Selton Mello sobre Alexandre Nero em ‘Nos tempos do Imperador’: ‘Tonico Rocha é o político corrupto de ontem e hoje’


E Alexandre Nero dispara: “É o personagem fictício talvez o mais real da novela. Ele é concentrado em uma só pessoa, esse político patético que transita com o tragicômico de tão absurdo que é. Covarde, truculento, bravateiro, tirano, megalomaníaco como todo tirano é. Vaidoso, tem inveja do Dom Pedro, ele mais ama do que odeia, porque ele quer ser Dom Pedro de todas as formas. Incompetente, ignorante, corrupto, apesar das pessoas acharem que não. Quem são os ‘Tonicos Rocha da época’? Quem são os ‘Tonicos Rocha de hoje’? Quem são?”

Os atores Selton Mello e Alexandre Nero falaram no Conversa com Bial sobre os seus personagens antagônicos em Nos Tempos do Imperador, que estreou recentemente na faixa das seis da TV Globo. Na trama, escrita por Thereza Falcão e Alessandro Marson, com direção artística de Vinícius Coimbra, Selton interpreta Dom Pedro II, e Nero, o político corrupto Tonico Rocha. “É o personagem fictício talvez o mais real da novela. Ele é concentrado em uma só pessoa, esse político patético que transita com o tragicômico de tão absurdo que é. Covarde, truculento, bravateiro, tirano, megalomaníaco como todo tirano é. Vaidoso, tem inveja do Dom Pedro, ele mais ama do que odeia, porque ele quer ser Dom Pedro de todas as formas. Incompetente, ignorante, corrupto, apesar das pessoas acharem que não. Quem são os ‘Tonicos Rocha da época’? Quem são os ‘Tonicos Rocha de hoje’? Quem são?”, indagou Alexandre Nero, que também pode ser visto na reprise de Império (2014), onde deu vida ao comendador José Alfredo Medeiros, cujo papel o proporcionou notoriedade.

Dom Pedro II ( Selton Mello ) e Tonico Rocha ( Alexandre Nero ) – Foto: Divulgação/TV Globo

A analogia com o Brasil do século 19 e atual foi amplamente acentuada pelos talentosos atores, sendo a primeira vez em que fazem parceria artística. Nero ressaltou a importância em tomar cuidado com “líderes”. “Acho que o Brasil tem que parar um pouco de depositar demais as esperanças em cima de um, de ‘fulanizar’ as coisas. Acho que a gente precisa começar a pensar como cidadão, um negócio mais amplo, não é um cara que vai salvar. Os ‘salvadores da pátria’, os ‘messias’, os ‘mitos’… A gente tem que começar a ampliar nossos pensamentos”, disse o ator, tendo a concordância de Selton. “A gente não tem memória. É importante, em uma novela como essa, lembrarmos o passado para não cometer os mesmos erros no presente. Gosto muito de ouvir e ler Ailton Krenak. Sou encantado por ele. Ele e Djamila Ribeiro são dois pilares, dois faróis. O Krenak fala: a pandemia é o planeta falando. Somos piores que o Covid. A humanidade, e essa palavra já está banalizada, esqueceu até o que é o significado de ‘o ser humano’. E a natureza não é uma coisa que está “ah, que bonito ali o mato”. Não, a natureza somos nós. Tem a ver com isso do coletivo do pensar, a gente periga passar por tudo isso e não aprender nada e seguir. O capitalismo selvagem, a loucura, arrancando minério da terra e o fogo não sei a onde… A gente está adoecendo diariamente, e não vejo a hora da gente virar essa página. Eu acho que, curiosamente, geralmente são os artistas que são calados e impossibilitados de se expressar, sendo que ali na frente, saem os grandes livros, o momento das grandes músicas, é o momento onde o cinema floresce e vêm as grandes obras”.

Selton Mello, Alexandre Nero e Pedro Bial (Foto: Divulgação/TV Globo)

Selton Mello enalteceu o incentivo de Dom Pedro II à ciência, cultura e às artes. “Pagava do próprio bolso para artistas se desenvolverem para mundo afora. Ele só dizia o seguinte: ‘vai estudar o seu piano, vai estudar suas artes plásticas, mas volte para espalhar o seu conhecimento’. Dom Pedro II falava tantas línguas, traduzia do latim, do grego, do árabe. Interessado por antropologia, por fotografia… Tem uma hora que você tem que ler isso tudo e tem uma hora que você fala assim: ‘agora com licença eu preciso fazer aqui o que eu senti, a expressão de uma impressão’. E eu senti muitas coisas, inclusive, lendo eu não tive respostas mesmo em dez biografias, sobre a guerra do Paraguai. Como esse homem culto, sensível, diria até mais ligado a mãe no temperamento do que o pai. Por que ele se meteu naquela guerra? Por que a abolição não veio antes?”.

Saúde mental foi vastamente analisada por Selton, ao recordar do seu trabalho recente, Sessão de Terapia, onde contracenou com o seu irmão, Danton Mello. A série foi gravada ano passado e estreou a sua quinta temporada recentemente no Globoplay, retratando a vida do psicoterapeuta Caio Barone. A cada dia da semana, o profissional atende pacientes de vários problemas psicológicos. A gente está adoecendo. É um adoecimento da pandemia, psicológico, físico, cansaço mental… Então, cada vez mais as pessoas precisam de ajuda e essa série cumpre esse papel.”

Alexandre comentou sua verve músico. “Eu sobrevivi de música durante 20 anos. Eu fazia teatro que não me sustentava financeiramente. A partir quando entrei na Globo, a hierarquia mudou, então, financeiramente eu virei um ator, como plano A, e depois, a música não era mais o meu sustento. Muito curioso isso, porque eu não consigo compreender as coisas separadas. Toda vez que eu penso em texto, eu penso em música. Mas você ouve uma música pra chegar no personagem? Não. Toda fala é uma música. O tom de voz, o grave, o agudo, a musicalidade do texto, isso é música. Talvez seja complexo para algumas pessoas, mas é música. E ao contrário também. Toda vez que estou tocando uma música ali tem uma dramaturgia em qualquer música. As coisas não se separam pra mim.”, disse o ator, rememorando a parceria com Aldir Blanc em “Virulência”.

Outro admirador da música, Selton Mello declarou o seu amor pelo rock, tendo como primeira experiência em direção um videoclipe da banda Ira. “Rock Brasil anos 80, amo. Espero inclusive que volte um novo movimento de rock and roll no Brasil. Eu era vidrado naquela banda, muito ligado também em Titãs, Legião, Renato Russo, um poeta… Mas tinha um negócio no Ira que era simples e seco e não sei, eu gostava das músicas, elas falavam comigo de alguma forma. Curioso lembrar disso assim.”

Selton Mello fala de seu D. Pedro II e a volta às novelas (Foto: Divulgação/TV Globo)

Primeira trama totalmente inédita a estrear desde o início da pandemia, Nos Tempos do Imperador sofreu diversas interferências em suas gravações devido a crise sanitária. Os trabalhos foram paralisados em março de 2020 e retomados em novembro do ano passado, tendo uma frente de setenta e cinco capítulos prontos para ir ao ar, algo impensável em tempos normais por conta da efervescência do feedback do público com o enredo da obra.

Selton comentou os desafios e características de fazer um folhetim e enalteceu o trabalho de Alexandre.  “Admiro muito o Nero, acompanho a trajetória dele. Costumo dizer o seguinte: o protagonismo dessa novela é o Brasil. O dono da novela, o proprietário, é o Nero, com seu personagem de político corrupto. Ele bomba. Faz e acontece, duzentas mil coisas. O meu papel ali é o espírito da novela, eu represento a alma dela. As poucas vezes que eu encontro o Nero, a gente inclusive tem se divertido bastante, porque nós temos muito volume de textos. Eu não lembrava e parabéns ao Nero que fez muitas novelas nesse tempo que não faço, porque o volume é ridículo de quantidade de coisas para decorar, e a minha cabeça está fritando. Então quando a gente gravou, ficávamos rindo um do outro como dois moleques”, diverte-se.

Tonico Rocha ( Alexandre Nero )

Depois de 21 anos sem participar de folhetins, Selton Mello, hoje com 48 anos, começou muito cedo na televisão quando tinha oito anos e fez um paralelo com a história do seu atual personagem, pelo fato de Dom Pedro II ter se tornado príncipe regente aos 5 anos. “Em algum lugar eu conheço esse menino. Eu não carrego o fardo de uma nação nas minhas costas, carrego o fardo da dor e a delícia de ser quem eu sou, e comecei criança. Mas tive e tenho pais vivos que me apoiaram. Mas a responsabilidade de uma criança é uma coisa que eu entendo, então tem algo que eu entendo nesse cara.”

Dom Pedro II (Selton Mello) e Thereza (Leticia Sabatella)