*Por Simone Gondim
“Não é um assunto só de preto, é de toda a sociedade”. Foi assim que Preta Gil definiu o racismo em um bate-papo com a atriz Ingrid Guimarães, durante a abertura de live no YouTube. E Preta acrescentou: “O racismo não foi algo que os pretos criaram, mas sim os brancos. Então, se os brancos não quiserem colaborar e não quiserem resolver de fato o problema do racismo no Brasil e no mundo, nada vai acontecer”.
Ingrid lembra que está longe de ser uma pessoa preconceituosa, mas ainda tem muito a aprender. “É importante parar com essa vergonha de dizer que não sabe alguma coisa. Quantas coisas eu aprendi quando dei meu Instagram para o Spartakus (Santiago, ativista) e ele foi fazendo lives com outras lideranças pretas. No fundo, muitos são racistas, sim. A informação é o primeiro passo para acabar com o preconceito”, garante. “O racismo é estrutural, está enraizado em nosso cotidiano e em nossa sociedade. Quando a gente dá nome às coisas, consegue, de fato, combatê-las”, afirma Preta.
Tanto Preta quanto Ingrid acreditam na importância de uma conversa franca, respeitando a hora de falar e a de ouvir, como ferramenta para combater o preconceito. “Diálogo entre brancos e pretos é importantíssimo, porque só vamos chegar a algum lugar com a gente dialogando e conversando, cada um entendendo a sua posição nessa história”, explica Preta. “É importante que as empresas, também, estejam abrindo espaço para essa discussão”, acrescenta Ingrid.
Apesar de o Brasil ainda ser um país bastante racista, Preta Gil percebe alguma mudança no ar. “Durante muito tempo eu me senti bem só, mas tenho visto uma transformação. Quando o ser humano começa a entender seus direitos e vê que a sua realidade merece respeito, isso vai ampliando as discussões e alcançando o corporativo e a sociedade como um todo”, conta.
Preta ressalta que a luta contra o racismo passa, antes de mais nada, pelo reconhecimento de que o preconceito está presente. “Tem muita gente branca que insiste em negar a existência do racismo e os próprios privilégios. Certas coisas a gente precisa falar didaticamente, desenhando, para que as pessoas possam começar a se desconstruir”, pondera. “Mulata, por exemplo, é uma palavra perversa que foi normalizada em nosso vocabulário. Cabe a nós, hoje, rever esses conceitos, estudar, se aprofundar e conversar. Isso é fundamental para que a gente evolua”, completa.
Ingrid lembra que a internet tem papel fundamental no combate ao preconceito. “Imagina se não houvesse uma câmera registrando tudo que aconteceu com George Floyd?”, questiona, referindo-se ao homem negro assassinado em maio de 2020 por um policial branco, durante uma abordagem nas ruas de Minneapolis, nos Estados Unidos. Preta destaca que não é preciso ser famoso para se posicionar. “Você influencia os outros com atitudes. Essas ações afirmativas não podem mais se dar somente na nossa classe. Elas precisam se espalhar por outras camadas da sociedade. E isso já vem acontecendo, o que é ótimo”, observa.
Preta e Ingrid usam o caso George Floyd para mostrar as diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil no que diz respeito à questão racial. “Existe uma naturalização no Brasil, por conta de uma organização social. Temos a cultura de normatizar as coisas. Até o fim da nossa conversa, três jovens negros serão assassinados no país enquanto estivermos fazendo essa live. É um problema estrutural, que vem por conta da nossa educação, da nossa política”, comenta Preta. “Um caso como o de George Floyd, que aconteceu lá fora, causa muito mais comoção do que as situações vividas aqui dentro”, lamenta Ingrid.
“O Brasil é um país muito corrupto, onde o povo foi deixado de lado e os negros foram usados como massa de manobra pelos brancos na escravização e no pós-escravização. Todo esse patriarcado de homens brancos que estão no poder não tem interesse de olhar com afinco para a opressão que eles mesmos causaram, porque na cadeia da sociedade é importante que exista o oprimido e o opressor”, teoriza Preta. “Sofremos muito, então agora o sofrimento vai ter que ser coletivo mesmo, de ambos os lados, do oprimido e do opressor, para que a gente chegue em uma evolução de algo melhor”, assegura. “Mimimi é a dor que a gente não sente e dói no outro”, finaliza.
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