalho, mas isso não está acontecendo, pelo menos por enquanto – Simone Spoladore

Simone fala sobre a escolha de manter sua vida privada longe dos holofotes e das redes sociais, algo incomum hoje, quando a exposição é vista por muitos artistas como o único caminho para o reconhecimento e para movimentar a carreira. “No momento, por exemplo, minha conta no Instagram está bloqueada, porque não consegui recuperar a a senha. Não exponho muito minha vida íntima nas redes sociais, simplesmente não consigo. Penso mil vezes antes de postar alguma coisa, acho que sou tímida e reservada mesmo”. Então, na contramão de atores e atrizes que tem entrado em realities show, podemos afirmar que ver Simone Spoladore em um é uma experiência inimaginável, certo? “Imagina… eu sairia na primeira semana”.

Simone Spoladore em cena do novo longa-metragem de Ruy Guerra, ‘Aos Pedaços’ (Divulgação)

Cinema como paixão

Com cerca de 40 filmes no currículo, a artista que é também diretora e roteirista, estreou no cinema em 1995 com o curta-metragem ‘A Armadilha‘, e observa o lugar que a Sétima Arte tem na sua trajetória. “O cinema é minha paixão. Quando penso em dirigir é só em cinema que eu penso. Como atriz é muito natural para mim estar na frente da câmera. É uma comunicação entre o meu eu mais profundo e a história que estamos contando. É um exercício de precisão e técnica, com a emoção e o tempo”, filosofa.

Ela exalta o bom momento vivido em nosso cinema com a aclamação nacional e internacional de Fernanda Torres e do longa ‘Ainda Estou Aqui. ’. “Gostei muito do filme e amo o trabalho da Fernanda. Torço que esse reconhecimento abra caminhos para o cinema nacional, é necessário fortalecer políticas públicas que defendam o nosso cinema, a nossa cultura”. Sobre o desmonte cultural sentido pelo cinema brasileiro nos últimos anos, frisa:

Christiana Ubach e Simone Spoladore em ‘Aos Pedaços’ (Divulgação)

Acredito que o retrocesso foi muito grande e a recuperação é difícil, mas estão sendo feitos esforços para mudar a situação.  Acho que falta uma conscientização maior de toda a sociedade no processo de desenvolvimento cultural do país – Simone Spoladore

Compartilha ainda os novos projetos: “Estou ensaiando uma peça no Teatro Guaíra com contos do nosso maior escritor, Dalton Trevisan (autor curitibano como ela, que partiu em novembro passado, aos 99 anos).  Se chama ‘Daqui ninguém sai’ e interpreto uma das tantas Marias da obra do Dalton. Uma mulher comum, com uma vida comum. A peça vai estrear no Festival de Curitiba em 26 de março. Depois tem um filme com nome provisório de ‘Laura‘, que conta a trajetória de uma atriz, a paixão dela pelo cinema. Divido direção e roteiro com a Camila Nunes. Estamos na fase inicial de captação de recursos”.

Aos Pedaços

O thriller psicológico convida o espectador para um mergulho em um universo onde os limites entre realidade, obsessão e paranoia são continuamente questionados.Eurico Cruz (Emilio de Mello,) é um protagonista dividido entre duas casas idênticas, habitadas por suas esposas, Ana (Spoladore) e Anna (Christiana Ubach ). Ele recebe a visita de Eleno (Julio Adrião) e um bilhete misterioso que anuncia sua morte, assinado apenas por “A.”. A partir daí, espaços, personagens e emoções se confundem, construindo um quebra-cabeças intenso sobre amores, ódios e suspeitas. “Vivo a Ana com um ‘n’. Nunca discutimos as personagens de forma psicológica, mas sei que a Ana gosta de mar e eu também.  O maior desafio foi interpretar os solilóquios dessa personagem”, diz.

Sobre a aventura de criação que foi filmar a narrativa labiríntica proposta por Ruy Guerra, ela compartilha um exemplo: “Me lembro do dia que filmamos uma cena (a dos tubarões), e ele me disse, esse é seu ponto de partida e na outra ponta do sofá é seu ponto de chegada, no meio você faz o que quiser. E foi assim”.

Christiana Ubach e Simone Spoladore em cena de ‘Aos Pedaços’ de ruy Guerra (Divulgação)

‘Aos Pedaços‘ é um filme em preto e branco de alto contraste e baixa exposição, a fotografia assinada por Pablo Baião é um dos grandes destaques do longa. Premiado no Festival de Gramado, com Kikitos de Melhor Diretor, Melhor Fotografia e Melhor Som.