*por Vítor Antunes
Angolana, Sharam Diniz desde cedo sonhava ser atriz, quando imitava Taís Araújo de frente ao espelho, em seu país natal. Agora, realia um sonho: ela estará na tela da Record vivendo Makeda, a Rainha de Sabá, na série “Reis”. Makeda, tão africana quanto sua personagem, que é etíope, trouxe a Sharam ensinamentos. “Ela me ensinou a amar meu cabelo. Quando trabalhava com moda, vivi situações desconfortáveis por dizerem que meu cabelo era difícil, quando, na verdade, era incompetência do cabeleireiro para lidar com ele. Hoje a gente passa pelo preconceito. Deixamos de nos habituar em não ter representatividade. No meu tempo de criança eu não tive isso. Era tudo virado para uma cultura branca e de maneira escancarada, como se fosse um defeito ser preto. Minha mãe teve que relaxar meu cabelo aos cinco anos para que não fosse uma tortura viver com eles. Quando raspei meu cabelo, disseram que ele jamais tornaria a crescer por conta de afirmarem que ‘cabelo de preta não cresce”.
Inclusive, por haver modelado por anos, Sharam tem um olhar especial para o atual momento da moda, que volta a investir nos corpos magros em vez daqueles com contornos. “Sendo modelo há mais de uma década, sofro essa mudança. Especialmente por ser uma mulher negra, não sou muito magra. Éramos medidas com fita métrica e eu fui reprovada por ter 91 de quadril e não 89, o que era a medida tida como padrão. Não dá para serrar um osso e diminuir o corpo para isso, para uma exigência da indústria”.
A atriz quer firmar seus laços com o Brasil. “Minha ideia aqui é criar uma ponte com o Brasil. Para mim, Angola e Brasil são países irmãos, tanto paro lado bom como pelo contrário. Vivemos cá e lá a mesma violência, mas aqui me sinto mais segura”, analisa.
Ainda que tenha direcionado muito de seus esforços para a moda durante a vida, hoje essa não é mais uma prioridade, também por compreender o quanto a sociedade é cruel às mulheres. “Vi o tempo passar sem que eu tivesse iniciado minha carreira de atriz, que efetivamente era o meu sonho. A sociedade é muito mais feroz com mulheres que com os homens. Vemos mulheres mais velhas, inteligentes, intelectuais, depreciadas por suas idades. Não que não queira mais ser modelo, mas estou cansada. Não nos é permitido ser inteligente, falar, quando parece que nos querem apenas para vender um produto, ser um cabide. Veem a mim como a um corpo bonito e esbelto, não como a uma mulher interessante”
A moda e os modismos vai e vêm. Duvido que existam novas super models. As que existem permanecerão sendo as dos Anos 1990, como a Claudia Schiffer, a Linda Evangelista e a Naomi Campbell. Hoje há uma questão digital importante, há as Instagram Models, os TikTokers… Uma subdivisão que todo mundo pode fazer parte – Sharam Diniz
UM DEFEITO DE COR
“O meu pai é originário de Tango, em Kwanza Norte, em Angola. Meu nome tem origem persa, e geralmente batiza homens“, disse Sharam. Num relato que costumava ser incomum às pessoas pretas vindas de África. Muitas delas vinham para o Brasil com suas histórias apagadas, invisibilizadas. A vida de Sharam, porém, não. Foi planejada e medida. “As coisas não acontecem por acaso. Durante a pandemia muitas atividades paralisaram. Eu mesma sofri horrores. Essa fase me aproximou de Deus. Consegui voltar para algumas atividades, mas meu sonho sempre foi ser atriz. Inclusive, desiludida com a moda, em 2018 fui para Lisboa onde fiz uma novela, uma série, mas o mercado português é pequeno. Depois de muitos testes e batidas na trave chegou a mim essa personagem. A fé me fez voltar a acreditar e me trouxe aqui”.
À fala de Sharam, seu sotaque é sutilmente acentuado à portuguesa. Muito de sua forma de falar “em brasileiro” não vem de aulas de fonoaudiologia, mas sim de replicar aquilo que o ouvido se habituou em sentir: A fala de atores brasileiros diante das novelas daqui que por lá foram exibidas. “O Brasil é a minha Hollywood. Minhas referências são de atores e atrizes brasileiras. O Brasil está muito avançado nos termos da discussão do racismo. Aqui fala-se muito sobre os negros não serem bandidos, empregados, motoristas [nas novelas]. Ou seja, o Brasil é um livro de aprendizagem sobre quebrar preconceitos”.
Tida como uma “terra sem males”, como cantada em desfiles da Portela nos Anos 1970, a África passa muito ao largo da idealização. Quando aqui aponta-se muito o preconceito contra negros, em Angola, ressalta Sharam, a questão étnica reside especialmente entre os mestiços. Por lá, chamados mulatos – termo que aqui no Brasil vem sido discutido: “É como se entendessem uma traição ao colonialismo e aos portugueses que deu aos mulatos. Eles sofrem por um lado, existe esse hate, mas também um favoritismo, uma fetichização”, pontua.
Sharam quando relembra as palavras que a tocam, remeteu a Fernando Pessoa (1888-1935). Português, e a Pepetela, poeta angolano. Este último, pouco falado no cenário da literatura. A frase escolhida por ela para intensificar sua relação com o autor é a seguinte: “Minha vida é o esforço de mostrar para uns e outros que ha sempre o espaço para um talvez”. Luiz Gama, pioneiro advogado brasileiro negro, disse que “Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime”. A escritora Ana Maria Gonçalves escreveu um livro, cujo título é, intencionalmente, “Um defeito de Cor”. Marco literário da luta negra. Um marco na luta contra o preconceito.
Artigos relacionados