Seu Jorge: ‘A saúde mental do povo negro não vai nada bem e continua alvo fácil para todos os tipos de violência”


“Viver Pixinguinha e Marighella no cinema foi uma grande honra: “Homens negros e humanamente grandiosos”. Com ‘Pixinguinha – Um Homem Carinhoso’, de Denise Saraceni e ‘Marighella’, Wagner Moura, o ator, cantor e instrumentista afirma sua verve nas diferentes formas de arte para contar duas histórias apagadas do Brasil. E alerta: “A saúde mental do povo negro não vai nada bem há muitos anos por conta disso. O corpo preto é vulnerável e um alvo fácil para todos os tipos de violência que o racismo estrutural nos coloca”

O ator e cantor Seu Jorge está nos cinema em dose dupla, com Pixinguinha – Um Homem Carinhoso e Marighella

*Por Rafael Moura

Seu Jorge colhe os louros que recebeu dos diretores Denise Saraceni, ‘Pixinguinha – Um Homem Carinhoso’ e Wagner Moura, ‘Marighella’ o convite para uma grande missão de trazer para a luz dois nomes de extrema importância na história brasileira. O carioca Alfredo da Rocha Vianna Filho, mais conhecido como Pixinguinha (1897 – 1973) e o soteropolitano Carlos Marighella (1911-1969). “Os filmes acendem histórias apagadas do Brasil. Dois homens negros, humanamente grandiosos. Um artista e nascido poucos anos após a abolição da escravatura. Lembrando que ainda hoje vivemos em um país racista. E, o outro, um político, escritor e guerrilheiro. Foram dois grandes desafios nessa minha vida como ator”, frisa o protagonista.

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‘Pixinguinha – Um Homem Carinhoso’ celebra a vida e a obra do compositor que é considerado um gênio e o pai da Música Popular Brasileira. Dirigido por Denise Saraceni, à frente de seu primeiro longa-metragem, e Allan Fiterman, com roteiro de Manuela Dias, o filme retrata as antológicas performances do músico no início de sua carreira aos 14 anos, a temporada de 6 meses em Paris em 1922 com o grupo musical ‘Oito Batutas’, as inspirações do ambiente familiar e dos amigos e músicos contemporâneos para a composição de suas obras-primas. Além do casamento com Albertina Nunes Pereira – Betí para Pixinguinha – (interpretada por Taís Araujo) e os problemas de sua vida pessoal, como o alcoolismo e a dificuldade de ter filhos.

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A trama também revela que seu caminho nem sempre foi de prestígio e reconhecimento, e culmina na morte do artista, em pleno sábado de Carnaval, dentro da Igreja Nossa Senhora da Paz no Rio de Janeiro, tornando-se um importante símbolo do carnaval carioca, lembrado todos os anos pela Banda de Ipanema. Além do brilhantismo musical, Pixinguinha sempre despertou admiração pela afetividade e bom humor que emanava. “O filme acontece sob vários aspectos, os principais são a negritude, a brasilidade e a pluralidade. Uma busca pela inovação e beleza. E eu me dediquei muito para me aproximar desse artista brilhante que é o DNA da música brasileira, tão celebrado por todos. Temos que ter muito orgulho por sua história tão múltipla e diversa. E a beleza dele, da sua vida, biografia, que influenciou tanta gente, canções que fazem parte da nossa história, com um legado impecável. Foi um grande presente que a Denise me deu  de poder dividir com esse elenco um personagem tão bonito e tão rico e ainda influencia muito na minha carreira musical”, conta Seu Jorge.

Já no primeiro longa de Wagner Moura, ‘Marighella’, o ator já conquistou o prêmio de Melhor Ator no Film Festival of India Goa, após vários entrelaces com a ANCINE (Agência Nacional do Cinema) e boicotes. O filme, que já é considerado a melhor estreia nacional, arrecadou mais de R$ 2 milhões, em apenas uma semana de exibição, o que coroa ainda mais essa celebração e homenagem à população negra brasileira, por seu lançamento no mês da Consciência Negra.

Detalhe: ele chegou aos cinemas no dia 4 de novembro de 2021, 52 anos após o assassinato de Carlos Marighella pela ditadura militar brasileira, em 1969. “É uma vitória para o povo negro. Mas para vocês terem uma ideia nós tentamos lançar o filme no 20 de novembro de 2019, no Dia da Consciência Negra e Dia de Zumbi dos Palmares, mas não conseguimos desde então. Ele propõe total reflexão sobre a ditadura que o país viveu”, pontua o ator e cantor.

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A violência contra os negros

O artista ressalta que a morte sistemática de jovens negros no Brasil é uma realidade que estampam capas de noticiários dentro e fora do país. Sendo 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros. E um a cada 23 minutos. “A mortalidade da nossa juventude negra brasileira continua a acontecer de maneira muito forte hoje. E isso é uma preocupação muito séria. A saúde mental do povo negro não vai nada bem há muitos anos por conta disso. O corpo preto é vulnerável e um alvo fácil para todos os tipos de violência que o racismo estrutural nos coloca. O que ficou claro para mim e toda equipe desse filme é que o corpo negro é um corpo que resiste. Ter esse filme estreando neste mês é não só simbólico, mas como extremamente importante para a gente poder levantar essa conversa e discussão sempre que possível, sobretudo para questão da saúde do povo negro”, dispara o ator.