Romeu e Julieta do sertão, “Velho Chico” impressiona por carga emocional, fotografia perfeita e cunho político. Mas não é o bastante…


Os seios de Carol Castro ganharam foco em mais de um take. Os nudes da bela atriz, somados à cenas de pós-sexo com Rodrigo Santoro e uso de cocaína numa capital distante do Nordeste deram o recado de que o conservadorismo de Benedito Ruy Barbosa sucumbiu – pelo menos um pouco – aos tempos modernos. Porque a vida é como folhetim: ou você rema a favor da maré ou o barco vira

Sem Morro da Macaca, da Babilônia ou semelhantes. Nada de funk, festas no Alto da Boa Vista, Leblon e Avenida Atlântica. Quase 15 anos depois de “O Rei do Gado”, o horário das 21h da Rede Globo entrou no túnel do tempo, se despiu de contemporaneidade (ler com louvor, por favor) e aportou às margens do Rio São Francisco. Ah, e que pouso. Com as pinceladas do diretor (para não dizer artista) Luiz Fernando Carvalho, o Velho Chico e seu entorno, a terra batida e a seca tomaram conta do horário nobre (com muita cor, bom citar). Ao som de “Triste Bahia” logo de cara, a novela de Benedito Ruy Barbosa deve muito crédito ao trabalho de Carvalho, o diretor que faz mais milagre que o próprio santo que dá nome ao rio – e à trama. Com um estilo que ganhou evidência em “Meu Pedacinho de Chão”, o folhetim foi entregue abarrotado de cenas com tom lírico e poético e uma plástica com um quê de sétima arte.

Luiz Fernando Carvalho ação (Fotos Cauá Franco/TV Globo)

Luiz Fernando Carvalho ação
(Fotos Cauá Franco/TV Globo)

Destaque para quatro sequências (muito para um capítulo cortado por três breaks e que não passou de uma hora): o embate entre Tarcísio Meira e Rodrigo Lombardi com direito a pistola, o sofrimento de Chico Diaz e Cyria Coentro com a seca – a importância da fé ficou evidente, a dor de mãe de Selma Egrei e, por fim, o falecimento de Tarcisão. Todos com cortes muito bem feitos, closes certamente posicionados, luz bem diferente das tramas anteriores e com uma dose de emoção que só os filhos do sertão sabem imprimir. Se os sotaques não foram executados com uniformidade pelo elenco, a turma da maquiagem e do figurino merece 10 com louvor. Ok, um gramofone em cena de final da década de 60 e a existência de capitães do mato levam o telespectador para tempos passados, mas há o questionamento da dona de casa: ‘Em que época exata estamos?’. Há falha quanto ao esclarecimento da temporaneidade.

velho chico

Tarcísio Meira e Rodrigo Lombardi: embate bonito de se ver (Foto: Reprodução)

“Velho Chico” está na época exploração da monocultura por parte de coronéis (domadores das rédeas do poder), dos resquícios da escravatura abolida ainda evidentes e dos padres mezzo conselheiros mezzo apartadores. Nas entrelinhas, o abuso de poder e sexual ganham luz. E foco, aliás, ganharam os seios de Carol Castro – em mais de um take. Os nudes da bela atriz, somados à cenas de pós-sexo com Rodrigo Santoro e uso de cocaína numa capital distante do Nordeste deram o recado de que o conservadorismo de Benedito Ruy Barbosa sucumbiu – pelo menos um pouco – aos tempos modernos. Porque a vida é como folhetim: ou você rema a favor da maré ou o barco vira. No mais, história de um Romeu e Julieta da caatinga já ganhou o prometido caráter político com um texto lúcido: “É do silêncio do povo que nascem os opressores. O povo não pode viver acovardado”, chegou a dizer o capitão Ernesto Rosa, interpretado por Rodrigo Lombardi.

Deu liga: Carol Castro e Rodrigo Santoro (Foto: Reprodução)

Deu liga: Carol Castro e Rodrigo Santoro (Foto: Reprodução)

Em um capítulo, “Velho Chico” mostrou uma boa impressão. Foi bonito ver close de uma pele castigada pela seca, as lavadeiras à beira da água e um rio de uma população ribeirinha sofrida por uma utópica transposição eleitoreira no horário de maior audiência da televisão brasileira. Mas, por precaução, utilizaremos de um trecho do próprio texto de Ruy Barbosa: “O coronel sabe que a coisa não se dá bem assim. O preço pode subir e descer”. Troque o coronel pelo autor e o preço pelo Ibope. Como toda primeira impressão pode mudar, a gente, Benedito, prefere ficar com os versos de Caetano Veloso que dão tom à abertura: “Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia”. É que, esperamos que entenda, a gente odeia “essa história”…de se antecipar.