Roteirista de novela, beleza aos 40 e o lidar com a surdez: a nova fase da vida de Pedro Henrique Neschling


Engajado na causa política e na de inclusão aos PCD’s após descobrir-se surdo, Pedro Henrique Neschling vive uma nova fase da vida. Diz que voltar aos trabalhos como ator não é mais sua prioridade, embora não descarte a possibilidade. Artista, que desde 2015 assina o seu nome composto, está preparando seu terceiro romance e revelou-nos sobre como foi sua estreia enquanto roteirista de TV. Pedro foi um dos colaboradores de “Salve-se Quem Puder”, novela das 19h que precisou ser dividida em duas temporadas e foi estruturalmente reeditada para adequar-se aos protocolos sanitários

*Por Vítor Antunes

Pedro Henrique Neschling estreou como ator aos 18 anos. Fez sua primeira novela em 2004, aos 22. Quando seu rosto foi apresentado ao Brasil alguns sons já não eram traduzidos por seus ouvidos, que portavam uma surdez severa. Por mais que houvesse vencido um reality como DJ no programa do Faustão, a sua dificuldade na escuta, ainda que grave, era “invisível”. Nesta entrevista exclusiva, Neschling fala sobre o processo de descoberta do problema, e como lida com ele, especialmente com os aparelhos de surdez, que passou a usar, há pelo menos três anos. Estende suas falas também à sua carreira como roteirista e escritor – pois que está produzindo seu terceiro romance. Ele estreou como novelista, colaborando no roteiro de “Salve-se Quem Puder”. Com uma imagem muito associada à jovialidade de seu personagem em “Da Cor do Pecado”, o artista repercute a chegada à maturidade e o aumento da abordagem elogiosa de seus seguidores à sua boa forma.

Pedro Henrique Neschling. Ator prepara retorno à literatura e não prevê retorno ao trabalho de ator (Foto: Rodrigo Azevedo)

UMA DEFICIÊNCIA INVISÍVEL

Pedro Henrique Neschling tornou pública a sua condição auditiva em 2019. Ainda jovem, quando foi diagnosticado como portador de uma surdez, não tratou-a com a importância que ela merecia, por uma recomendação inadequada de um profissional médico, bem como por desconhecimento dele próprio e de boa parcela da população, que não consegue enquadrar bem pessoas que se encaixam nesse segmento de surdez. À época, ele acreditava que “surdo era aquele cara que não ouvia nada. Não tínhamos a clareza que existem os surdos que ouvem. Isso foi uma tremenda besteira que me roubou mais de uma década de conforto e qualidade auditiva”, diz.

Como trata-se de uma deficiência que nem sempre está óbvia, diante de suas sutilezas, a surdez nem sempre é perceptível. No caso de Pedro, a perda revela-se de maneira muito específica. Ele tem boa audição para frequências graves, ao passo que para as agudas elas estão são quase inexistentes, o que caracteriza uma condição conhecida como ‘perda em rampa’, já que, num exame audiométrico a identificação de sons assemelha-se ao de uma ladeira íngreme. Por esta razão, o diagnóstico e o tratamento certeiros acabaram sendo tardios: “Eu não tenho muita clareza de quando minha surdez começou, mas é possível que tenha me acompanhado por toda a vida. Tenho lembranças de dificuldades na infância que possivelmente já eram decorrentes da surdez, mas naquela época não se falava muito sobre isso. (…) Passei a usar aparelhos com mais de 30 anos, quando, finalmente, um outro médico alegou ser um milagre eu ter uma vida profissional e social com a perda desta magnitude sem nenhum auxílio tecnológico”.

Minha perda auditiva foi diagnosticada quando eu tinha 18 anos e fiz uma audiometria antes do meu primeiro trabalho profissional como ator de teatro. Mesmo ela sendo severa, não tive na época uma recomendação adequada para procurar a ajuda de aparelhos, porque segundo o otorrino, na época, “eu já estava adaptado” – Pedro Henrique Neschling

Pedro Neschling é militante da causa PCD voltada à surdez (Foto: Reprodução/Instagram)

Só então, Pedro apercebeu-se da dificuldade “Quem convivia comigo atestava que era muito difícil o cotidiano, que eu não havia me dado conta de tudo o que estava perdendo em virtude da minha negação à deficiência. Passei a usar aparelhos que me ajudam muito no dia a dia, e hoje não sei mesmo como eu conseguia fazer tudo que faço sem eles!”. Conforme citado anteriormente, a perda auditiva de Neschling é maior para frequências agudas, o que faz com que o ajuste fino das olivas – peças minúsculas que compõem o aparelho auditivo – seja ainda mais complexo: O ganho mecânico de agudos ou faz com que ele perca os graves, ou diminui a qualidade sonora justamente dos tons para os quais é inábil. E tudo isso precisa ser ajustado com o auxílio de um profissional de fonoaudiologia, que não é surdo. É algo profundamente complexo.

O fato de ser uma pessoa pública encorajou-o a falar sobre o problema, que atinge uma grande quantidade de pessoas:

Compreendendo e aceitando a minha deficiência, passei a falar abertamente sobre isso, para estimular mais pessoas a perderem a vergonha de se assumirem surdas e, sobretudo, a se cuidar. Infelizmente, por preconceito, muita gente tem vergonha de assumir a deficiência. É como se as diminuísse e precisamos acabar com isso. (…) Somos muitos e merecemos visibilidade e respeito – Pedro Henrique Neschling

Segundo dados publicados na Agência Brasil, do Governo Federal, replicando uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2019 existiam 500 milhões de surdos no mundo. Estima-se que até 2050 esse número possa chegar, globalmente, ao de 1 bilhão de pessoas com esta condição.

O Instituto Locomotiva, em decorrência da Semana da Acessibilidade Surda, sinalizou que, no país, existem 10,7 milhões de deficientes auditivos. Destes, 2,3 milhões possuem deficiência severa – Pedro está incluído nesta última categoria. A pesquisa apresenta, também, um dado relevante: 87% dos surdos em condição de severidade não usam aparelhos auditivos. O acessório, ainda que fundamental, é muito caro e inacessível para boa parte da população. O custo unitário pode variar entre R$ 3.000,00 e R$ 20.000,00. Se o paciente precisar do par, esse valor dobra. Aos que não dispõem de condições financeiras para dispor do equipamento, o SUS oferece aparelhos auditivos.

PEDRO HENRIQUE, “HÉRCULES”, E DIONÍSIO

Quando iniciou seus trabalhos artísticos, Pedro assinava seu nome tal como hoje: Pedro Henrique Neschling. Todavia, causava estranheza ao público não o fato de ser um nome extenso, mas sim o sobrenome incomum: “As pessoas tinham dificuldade em falar o Neschling, eu acabava virando Pedro Henrique-sem-sobrenome muitas vezes, e isso me incomodava na época. Então, para acabar com o problema achei que a solução era cortar o Henrique e ficar só Pedro Neschling. Passados muitos anos, tanta coisa vivida, resolvi recuperar o nome composto que eu gosto sem me importar muito como vão me chamar. Voltei a usá-lo no lançamento do meu primeiro romance, “Gigantes”, em 2015”.

Depois deste projeto literário, Pedro lançou “Supernormal”, um livro que abordava a questão trans e que foi bem recebido pela crítica especializada. Porém, em 2020 lançou-se numa tarefa hercúlea no gênero dramaturgia: Entrou para a equipe de Daniel Ortiz, e foi um dos colaboradores de “Salve-se Quem Puder”, novela das 19h que passou por todo tipo de contratempos por ter tido a desventura de estrear em plena pandemia. Ou seja, além da escrita volumosa, a trama teve que ser completamente reajustada, já que havia limitações técnicas para as gravações – com diminuição de cenas de beijos e de aglomeração, por exemplo – bem como atores mais idosos tiveram de ser afastados e o protagonista haver precisado deixar a trama quando da retomada das gravações.

Pedro Henrique Neschling lançou-se como roteirista de TV em “Salve-se Quem Puder” (Foto: Reproução/Instagram)

Neschling explica: “Foi um dos trabalhos mais exaustivos que um artista pode ter. E trata-se de um desafio em todas as esferas. Tivemos que interromper a novela no meio por causa do começo da pandemia e reestruturá-la para que pudesse ser produzida dentro da nova realidade que estávamos vivendo — que ninguém sabia bem qual era. Foram inúmeras mudanças e incertezas, que o Daniel Ortiz conduziu com extrema habilidade e bom-humor. Apesar de cansativo, foi um projeto empolgante de fazer. Aprendi muito com ele e meus colegas de equipe e acho que me serviu de escola para me aprimorar num outro tipo de formato de roteiro que nunca tinha experimentado, apesar de ter feito diversas novelas como ator”.

Costumeiramente os autores de novela destinam um núcleo para que seus colaboradores desenvolvam os diálogos e a cena a partir de uma escaleta. Neschling conta-nos que Ortiz fazia uma espécie de rodízio entre seus auxiliares, de modo que todo mundo escrevia tudo. “Nós não tínhamos essa divisão por núcleos, todo mundo escrevia tudo de acordo com as orientações do autor. Isso foi outra coisa muito estimulante, porque a gente tinha que estar atento a todos os detalhes de todas as histórias. Um dia escrevia o núcleo cômico, no outro o romântico, em outro o drama…”, exemplifica.

Em “Salve-se Quem Puder”, José Condessa era o protagonista Juan. Ator precisou afastar-se da trama, o que obrigou os autores a reestruturarem toda a novela (Foto: João Miguel Jr/TV Globo)

Ainda sobre este trabalho, Pedro relata que ter trabalhado como ator trouxe outra perspectiva à carpintaria do roteiro: “Ter feito novelas como ator e haver dirigido teatro me trouxe um olhar multifocal para cada trabalho e é algo que me ajuda a pensar na obra por diversos ângulos. Como autor, logicamente, penso como o ator gostaria de dizer tal coisa, como o diretor gostaria de encenar aquela ação”.

Em se tratando de sua carreira como ator, ele diz que esta “não é minha prioridade, mas também não descarto. Tudo depende do projeto e do timing”. Foi este o ofício que o revelou ao Brasil. Tal como sua mãe, Lucélia Santos, que estreou numa novela que se tornaria uma das mais vendidas da história, o mesmo aconteceu a ele. O folhetim de estreia do rapaz foi “Da Cor do Pecado”, onde vivia Dionísio Sardinha, um dos rapazes que compunha a icônica família na trama de João Emanuel Carneiro, que foi uma das mais vendidas internacionalmente pela Globo: “Uma imensa parte do público que me conhece vem das novelas que eu fiz como ator, sobretudo “Da Cor do Pecado” que foi um fenômeno de audiência e recordista de vendas internacionais (…) Eu adoro cada uma das etapas da minha vida. São 22 anos de carreira, em diversas frentes de atuação, em diversos meios de mídia. Fico surpreso pela quantidade de maneiras diferentes pelas quais as pessoas lembram de mim e me reconhecem”.

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Família Sardinha foi um dos símbolos de “Da Cor do Pecado” (Foto: Divulgação/TV Globo)

Até hoje recebo mensagens de pessoas que curtiam a novela, fora que a família Sardinha virou símbolo sexual na comunidade LGBTQIAPN+. Outro dia virei meme como “despertar gay de uma geração”. Acho isso divertidíssimo – Pedro Henrique Neschling

Tratando-se de símbolo sexual e beleza, o artista, com recorrência recebe elogios por sua boa forma física nas redes sociais. Em especial, os seguidores do artista salientam que ele está mais bonito “na maturidade” – haja vista que Pedro completara 40 anos recentemente. Perguntamos como ele se enxerga neste lugar de “homem maduro”. Ele respondeu com bom humor: “Melhor acharem isso a me dizerem acabado, até porque faço exercício pra caramba”, diverte-se. Ele continua: “Sinto-me muito bem com o homem que me tornei e com meu processo de evolução pessoal. Tenho certeza que hoje sou uma pessoa muito melhor e mais consciente do que era anos atrás”.

Filho de uma atriz profundamente ligada às questões políticas não poderia ser diferente neste ano de eleições ferozes, e com a mãe candidata a deputada, Neschling viu neste movimento uma forma de reforçar seu posicionamento social “Esse foi um ano atípico, onde estive muito envolvido com política. A grave situação do país exige um ativismo maior de todos nós para proteger nossa democracia e nos tirar do poço moral e social que entramos. Sobretudo de nós que temos algum tipo de influência. Além disso, minha mãe se candidatou a deputada federal pela primeira vez nessas eleições. Fui coordenador da campanha dela, e tratou-se de uma experiência bem intensa”.

Um homem inquieto, que tem um projeto literário novo em processo de escrita, outros de audiovisual em desenvolvimento, muitas ideias na cabeça. Em 2008, Pedro apresentava o programa “Se liga na Busca”, no Multishow. Aos 40, o que busca este “homem maduro”? “O equilíbrio interno possível diante de um mundo tão cheio de estímulos e possibilidades. Não é fácil! (…) Tudo que a gente faz na vida nos nutre pro quem vem pela frente”. Ao futuro!

Lucélia Santos e Pedro Henrique Neschling estão no elenco das novelas mais vendidas da Globo  (Foto: Reprodução/Instagram)

Lucélia Santos e Pedro Henrique Neschling no especial “Casos e Acasos”, na Globo (Foto: Frederico Rozário/TV Globo)