Silvero Pereira celebra seus primeiros personagens héteros no audiovisual e fala de folclorização do nordeste


O ator emplaca mais um de seus projetos audiovisuais. Agora é “Fluxo”, de André Pellenz. No longa ele vive um rapaz, Marcão, que é ativista de esquerda, num Brasil distópico, dominado pela extrema-direita e em meio à crise sanitária imposta pela pandemia. O longa abre as possibilidades de personagens héteros ao ator, que recorrentemente, interpreta pessoas LGBT. Para Silvero, o fato de ele próprio ser gay não deve limitar seus personagens: “Eu não quero ser visto apenas como ‘Ator LGBT'”. Ainda neste ano, o artista dará vida ao Maníaco do Parque, na série do Prime Video. Trata-se do seu primeiro papel como protagonista e um de seus primeiros mergulhos no formato true crime. Estará também na série “Desejos S/A”, do Star+, além do filme “Florestas da Noite”

Silvero Pereira celebra seus primeiros personagens heteros no audiovisual e fala de folclorização do nordeste

*por Vítor Antunes

Num ano que tem se aberto de possibilidades em seu fazer artístico, Silvero Pereira destaca, especificamente, a leva de personagens héteros que tem interpetado, e que o tiram da “cota LGBT”. O papel que vive em “Fluxo” é um deles. No filme de André Pellenz, Silvero interpreta um militante contrário ao governo totalitarista e distópico que se estabelece no Brasil durante um regime de extrema-direita. Em “Fluxo“, Silvero também canta um dos temas principais do longa, “Jaqueta Amarela“. Para este segundo semestre, ele poderá ser visto na série “Desejos S/A“, do Star+, além do filme “Florestas da Noite” e na série sobre o “Maníaco do Parque“, do Prime Video, e um outro longa independente. O ator será o protagonista do Maníaco do Parque, serial killer brasileiro que estuprava e matava mulheres no Parque do Estado, na capital paulista, entre os anos de 1997 e 1998. Para o ator, este último projeto o coloca em vários lugares inéditos, não apenas por tirá-lo da caixinha do gay, mas por estar num papel protagonista: “Todo mundo está acostumado a me ver fazendo pessoas LGBT e eu não quero ser visto apenas desta forma, nesse lugar. A série me coloca num lugar importante também, de protagonismo”.

Sou nordestino e temos que dar atenção ao Nordeste deixar da caricaturar a região – Silvero Pereira

Máscara, limpeza de produtos com álcool em gel – e este produto nas suas mais variadas formas. Tensão por conta de uma doença desconhecida e a presença de um governo que de tão controverso ninguém sabe ao certo a sua intenção. Toda esta premissa parece familiar a quem viveu os anos da pandemia de Covid, que explodiu no Brasil em março de 2020 e perdurou pelo menos até o fim de 2022. Esta também é uma das diretrizes de “Fluxo”, longa que estreou dia 31.

Silvero Pereira, Bruna Guerin e Gabriel Godoy. Elenco principal de “Fluxo” (Foto: Webert Belicio/AgNews)

FLUXO

Filme totalmente gravado durante a pandemia, “Fluxo” só agora ganha as telas. Quando ele foi preparado, ainda não haviam protocolos seguros de não-contaminação, o que obrigou à equipe técnica a cada um gravar em suas casas e lançando mão das próprias ferramentas. Gabriel Godoy e Bruna Guerin moravam juntos e davam vida ao casal principal, então coube a eles preparar, filmar, iluminar e maquiar todas as cenas que envolviam a dupla – que era casada na ocasião. O mesmo coube aos outros atores, como Cassio Gabus Mendes, Guida Vianna e o próprio Silvero, que gravou as cenas do longa da cidade onde mora, Fortaleza (CE). Ter feito suas gravações no Ceará, polo mais distante dos outros atores, que gravaram no Rio e em São Paulo teve alguma diferença? “Como estávamos na pandemia, a questão geográfica não importava tanto, mas sim o acolhimento da equipe e ela foi muito atenciosa. Não era só chegar ligar a câmera e gravar. Havia uma conversa com a maquiadora e a figurinista que tinham um dia específico para falar comigo, assim como o diretor de cenografia e fotografia. Mesmo à distância, a relação no set funcionou da mesma maneira”.

Com muita limitação técnica na época, o longa de André Pellenz contou com várias ferramentas de linguagem: desde câmeras profissionais às câmeras de celular das mais variadas potências. O que uniformiza a estética é o preto-e-branco. Silvero fala que a preparação para este longa foi muito peculiar. “Foi diferente, uma preparação mais isolada. Tínhamos que resgatar os nossos próprios artifícios, técnicas de atuação e ferramentas, já que não houve preparação de elenco, mas uma conversa com o diretor sobre os personagens e onde eles iriam chegar. Depois de filmado, ele ia equalizando essas relações”.

“Fluxo” é um filme que está pronto para o streaming, não despreza a estrutura do cinema. Ele funciona tanto gravado pelo celular como com super câmeras – Silvero Pereira

Silvero Pereira e André Pellenz na pré-estreia de Fluxo, no Rio (Foto: Webert Belício/AgNews)

MAIS ALÉM DA COTA

Fluxo” é um dos primeiros filmes a trazer Silvero Pereira num lugar distante do qual ele costuma ser colocado. Não apenas por ele ser gay, mas por haver sido revelado em projetos com temática LGBT, acabou sendo destinado a fazer filmes e trabalhos com esse perfil. Neste longa, ele vive Marcão, um rapaz cuja trajetória não passa pela questão da orientação sexual, já que a sua militância política é preponderante. Seu próximo trabalho será dando vida ao Maníaco do Parque. Neste caso, além de um homem heterossexual e um assassino, terá papel protagonista. “Quando me convidaram para fazer o Maníaco do Parque eu não sabia que seria eu a interpretá-lo. Pensei que seria destinado a mim um papel secundário e fiquei muito surpreso com a escalação”.

Sou nordestino, moro no Ceará e, obviamente, vivo no Nordeste. Serei protagonista e isso é muito simbólico, uma reparação aos artistas nordestinos. Temos que valorizar isso. Eu não quero quero ser visto apenas como “Ator LGBT” e esse é meu primeiro protagonista fora desse formato e num true crime – Silvero Pereira

A caracterização de Silvero Pereira o fez ficar idêntico ao Maníaco no Parque, série documental do Prime Video (Foto: Reprodução)

Para encerrar, Silvero destaca, também, um elemento importante para si. A folclorização do Nordeste. Todos os projetos, especialmente de televisão, retratam um nordeste alegórico, coronelista, interiorano. Perguntado sobre essa recorrência de um nordeste idealizado, ele diz acreditar que sim, ainda há esta marca anedótica para a região. Como se ainda vivessem os nordestinos numa cidade imaginada por Dias Gomes (1922-1999).  “Acho, sim, que há um folclore, mas isso tem que ser quebrado. Das produções cinematográficas que ganharam o Brasil nos últimos dez anos, pelo menos a maior parte delas é nordestina. É preciso dar atenção aos nossos artistas e deixarmos de caricaturar a região e as pessoas”, afirma.

De fato, todos os sucessos e filmes largamente premiados do cinema nacional vieram de lá. “Aquarius” e Bacurau” são exemplos, e Kleber Mendonça Filho e Karin Aïnouz também são de lá. Quando Silvero fala de ser protagonista, é importante que o Centro-Sul, acostumado a este lugar, não deixe de reconhecer a soberania cinematográfica do Nordeste.