Selma Egrei, de Pantanal: “Nunca vi com bons olhos a tentativa de fazer do ator um ser especial”


Intérprete de Mariana, controversa personagem, que fez parte de uma elite e tem como preceitos uma vida de abundância material, a atriz é uma pessoa simples. “Ser ator é poder levar conhecimento e proporcionar o desenvolvimento do ser humano. Não tem que ter glamour. Estou totalmente fora disso e de rede social. Acho triste que as pessoas estão cada vez mais assumindo papéis de influencers e não sei mais o que”, pontua ela, que se identifica com a matriarca dos Novaes em uma característica que vive lhe causando problemas. “Também falo abertamente o que acho sem rodeios, sem me preocupar com as consequências. Isso sempre causa problemas, pois sou intolerante com qualquer injustiça, seja ela com ser humano, meio ambiente, animais, então, às vezes, me vejo em situações meio de guerra com as pessoas”, enfatiza

* Por Carlos Lima Costa

Um dos destaques de Pantanal, Selma Egrei, intérprete de Mariana, matriarca dos Novaes, avó de Jove (Jesuíta Barbosa), discorda de parte do público, que considera a personagem uma vilã, devido a atitudes controversas, e enfatiza que já se colocou em situações embaraçosas devido a uma característica que ambas tem em comum. “Ela é observadora, fala o que pensa e sente, e não contemporiza. Eu sou assim. Também falo abertamente o que acho sem ficar com rodeios. Isso tem o lado bom e o ruim. Sempre causa problemas”, reflete, se definindo como um pouco impulsiva.

“Eu poderia refletir mais antes de falar, de me posicionar, mas quando vejo algo errado, imediatamente começo a denunciar. Isso é diário. Sou intolerante com qualquer injustiça, seja ela com ser humano, meio ambiente, animais, então, às vezes, me vejo em situações meio de guerra com as pessoas. Ah, também sou controladora. Conheço bem esse lado da Mariana (risos). Para ela o que importa é a família, então, faz o que for preciso para manter essa família”, acrescenta ela.

Mas, ao contrario da personagem, Selma é uma pessoa simples em seu dia a dia. Ela nunca curtiu o glamour que existe em torno da televisão e dos artistas. “Nunca vi com bons olhos a tentativa de fazer do ator um ser que tem algo especial.  Ser ator é exercer a sua profissão, que é realmente proporcionar o desenvolvimento do ser humano. Poder levar algum conhecimento, mensagem, enfim, não tem que ter glamour. Estou totalmente fora disso, dessa coisa de rede social, não tenho nada a ver com isso e acho triste que as pessoas estão cada vez mais assumindo papéis de influencers e não sei mais o que. É importante que cada um perceba o seu caminho, suas buscas, a sua essência e seja um pouco coerente com isso e não buscar algo idealizado, as celebridades. Vivemos um momento em que isso está potencializado de forma absoluta. Acho triste, pobre”, observa.

Selma não assistiu a versão original, em 1990. Mas ao pesquisar na internet e ver cenas dessa telenovela clássica, percebeu diferenças. Não no tema, mas no desenvolvimento. “Agora, os diálogos são muito mais intensos. A novela era mais contemplativa nas belezas do Pantanal. Isso diminuiu um pouco, deu mais espaço para os temas necessários de serem abordados, como o desmatamento, fogo, garimpo. Assim, as pessoas que acompanham a novela podem se inteirar. Essa função da novela é fundamental nessa versão”, pontua a atriz, que não conhece a região e aguarda ansiosa o momento de ir para lá gravar, o que está previsto para acontecer agora em junho.

Selma Egrei se destaca como Mariana, de Pantanal (Foto: Globo/João Miguel Júnior)

A atriz defende a preservação do meio ambiente, mas não é daquelas pessoas ativas que vivem envolvidas com reivindicações. “Há quase 50 anos, eu frequento uma região da Mantiqueira, tenho muito contato com gente da roça, mas, enfim, não levanto bandeira. Eu faço o que dá para fazer, sou ativa aqui no meu bairro nas questões mais abrangentes aqui ao meu redor”, explica.

Além da questão do meio ambiente, Pantanal aborda também o machismo, por exemplo, através de Maria Bruaca (Isabel Teixeira), submissa ao marido, e de sua filha, Guta (Julia Dalavia), que se mostra contra com argumentos feministas. Selma explica que se colocava desse lado na medida do possível. “Quando eu era mais jovem, essas coisas eram um pouco mais difíceis. Ainda bem que hoje em dia estão bem colocadas. Não só preconceitos, os racismos, os absurdos, abusos. Sempre me incomodei com tudo isso, mas nessa geração mais jovem como vemos na novela, com a Guta, isso está claro. Acho importante essa colocação, como ver a Maria Bruaca ou a posição da Filó (Dira Paes), meio gata borralheira, que passa a vida cuidando do José Leôncio (Marcos Palmeira) e nunca tem o reconhecimento absoluto disso. Junto com a conscientização sobre o meio ambiente, o agronegócio, essas colocações são o mais importante da novela”, aponta.

Diante desses temas tão pertinentes, Selma analisa ainda o nosso país, que vive forte conturbação política, com amigos e familiares brigando entre si. Em vez do debate de ideias, predomina a agressividade verbal. “O Brasil está vivendo um momento terrível, um caos. Mas não é só aqui. É quase que mundial, de uma renovação da extrema direita, das ditaduras, do fascismo, dos autoritarismos. Tudo isso traz prejuízo. Eu continuo aqui na fé de que possamos conscientizar as pessoas, que elas enxerguem mais o que é verdade ou mentira, o que são esses conservadorismos que levam a todos esses preconceitos. Tenho fé de que vamos conseguir superar isso. Quem sabe com as eleições. Eu também não estou vendo tudo cor de rosa, achando que depois das eleições tudo vai mudar e ficar maravilhoso. Mas se conseguirmos fazer com que as pessoas tomem consciência do que está acontecendo e que está nas mãos de todos nós efetuarmos essas mudanças, poderemos ter um caminho mais suave e progressista”, ressalta.

“O ser humano é um ser gregário, precisa da convivência, estabelecer relações” (Foto: Globo/João Miguel Júnior)

E frisa que a educação tem que ser cuidada com extrema importância. “Onde não existe educação, individualismo, existe essa tendência das pessoas cegamente seguirem quem elas acham que é um mestre, um sábio, um poderoso e faz essas atrocidades que a gente vê, essas guerras, esse horror que está acontecendo no Oriente e aqui, no nosso Norte, nos nossos povos amazônicos, índios. É terrível, parece que as pessoas não conseguem tomar consciência, não se educam. O governo prefere que não sejam educadas, que não tomem consciência da verdade para serem mais facilmente manipuladas. É óbvio”, aponta.

Selma prefere se comunicar através do olho a olho e não apenas através das redes sociais. “Teve uma época que eu entrava em Facebook, aí desisti. Tentei o Instagram, aí falei: ‘não adianta, não é pra mim, não gosto’. Eu não sou boa nessa tecnologia toda, mas uso muito a internet, o YouTube, através deles consigo aprender muito. O máximo que tenho é o WhatsApp, os grupos do meu bairro, faço parte da Associação dos Moradores, batalhamos por melhorias”, conta Selma, que sempre chama atenção quando surge em um novo trabalho na TV.

Uma personagem de destaque, por exemplo, foi a Encarnação, em Velho Chico. “Por mais que a gente busque um teatro mais social e fazer espetáculos nos centros de educação, das prefeituras e teatros da periferia, é sempre um público reduzido. A televisão tem esse lado positivo, atinge o Brasil inteiro, embora a TV aberta já não seja tão consumida. Agora, é mais com a TV fechada, os streamings. Mas Velho Chico foi realmente um ponto alto pra mim. Tive muito retorno do público”, recorda.

“O meu caminho é o de constantemente me questionar para ver o que estou fazendo, se estou sendo coerente com o que penso, com a minha essência ou se estou me perdendo”, assegura Selma (Foto: Globo/João Miguel Júnior)

Com seu jeito de encarar a vida, Selma permaneceu alguns anos quase sem atuar. Meio desiludida com a profissão, ela fez curso de terapia corporal na Bélgica e na França e virou terapeuta. “A gente passa uma transformação sempre, graças a Deus. A cada dia eu estou me transformando, acho que vou tomando mais consciência do que sou, do que pretendo, dos meus objetivos e possibilidades, das minhas limitações. Isso pra mim é o mais importante. Aos poucos, acabei voltando, porque apareceram trabalhos interessantes na televisão, como Velho Chico. No teatro também. O meu caminho é esse de estar constantemente me questionando pra ver o que eu estou fazendo, se estou sendo coerente com o que penso, com a minha essência ou se estou me perdendo. Quando a coisa começa a entrar muito glamour, eu fujo mesmo, porque não é o meu caminho”, garante.