Roteirista de “Dois Irmãos”, Maria Camargo, fala sobre os desafios de transformar literatura em audiovisual: “Preferimos o termo recriação”


A profissional, que tem formação em cinema, mas trabalha majoritariamente na televisão, comenta a mistura de linguagens que o mundo vive hoje nas produções audiovisuais

Todos os dias você é exposto a diversos produtos audiovisuais: sejam filmes, novelas, séries de televisão ou até mesmo comerciais. É possível reconhecer atrizes, atores, estrelas e personalidades que estrelam as imagens. De vez em quando, surge a curiosidade em saber quem dirigiu aquele conteúdo. Verdade seja dita: quantas vezes você parou e se perguntou quem roteirizou o que você assistia? Poucas, né? Mas já pensou que o roteiro é a base de tudo? A roteirista de cinema e televisão Maria Camargo conversou um pouco sobre os desafios da profissão e das visões para o futuro do mercado.

Roteirista de “Dois Irmãos

Maria é roteirista da Rede Globo e já participou de programas como “Linha Direta”, “Sítio do Pica Pau Amarelo” e “Por Toda a Minha Vida”. O primeiro projeto pessoal da carioca nascida na França foi a minissérie de sucesso “Dois Irmãos”, estrelada por Cauã Reymond e Juliana Paes. Construída em uma estética cinematográfica – cada vez mais comum na televisão brasileira – a roteirista comenta esse fenômeno:

“As linguagens estão se misturando. Começa a ficar difícil dizer ‘Isso aqui é televisão’ ou ‘Isso aqui é cinema’. A gente tem uma influência muito grande das séries de tv americana que se constroem com uma linguagem bastante cinematográfica, porque a maior parte delas é produzida por autores que saíram do cinema. Muitos roteiristas saíram do cinema e passaram a investir em televisão. Eles são os cabeças dessas séries. Minha formação é em cinema, embora trabalhe há muito tempo na telinha e o Luiz (Fernando Carvalho) também é um cara que pensa para grandes telas. Desde o início a gente imaginou que seria mais cinematográfica do que um folhetim tradicional.”

Roteirista de “Dois Irmãos

Cena da minissérie da Rede Globo “Dois Irmãos”

A série inspirada no romance homônimo de Milton Hatoum não é um ponto fora da curva na carreira de Maria Camargo. A amante da literatura, que já escreveu a série “Correio Feminino”, baseado nas crônicas de Clarice Lispector, botou no forno dois novos projetos inspirados em outros trabalhos de Hatoum para o cinema e está supervisionando o roteiro de “Fim”, livro da Fernanda Torres, que também assinará o projeto da série de televisão. Os desafios de adaptar um livro para as telas são inúmeros, Maria conta como é difícil lidar com a expectativa dos leitores que posteriormente serão espectadores.

“São linguagens muito diferentes, então é difícil fazer uma comparação, mas sempre acabam fazendo. Principalmente quem gosta de literatura. Você cria imagens. A natureza da literatura é essa. Você constrói as suas próprias imagens. Quando você tem uma adaptação, eu vou decidir o que vou mostrar e o que não vou mostrar, vai ter a escolha específica de um ator para fazer aquilo. É difícil que aquilo tudo seja igual ao que você imaginou.”

Roteirista de “Dois Irmãos

Elenco da Série “Correio Feminino”

Para não gerar frustrações, ela acredita que o termo adaptação não seja o mais indicado para quem realizar esse trabalho: “Quando você junta as duas artes, você está criando uma terceira: não é só mais um livro e também não é um filme isolado do livro. Por isso preferimos o termo recriador. Porque na verdade é isso que a gente tem que fazer mesmo: pegar um original, recriar e criar um outro original. Temos que ser fiel a esse terceiro, a esse universo. Ele tem que fazer sentido tanto para quem leu o livro quanto para quem não leu.”

Camargo não esconde os seus motivos para que uma obra literária ganhe a sua atenção especial e interesse para ganhar uma versão nas telas: “Tem um lado racional e um lado emotivo. O lado racional é que a história tem que ter acontecimentos. Não pode se passar só na cabeça dos personagens. Eles tem que ter conflitos que se expressem em ações”, enumera. Já o lado emocional é mais difícil de explicar: ele simplesmente acontece. Sobre um projeto futuro, Maria conta como escolheu uma história verídica para adaptar às telas justamente porque um lado que não foi tão exposto na mídia conquistou seu coração.

Roteirista de “Dois Irmãos

Foto: Vicente de Mello

Para 2017, podemos esperar um documentário sobre o cineasta Hector Babenco com direção da atriz Bárbara Paz. Ainda existem outros projetos que não podem entrar em tantos detalhes, Maria Camargo contou que alguns estão mais adiantados e outros em processo embrionário: “Cada projeto está em uma fase diferente. Cinema é assim mesmo. Vai tudo acontecendo ao mesmo e cada um está em um pé”, conta a roteirista empolgada com o ano que já começou cheio de sucesso e só tende a crescer.