* por Vítor Antunes
Filmes, streaming, teatro e uma grande vivacidade artística. Assim poderíamos definir Sílvia Buarque. A atriz está com vários projetos simultâneos e nesta conversa com o Site Heloisa Tolipan abriu o coração sobre vários assuntos: Desde a cobrança a qual sempre foi alvo, por ser filha da atriz Marieta Severo e do cantor e compositor Chico Buarque, à caretice que enxerga hoje, especialmente na TV. Afinal, novelas nas quais trabalhou, como “Bebê a Bordo” e “Corpo Santo“, hoje em dia não seriam sequer consideradas para transmissão. A atriz também apresenta-nos seus novos projetos. Nesta semana estará havendo, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro a mostra sobre o trabalho do diretor e fotógrafo cearense Petrus Cariry, que vai até o dia 6 de outubro, a “Petrus Cariry: imagem, tempo e poesia”, na qual Silvia estreará o seu mais novo filme “Mais Pesado é o Céu“. No mesmo evento, ela ministrou, no dia 5 uma oficina – ou um papo descontraído – sobre curiosidades dos 38 anos de profissão.
Sílvia atualmente também pode ser vista na reprise de “O Sexo dos Anjos“, novela de Ivani Ribeiro (1922-1995), exibida pelo Viva: “Estou impressionada de como tem audiência! As pessoas estão comentando no meu Instagram. Vejo pouco, pois acho estranho rever coisa do passado, mas recentemente postei algo meu da novela, época em que eu estava com 20 anos”. A atriz também compartilha suas experiências nas novelas “Corpo Santo” e “Bebê a Bordo” – inclusive, lamenta o fato de esta última ter sido retalhada no Viva, ante o escândalo do publico com a abordagem da temática sexual na trama: “O mundo hoje está muito careta”.
Meu afastamento das novelas faz 14 ou 15 anos. Tive poucos convites nesse meio tempo, os que recebi ou não pude ou não quis aceitar, por não serem interessantes. O teatro, o cinema e o streaming me ofereceram oportunidades melhores. Não sinto falta da TV, mas faria de bom grado uma novela. Estou feliz com o jeito que a vida me encaminhou – Sílvia Buarque
A atriz também poderá ser vista nas séries “Betinho, no Fio da Navalha” (Globoplay)e “Impuros” (Star+). E, em primeira mão, anuncia seu retorno ao teatro, com a peça “A Menina Escorrendo Dos Olhos“, escrita por Daniela Pereira de Carvalho, dirigida por Leonardo Netto, com Guida Vianna co-estralando. A montagem estreará em Janeiro, no teatro Poeirinha, em Botafogo.
MAIS PESADO É O CÉU
“Fogo com fogo. Sou áries com ascendente em leão. Quando eu estiver com 30 vai ser pior. Crise dos 30? Já estou morrendo de medo [da idade]”. Essa declaração de Sílvia, ainda antes dos 20 anos parece, realmente, uma mostra da ingenuidade da juventude. Trinta e seis anos depois desta fala, numa entrevista em que ela e Cazuza (1957-1990) revezavam a função de entrevistado e entrevistador, falaremos sobre seu mais novo papel: Letícia, uma mulher, que indubitavelmente já passou dos então temidos 30, e que além de madura é solitária e vive no interior do Ceará, no filme “Mais Pesado é o Céu“, de Petrus Cariry. “Minha personagem é coadjuvante, ainda que bem importante. Uma mulher só, que foi jogada no interior do Sertão, onde tem uma birosca. Ela é como fosse a elite do lugar – que é miserável. Além disso, cabe a ela ajudar o casal de protagonistas.
Em “Mais Pesado é o Céu”, minha personagem muito diferente de tudo o que ja fiz. É um filme que retrata uma miséria tamanha, de personagens desesperados. Um filme brasileiríssimo e que desconstrói esse Nordeste alegre. Retrata uma região mais vivida, mais real, menos folclórica – Sílvia Buarque
Como parte do projeto de lançamento do longa, a equipe técnica ministrou oficinas sobre atuação e debates sobre cinema. Coube a Sílvia estrear como oficineira/professora. “Não preparei uma aula, mas um bate papo. Em princípio me preocupei, já que sou autodidata e cheguei no palco não estudando pelos métodos tradicionais, mas me dei conta de que tinha muita bagagem, muita história para contar, com muita gente que trabalhei. Fui reunindo essas histórias e esses tópicos de debate. Encarei, mas não pretendo fazer com recorrência”, diz ela, que já foi professora no filme “Escravos de Jó” e na novela “Caminho das Índias“.
“Para compor esta personagem”, diz Sílvia, “precisei desacelerar. Sou acelerada, urbana. E aquela personagem tem tempo para jogar fora. O cinema do Petrus tem silêncios, contemplação. E as minhas cenas têm plano sequência, domínio do tempo, não há pausa, nem interferência do montador, nem corte”. Ainda sobre a personagem, diz que ela “habita uma cidade que foi alagada, ante a uma tragédia natural. É assustador pensar nessa espécie de vingança da natureza. Ter a cidade inundada, para mim, é algo como perder tudo num incêndio. É algo como perder memória e referências, e para mim, que gosto de revisitar o passado, seria algo trágico”, compara.
Quero ganhar meu passaporte de nordestina. Já tenho boa carta de recomendação, sou fã do cinema – que cada vez mais é uma força e de muita criatividade. É o futuro do cinema brasileiro, sem desmerecer as outras regiões – Sílvia Buarque
TELINHA
“Num canto da varanda enrosca-se o gato de Luísa, a caçula (…). Sílvia chega, pede dinheiro, vem vestida com roupa de dança. Treze anos muito esguios, de cabelo amarrado hoje e sorriso aberto”. Assim Sílvia Buarque foi definida numa entrevista concedida por sua mãe, Marieta Severo à repórter Leonor Xavier, na Revista Manchete em 1982. Aliás, coube também ao mesmo finado Grupo Bloch revelá-la como atriz na televisão. Estreou num episódio do programa “Tamanho Família“, num episódio que referenciava o polêmico filme “Je Vous Salue Marie“, e que tinha o mesmo nome do longa de Godard (1930-2022). Pouco depois fez uma perticipação em “Dona Beija” e acabou por protagonizar o furacão “Corpo Santo“, novela também da Manchete, que recebeu o APCA como a melhor do ano.
Dali até 1992, era possível ver, com grande regularidade, a presença da atriz na televisão. Depois, essas passaram a ser cada vez mais episódicas e ela só voltaria às telenovelas em 2005, com “América”. Sua última participação foi em “Caminho das Índias” (2009), onde seria abordada a temática da agressão aos professores nas escolas. Mas a ideia acabou desandando numa novela com tantos personagens: “Lastimo que aquela trama não tenha sido desenvolvida, já que esse é um tema muito atual até hoje. É algo super normal de acontecer, e acontece em qualquer novela, mas foi frustante.”
Atualmente, Sílvia pode ser vista em “O Sexo dos Anjos” (1989), em reprise no Viva. A novela de Ivani Ribeiro, que não teve tanta audiência na época, hoje tem um grupo de fãs que acompanha com fidelidade a história de Ruth, a vilã. “Eu adorei a personagem, inclusive sou muito amiga da Isabela Garcia, que deu vida à protagonista. Era uma turma bem bacana, uma novela deliciosa. A Ruth era uma vilã meio atrapalhada… A novela era praticamente era de realismo fantástico”.
Dentre as obras que ela relata ter maior carinho, “Bebê a Bordo” e “América”: “A primeira não passaria hoje na TV. Mesmo quando passou [em 2018, no Viva] acabou sendo ajustada. Falava de política abertamente e tinha uma grande ousadia na abordagem sobre a temática sexual para ser uma novela das 19h. Minha persongem, Raio de Luar, era muito de esquerda e fazia criticas abertas à oposição – numa época de redemocratização. Raio vivia num quadrilátero amoroso muito liberal com os personagens do Guilherme Fontes, Guilherme Leme e Carla Marins“.
“Na outra, “América”, eu vivia a Maria Ellis, que inicialmente era uma Maria-Breteira, ou seja, uma caçadora de peões de boiadeiro, mas que depois passa a dar apoio ao personagem Zeca (Bruno Gagliasso), que era gay e escondia isso da mãe. Na época eu também fiquei grávida e a Glória Perez incluiu essa história na novela. Era um universo totalmente distante do meu”. No que tange a “Bebê a Bordo“, a novela até hoje é tida como uma das de mais baixa audiência no Viva, o que a fez ser a única das tramas ali exibidas a serem editadas para dar vez a substituta. Já sobre sua gravidez, em 2005, a atriz esperava a sua única filha, Irene, que completou 18 anos no último dia 3.
Antes destas novelas, contudo, Sílvia esteve naquela que considera como sua maior escola: “Corpo Santo“, exibida pela Manchete entre 1987 e 1988. Nesta a sua personagem era uma paranormal seduzida a entrar para o mercado de filmes pornográficos. “Foi o trabalho que me projetou. A estrutura da TV naquela época era bem precária, tudo era muito atrasado de produção, era algo meio que de guerrilha, e o autor usou isso a nosso favor. O que acontecia hoje, era gravado amanhã e exibido no dia seguinte. Tanto que a emissora conseguiu encaixar o Verão da Lata na novela quase que em tempo real. Mas no todo era difícil. Mesmo o deslocamento, já que naquela época não havia Linha Vermelha e todo percurso era feito através da Avenida Brasil”. O “Verão da Lata” é uma referência ao acidente que fez cair nas praias cariocas toneladas de maconha pura. O acidente ocorreu em setembro de 1987, e a novela foi ao ar até outubro daquele ano.
CHICOS
“Não faço show para elas. Faço mágica. Sou péssimo, mas elas me prestigiam” , disse Chico Buarque numa entrevista em 1975. Ou seja, o Chico que Sílvia conhece é muito distante daquele que o Brasil inteiro tem acesso. Afinal, nunca soubemos das habilidades de ilusionista do compositor de “As Vitrines“. Hoje em dia discute-se muito a questão dos nepo-babies, ou seja, pessoas que são filhas de famosos e que por conta disso, encontrariam facilidades ou caminhos menos árduos. Sílvia não vê isso de forma tão cartesiana.
“Ser filha do Chico Buarque e da Marieta Severo pesa sempre, ainda que os ame e admire. São pais maravilhosos e amigos. Tenho a seguinte convicção, por experiência própria: Realmente há uma facilidade para entrar no meio (artístico), mas não para se manter, e, às vezes, acho até que atrapalha. Há um lado bom pessoalmente, mas na profissão, isso não me traz trabalho” . O fato de meu pai ser um compositor de música popular acaba por me fazer ser mais apontada como “filha do Chico Buarque que como filha da Marieta Severo”. Até por conta de minha mãe ter começado uma carreira televisiva mais tarde, depois de um grande hiato”. Com efeito, Marieta ficou longos anos sem fazer novela. Sua última antes do exílio ao qual ela e Chico colocaram-se em razão da Ditadura Militar, foi “… E Nós Aonde Vamos?” (1970), na Tupi. Antes disso, na Globo, fez “Demian, o Justiceiro ou O Homem Proibido” (1968). E voltaria aos folhetins apenas em 1983, com “Champagne”.
E ela prossegue: “Meu pai é um dos maiores compositores do país e por isso as pessoas o têm um outro patamar de adoração. Há quem me peça muita coisa que na verdade é direcionada a ele e coisas que vão desde a entregar um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) a outras inimagináveis, como a de solicitar um vídeo dele dando parabéns a um desconhecido via WhatsApp”.
Detesto as artimanhas das pessoas em quererem chegar aos meus pais através de mim – Sílvia Buarque, em 1987
Pés no passado e no presente. Oscilação entre memória vivida e memória (que será) construída. Alternância entre fotos antigas e fotos novas. Numa de suas falas, Sílvia diz: “Sou saudosista”. No alemão, a palavra equivalente para saudade é ‘sehensucht‘ – algo como ‘procura do olhar’. Nada mais digno para uma atriz, cuja profissão se apoia, justamente, na sua máscara, no seu olhar. E, se o pai da moça é poeta, não cabe a nós a ousadia de entregar poesia neste parágrafo. Mas revisitar o mambo que Chico – o Buarque – cantou escreveu e nunca gravou; e que de tão discreto, talvez o outro Chico – o Díaz, seu marido – nunca tenha declamado: “Acenar, com uma luva, vai combinar. Na minha mão, uma música. Na dúvida de um tanto faz, morre de amor quem é capaz. Sílvia”
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