Tecnologias de conectividade na Amazônia chegando a lugares de difícil acesso e os reflexos nas áreas de saúde, educação, empreendedorismo; a valorização social da região como elemento central de conhecimento e geração de inovações tecnológicas; a implantação de um laboratório de desenvolvimento de games na floresta amazônica e as startups voltadas para soluções que fomentem a economia sustentável e a conservação da biodiversidade. Estes são alguns dos temas a serem abordados na nova temporada da premiadíssima série documental “Expresso Futuro“, que vai ao ar a partir de segunda-feira, dia 11, em parceria com o Canal Futura. A sétima temporada terá seis episódios exibidos semanalmente e também ficarão disponíveis também no Globoplay e no Youtube. À frente do programa está o especialista em temas como tecnologia, mídia e propriedade intelectual, o advogado Ronaldo Lemos, que vai nos proporcionar um mergulho nessas novas realidades. “A Amazônia tem um potencial enorme de participar da economia do conhecimento. Fiquei muito impressionado com tudo que vi por lá. Há desde startups a redes organizadas dos povos indígenas usando a tecnologia de forma inovadora. E várias iniciativas de inteligência artificial para proteger a floresta. É muito bom ver a Amazônia projetando sua cultura e conhecimentos para o mundo”, pontua Ronaldo.
“Expresso Futuro“, que já alinhava a oitava temporada, conquistou reconhecimento internacional como a primeira produção brasileira a receber o Gold Panda, distinção equivalente ao Oscar na China concedida aos ganhadores do Festival de TV de Sichuan. Entre outras premiações, a série foi vencedora do Prêmio TAL na categoria Melhor Programa Latino-Americano em Ciência e Tecnologia. A Televisión América Latina é uma instituição sem fins lucrativos com centenas de associados reunidos em uma rede de incentivo, intercâmbio e divulgação de audiovisual do continente latino-americano.
A sétima temporada, que estreia segunda-feira, vai mostrar em primeira mão como tem sido a chegada na Amazônia da Starlink, operadora de internet via satélite, além de se discutir as possibilidades desse tipo de conexão e impactos na região. A Amazônia se tornou o principal mercado no Brasil da Starlink, empresa de Elon Musk. Ronaldo Leme equipe registraram cenas nas quais caixas de equipamentos eram embarcadas no Rio Solimões para atender comunidades ribeirinhas e povos indígenas. Do ponto de vista social, a região amazônica é historicamente a mais desassistida de recursos tecnológicos. O início da operação da Starlink e de outras empresas de conexão por satélite e, por consequência, a chegada do wifi em diversas comunidades e regiões remotas trouxe inúmeras novidades no empreender em sinergia com os saberes ancestrais. Para Ronaldo, “a Amazônia está se conectando rapidamente por causa da chegada da Starlink e outras empresas que usam satélites de baixa órbita. Isso vai mudar totalmente o perfil da região nos próximos dois anos. Vai abrir oportunidades à população de estudar, de criar produtos, de usar o Pix e outros serviços públicos. Esse lado é muito positivo”.
A Amazônia é um dos lugares mais importantes do planeta não só pela biodiversidade, mas também pela capacidade de seus povos em gerar soluções a partir da economia do conhecimento. Multiplicar boas práticas é pensar no coletivo, implementando ações disruptivas. É o construir melhores futuros, constituindo a habilidade de imaginar e entender o que vem pela frente e as possibilidades envolvidas. Modelos nos quais os fluxos são inspirados na natureza para gerar resiliência, pensados de maneira sistêmica, contribuindo na promoção de novos elos na cadeia produtiva em prol do meio ambiente e da biodiversidade. Em suma, o que vemos é a possibilidade de criação de capital econômico, natural e social para favorecer o surgimento de novas oportunidades de negócios, inovação em processos e contribuição para a desaceleração do impacto nas mudanças climáticas mundiais. “Os conhecimentos tradicionais são tão importantes quanto a inovação. Por exemplo, ver como os povos do alto do Rio Negro vivem em sintonia com o ambiente. É algo que quem vive nas cidades perdeu. E estamos pagando um preço alto por isso”, analisa Ronaldo Lemos, que realizou na Amazônia diversas entrevistas para cada episódio.
A Amazônia sempre foi inovadora, inclusive no manejo da floresta pelos povos indígenas ao longo dos séculos. É importante que seja cada vez mais – Ronaldo Lemos
A região se destaca pela sua notável habilidade em conceber soluções através do aproveitamento da economia do saber. Em um dos episódios da temporada, a produção apresenta avanços tecnológicos singulares, como a concepção de um curativo cirúrgico elaborado a partir de recursos provenientes da floresta, resultado de uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal do Amazonas. Ademais, a região serve como lar para diversos hubs de startups voltadas para projetos inovadores e sustentáveis, entre outras realizações de igual magnitude. “Tem muitas iniciativas importantes no local. Desde laboratório de games na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), até Ciência da Computação de primeira linha na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Há também muitas startups”, reitera o idealizador e apresentador da série “Expresso Futuro”.
Fiquei impressionado com o que vi de tecnologia na Amazônia e tecnologias amazônicas. A série mostra que a Amazônia está em transformação e optar pela economia do conhecimento é um caminho para sua preservação – Ronaldo Lemos
O COMPARTILHAR CONHECIMENTO
Em 1992, Gilberto Gil lançou a música “Parabolicamará”, dizendo que “antes o mundo era pequeno, porque a Terra era grande. Hoje o mundo é muito grande, porque a Terra é pequena”. Três décadas depois, o mundo deu ainda mais voltas que os barcos que velejaram nesse info-mar e na vazante da info-maré. As formas de ser, de ver, de vivenciar o mundo passam por uma transformação em alta potência. Para Ronaldo Lemos, a comunicação é uma das habilidades mais importantes do mundo atual. “O que mais gosto de fazer é explicar temas complexos de forma bastante clara para que o máximo de pessoas possível possa participar da conversa sobre eles. Faço isso no direito, na tecnologia, na cultura e no máximo de áreas que consigo”, frisa.
Ronaldo Lemos é advogado, mestre em Direito pela Universidade de Harvard e doutor pela USP. Foi pesquisador nas universidades de Princeton, Oxford e no MIT. Atualmente é professor nas universidades de Columbia, em Nova York, e Tsinghua, em Pequim. Apontado pelo Fórum Econômico Global como um dos “Jovens Líderes Globais”, ele é um dos idealizadores do Marco Civil da Internet. Autor de diversos livros de destaque, como “Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje” (2022); “Marco Civil da Internet: jurisprudência comentada” (2018); “Futuros possíveis: mídia, cultura, sociedade, direitos” (2012); diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) e com uma trajetória marcada por diversas ações pelo mundo, Ronaldo antecipa-nos que foi convidado para uma palestra sobre mídias sociais como parte integrante de um painel no South by Southwest (SXSW), em Austin, nos Estados Unidos. “Em julho, estou organizando em Bellagio, na Itália, um fórum mundial para falar sobre inteligência artificial a partir da perspectiva da tecnodiversidade, incluindo lideranças políticas, empresariais, religiosas, acadêmicas e assim por diante. E tem também a gravação da 8ª temporada do “Expresso Futuro“”.
Na coluna que assina na Folha de S.Paulo, Ronaldo Lemos já relatou que “para ir de Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a rota de barco expressa dura cerca de 24 horas. O trajeto pode ser feito hoje em embarcações que oferecem conexão de alta velocidade aos passageiros via wi-fi, usando para isso o serviço da Starlink. A tecnologia se expande tão rápido que as lideranças locais já começam a debater seu impacto cultural, especialmente com relação às crianças. Há líderes preocupados se as crianças poderão perder o contato com modos de vida local por conta disso. Esse debate é importante. As decisões sobre o que cada povo originário vai fazer com a chegada da internet pode trazer lições para todos nós. Conectar a região amazônica à rede não é um objetivo recente. Muitos projetos vinham ocorrendo nesse sentido. A conexão por satélite já existe há algum tempo, através do projeto Gesac, mas com velocidades muito baixas. O Exército também possui o projeto Amazônia Conectada, com 1.900 quilômetros de fibra óptica subfluvial conectando Manaus a nove municípios”. Acrescentou ainda: “Em outras palavras, a chegada da conectividade por satélites de baixa órbita à Amazônia é um fenômeno complexo, cujas repercussões estamos só começando a entender”.
COMO FORAM AS OUTRAS TEMPORADAS DE “EXPRESSO FUTURO”?
A temporada que estreará dia 11 de dezembro, conforme citado, terá a Amazônia como protagonista. Mas as outras fases da atração circularam por vários outros lugares onde se podia encontrar uma boa história. A primeira temporada foi gravada em Nova York e transmitida em 2017. Em 10 episódios foram debatidos desde o futuro das redes sociais e seus diálogos com os relacionamentos aos impactos no mercado de trabalho e na criação de cidades inteligentes.
A frase do Marshall Mcluhan de que “o meio é a mensagem” é mais atual que nunca. Quando as mídias mudam, nossos hábitos mudam junto com elas – Ronaldo Lemos, em 2020
A segunda temporada do programa teve como tema a “Segurança digital“, e também foi gravada em Nova York. Abordou as inovações, privacidade virtual, manipulação de informações e ameaças presentes no mundo digital. Na terceira fase, o “Expresso Futuro” ganhou outro cenário: a China. Tratou ao longo de oito episódios sobre a revolução tecnológica chinesa e seus efeitos a nível global. A temporada revelou todos os processos de transformação que fizeram da China uma potência mundial tecnológica e industrial. Os temas passaram desde às fontes de energia renovável ao planejamento urbano conectado através de dados, tecnologia e infraestrutura e os diálogos entre a saúde e a inteligência artificial (IA), entre outros temas. Outro destaque fica por conta da exibição, pela primeira vez, da fábrica dos trens-bala chineses. Esta foi a primeira temporada exibida, também, no “Fantástico“, da TV Globo. O canal Futura veiculou oito episódios e o programa dominical fez um compacto. O episódio “A Revolução dos Pagamentos Digitais” venceu como Melhor Documentário de Curta-Metragem no Festival de TV de Sichuan em 2019.
A revolução tecnológica na Índia seria o tema da quarta temporada. Mas, não apenas a diretriz do programa como o mundo viu-se obrigado a mudar. A pandemia do coronavírus implicou que a série fosse gravada remotamente numa região isolada da cidade de São Bento do Sapucaí (SP), entre abril e outubro de 2020.O Futura exibiu semanalmente em 2020, abordando em seus oito episódios, a desigualdade social e as transformações socioeconômicas advindas da pandemia. Foi nesse momento que a atração passou a ser exibida no Globoplay. A trilha sonora original desta temporada foi composta por Thommaz Kaufman, compositor paulistano de 27 anos, que já fez trilhas para vários videogames, incluindo o premiado “Dandara”, game brasileiro feito em Belo Horizonte e comprado pela Nintendo.
Como a série foi gravada de um lugar remoto na Serra da Mantiqueira, em vez de isolamento houve uma conexão muito forte com pessoas no mundo inteiro que estavam na mesma situação de quarentena. Isso abriu espaço para conversas profundas, que costuram uma narrativa poderosa sobre o futuro – Ronaldo Lemos
Em 2021, foi transmitida a quinta temporada da série, tendo como tema central a interrelação entre empreendedorismo e inovação, bem como a necessidade da transformação de ideias em valor econômico e social. Desta vez, o protagonismo de empreendedores brasileiros que a partir da cultura digital desenvolveram projetos inovadores. Ao investigar a força do interior do Brasil, Ronaldo revisitou sua cidade natal, Araguari (MG). Assuntos como racismo, NFT e criptomoedas compuseram o programa.
A sexta exibida focou no “Afropresentismo – inovação no continente africano” . Nesta fase, o programa foi gravado na África e Ronaldo visitou países como Gana, Moçambique, Quênia e Tanzânia e registrou como as características locais que foram traduzidas em soluções tecnológicas e inovadoras. Entre elas, o pagamento em M-Pesa, método similar ao pix brasileiro, porém feito via SMS e criado desde 2007.
OUTRAS INOVAÇÕES
Ainda no que tange à inovação, o sucateamento das universidades, especialmente as públicas do Norte/Nordeste, poderia ser uma das razões que inviabilizaria as regiões em investirem como polos de tecnologia. Segundo Ronaldo, “é um absurdo negligenciar as universidades públicas do país. A Universidade Federal do Amazonas (UFAM), por exemplo, é uma universidade que impressiona. Seu campus, que fica integrado à floresta, é um dos mais bonitos do mundo. E sua atuação em várias áreas tecnológicas é de ponta. O mesmo pode ser dito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)”.
As universidades são a ponta de lança da economia do conhecimento de uma região – Ronaldo Lemos
No currículo do apresentador do programa consta ainda que ele é um dos idealizadores do Marco Civil da Internet, que, em 2024, completa 10 anos. A Lei nº 12.965/14 é a primeira do Brasil a estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres sobre o uso da internet no país. “O Marco Civil é o inverso da censura. Ele foi construído a partir da perspectiva da defesa da liberdade de expressão. É o pilar da regulamentação da rede no Brasil, de forma equilibrada. Inclusive, com relação à chegada da Starlink, tem disposições essenciais para proteger a soberania do país na região, impedindo que a empresa possa minerar dados estratégicos e de segurança nacional da região. Nesse sentido, foi visionário”, afirma Ronaldo Lemos.
À PUC-PR, Ronaldo disse que “um dos principais avanços que o texto do Marco Civil da Internet trouxe foi a proteção da neutralidade de rede, princípio que impede a discriminação na raiz da conexão. Outro foi a definição das responsabilidades de provedores de aplicação de internet, como Google. A Lei nº 12.965/14i também aborda as garantias de liberdade de expressão e defesa do consumidor. Adotou a perspectiva multissetorial ao abordar a internet, ou seja, ela não é um fenômeno público e nem privado. Este ponto de vista já estava presente na Constituição de 1988, pois, aqui no Brasil, a rede foi desenvolvida tanto pela sociedade quanto pelo Estado”. Relembrou ainda que o Marco Civil da Internet foi construído de forma colaborativa, online e transparente, com a participação de representantes da comunidade científica, dos setores público e privado e da sociedade civil. Este processo fez com que a lei fosse reconhecida internacionalmente.
Sobre o debate que hoje em dia, mais uma vez os limites da tecnologia vem sendo trazidos à prova em razão da Inteligência Artificial, Ronaldo é enfático: “Sobre IA, eu me preocupo mais do que o Brasil pode fazer com ela do que com ficções apocalípticas. Deveríamos estar focados em como usar a IA para melhorar a educação no país, para reduzir a burocracia, para gerar empregos, capacitação e oportunidades. Em outras palavras precisamos de uma agenda propositiva para IA. E não ficarmos iludidos por essas ficções de fim do mundo”.
O advogado Ronaldo Lemos também é um dos autores do estudo que serviu de base para o Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT), realizado a pedido a pedido do então Ministério das Comunicações, Ciência, Tecnologia e Inovação e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A pesquisa foi desenvolvida entre 2016 e 2017 através de um consórcio de organizações. O Decreto nº 9.854, de 25 de junho de 2019 instituiu o Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT) e estabelece a livre concorrência e circulação de dados para estimular o desenvolvimento da IoT no Brasil, respeitando os princípios de segurança da informação e privacidade. O decreto dispõe ainda sobre a Câmara de Gestão e Acompanhamento do Desenvolvimento de Sistemas de Comunicação Máquina a Máquina e Internet das Coisas.
Artigos relacionados