*por Vítor Antunes
Ele é um dos nomes da geração de atores que surgiu nos anos 2000 e que conseguiu driblar o lugar-comum do que a beleza possibilita. Sérgio Marone foi personagem secundário em sua primeira novela, depois foi protagonista de “Malhação“, e um dependente químico em “O Clone“. Recentemente, o Anticristo em “Apocalipse” . Agora, dá vida, nos palcos, ao emissário do Vaticano que tem a missão de decidir o futuro do polêmico Padre José de Souza Pinto (1947-2019), o Padre Pinto, que foi pároco da Igreja da Lapinha, em Salvador e gerou uma enorme discussão quando se vestiu de indígena e de Oxum e estava maquiado para celebrar uma missa. Quando morreu, Pinto era vigário na Paróquia São Caetano da Divina Providência, no bairro de São Caetano, também em Salvador. Na peça, Padre Pinto é interpretado por Ricardo Bittencourt. “Eu acho fundamental discutir o Padre Pinto hoje e sempre, porque ele foi uma figura controversa justamente por ser à frente do tempo dele. Um cara que se entregou ao sacerdócio de corpo e alma com uma intensidade, como poucas vezes a gente vê”.
Fora das novelas desde “Apocalipse”, Sérgio quis dar uma desacelerada nos folhetins, justamente em razão da trama da Record. “Eu quis dar um tempo, de fato, porque “Apocalipse” foi uma novela bastante desgastante para mim. Foi um personagem muito intenso e tive de desenvolver algumas técnicas ali para lidar com o processo de gravação. Meu personagem era muito verborrágico. O que me fez querer dar um tempo depois desta novela”.
Ele prossegue dizendo que o pós “Apocalipse” foi guiando sua vida de outra forma. “Fiz um filme, o meu primeiro como produtor de cinema, além de trabalhar como ator. Acabei focando em outras coisas. Os personagens que interpretei na TV, principalmente os últimos e alguns da Globo, são muito vivos na memória do público. Acho que a volta para a televisão tem que ser um convite especial, algo bacana. E ainda não aconteceu nesse momento”.
Marone define Pinto como “um homem corajoso, que oferecia cursos maravilhosos na igreja e se posicionou contra a ditadura. Como qualquer pessoa à frente de seu tempo, questionou dogmas religiosos, gerou polêmicas. A mídia da época não o favoreceu, e, em determinado momento, ele se perdeu um pouco. No entanto, seu legado é fantástico e sua consciência religiosa jamais poderá ser apagada”.
A peça baseada em sua biografia tem um texto poético e emocionante, segundo o ator. “Para a montagem, reuniram-se quatro ou cinco atores e bailarinos baianos, além do grupo do Teatro Oficina. Fui convidado para atuar na peça, e meu personagem é um emissário do Vaticano, enviado para avaliar a permanência ou expulsão do padre da Igreja. Ele é o antagonista da história, representando o conflito entre a Igreja e o protagonista.” Além de “Padre Pinto: a narrativa (re)inventada“, em cartaz no SESC Pompéia até o dia 23, ele pretende tocar projetos de audiovisual e dar seguimento à montagem de “Eu Te Amo“, peça que encena com Juliana Martins, já há alguns anos.

Sérgio Marone traz à cena do debate sobre liberdade, fé e humanidade (Foto: Divulgação)
MUITO HUMANO
Aqueles que fizeram Primeira Comunhão acostumaram-se a ouvir a expressão que o Papa é o “representante de Deus na Terra” e que o padre também tem algum grau de santidade por conta de seu ofício. Hoje, sem nenhuma dificuldade, vemos revelada a face cada vez mais humana dos párocos. Tanto Marcelo Rossi como Fábio de Mello assumiram conviver com a depressão. Padre Pinto, por sua vez, encenou o já consagrado sincretismo afro-baiano que existe desde que a Bahia é a Bahia. Assumiu ser gay, inclusive. Hoje, o Santo Papa Francisco permite que homens gays exerçam o sacerdócio, obviamente segundo os princípios que regem o ofício. Segundo Sérgio Marone, o baiano estava à frente do seu tempo. “Pinto já falava de diversidade, de não discriminação, seja sexual, de raça ou cultural, há mais de 20 anos. Ele trouxe outras religiões para dentro da igreja, evidenciando o sincretismo religioso. Ele é a cara do Brasil, a cara da Bahia, é um personagem real brasileiro que trazia tantas questões importantes desde sempre e hoje mais do que nunca”.

Padre Pinto revolucionou a igreja e provocou discussões (Foto: Divulgação)
As apresentações do Padre José de Souza Pinto, religioso da Sociedade das Divinas Vocações, se colocaram fora da normalidade e, por isso, causaram perplexidade entre as autoridades presentes, os fiéis e os demais participantes dos festejos. Ademais, os comportamentos manifestados naquela ocasião estão a merecer cuidados terapêuticos, cujas providências estão sendo tomadas por parte dos superiores da sua Congregação e da Arquidiocese – Dom Geraldo Magella, Arquidiocese de Salvador – 2006

Sérgio Marone (emissário do Vaticano) e Ricardo Bittencourt (Padre Pinto) [Foto: Luís Ushirobira]
Entretanto, Marone reconhece que “ele pode ter perdido a mão em algum determinado momento e isso foi a gota d’água para a igreja o inquirir”. O conflito parece ter se intensificado quando Padre Pinto desafiou normas tradicionais, especialmente ao lutar contra a intolerância e pela aceitação de gênero. Para Marone, esse é o maior legado do sacerdote, pois “ele realmente amava ser padre” e defendia uma visão da religião pautada no amor e na inclusão, similar ao que ele via nos ensinamentos de Jesus.
O afastamento de Padre Pinto da Igreja foi, segundo Marone, intensificado pelo papel da mídia, que explorou sua imagem e contribuiu para sua marginalização. Ele explica que “essa ‘carnavalização’ do pároco apareceu em determinado momento, quando Pinto se perde e quando começou a ser afastado da igreja.” Assim, a tensão entre sua postura progressista e as expectativas da Igreja culminaram no seu afastamento, mostrando o embate entre inovação e tradição no seio da instituição católica.
BELO
Sérgio Marone reflete sobre o impacto da beleza na carreira de um ator e como a percepção do público pode, em alguns momentos, gerar questionamentos ou preconceitos. Ele reconhece que já passou por momentos de dúvida em relação a isso: “Eu tive momentos já de me questionar [sobre a questão de beleza e talento]”. E sobre postar fotos sensuais no Instagram, contemporiza: “Acho que hoje em dia com a internet todo mundo tem acesso, tem voz, todo mundo comenta. Enfim, pode comentar o que quiser, principalmente por trás de avatar as pessoas liberam mais e, então, assim, obviamente já enfrentei, talvez, enfrente até hoje esse tipo de preconceito, mas não me incomoda mais”.
As fotos sensuais no Instagram existem em razão de o público querer ter mais intimidade com os artistas, e cabe a nós quebrar essa essa distância. É importante dar o que o público quer – Sérgio Marone

“É importante dar o que o público quer” (Foto: Reprodução/Instagram)
Para Marone, sua trajetória de 25 anos no audiovisual e no teatro demonstra sua evolução como ator, independente de qualquer julgamento baseado apenas em sua aparência. Ele destaca que “já fiz personagens tão diferentes no cinema, no teatro, na TV, que eu acho que assim, eu estou cada vez mais amadurecendo enquanto ser humano, enquanto ator e me tornando um ator melhor, obviamente, porque quanto mais maduro a gente se torna tudo melhora”. Assim, ele enfatiza que sua dedicação e experiência ao longo dos anos reforçam sua credibilidade artística, superando possíveis estereótipos ligados à beleza.
Eu sou muito muito seguro de mim, das minhas escolhas. Acho que a experiência me trouxeram bastante segurança – Sérgio Marone
A fala de Sérgio Marone sobre preconceito e tolerância reflete diretamente a prática de Padre Pinto na Igreja, especialmente no que diz respeito à inclusão e ao respeito pelas diferenças. Para Marone, é inaceitável qualquer forma de discriminação: “Preconceito, intolerância, discriminação, tudo para mim é tão é tão absurdo… Alguém querer interferir na vida de outra pessoa, seja pela cultura que ela escolheu seguir, ou pela religião ou pela sexualidade é algo inadmissível”.
Ele relaciona essa visão com os próprios ensinamentos de Jesus Cristo, reforçando que a essência do cristianismo é o amor incondicional, e a prática de Padre Pinto na Igreja ia ao encontro desse princípio. “Eu acho que o que aconteceu com ele vai completamente contra os princípios de Jesus Cristo, por exemplo, que era extremamente não só tolerante, mas como ele pregava o amor, seja para qualquer tipo de ser humano.” Assim como Padre Pinto questionava as normas rígidas da Igreja, Marone acredita na liberdade individual, destacando: “Eu sou aquariano, acho que as pessoas têm liberdade total de escolherem os credos que elas querem seguir, se quiserem seguir mais de um credo, é, também com relação à sexualidade”.

Sérgio Marone: “Não fui alvo de preconceito em razão à beleza” (Foto: Reprodução/Instagram)
Sobre ter sido questionado quanto à sua sexualidade, Marone comenta como figuras públicas estão sujeitas a especulações e estereótipos, especialmente quando não seguem padrões normativos de comportamento. Ele afirma: “Não me lembro de terem me perguntado isso diretamente, mas há jornais, programa de fofoca que abordam esse tema]”. Para ele, a exposição midiática inevitavelmente gera especulações. “Se você é uma pessoa discreta, já se cogita qualquer tipo de possibilidade para as pessoas pensarem o que elas quiserem.”
Marone encara essa curiosidade pública com naturalidade e sem incômodo, ressaltando que quer ser admirado pelo seu trabalho, independentemente do gênero de quem o aprecia:
“Eu quero que tenha mulher que se encante por mim, pelo meu trabalho, quero que tenha homem que se encante por mim, pelo meu trabalho – Sérgio Marone
Para ele, manter certa discrição e mistério pode ser saudável, ainda que levante questionamentos: “Eu acho que você manter a sua discrição, essa aura de mistério, é saudável, apesar de também levantar esse tipo de questionamento. É natural, inclusive, quando você, quando você é uma pessoa discreta”.
O tempo, esse artesão invisível, molda a memória e ressignifica os passos daqueles que ousam atravessar fronteiras. Padre Pinto dançou entre o sagrado e o profano, entre dogmas e liberdade, deixando um rastro de fé inquieta e coragem luminosa. Quando o teatro dá voz e corpo a esse espírito indomável, não apenas resgata sua história, mas amplia o eco de sua mensagem: amor, diversidade e ousadia. Que sua arte continue a iluminar os espaços onde o medo obscurece e que, como a água de Oxum, dissolva barreiras para que novas narrativas floresçam.
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