Rodrigo Fagundes: “Comediante que ofende, agride, não passa de moleque contando piadas na hora do recreio”


Ao analisar o humor atual, o Armandinho, de “Cara e Coragem”, aponta que comédia de situação é a que mais tem visibilidade atualmente. Quanto aos humorísticos reprisados no canal Viva, lembra que algumas piadas são racista, homofóbica ou machista

* Por Carlos Lima Costa

Intérprete do Armandinho, de Cara e Coragem, Rodrigo Fagundes ganhou fama em todo o Brasil quando ainda atuava no Zorra Total e brilhava como Patrick e seu bordão ‘olha a faca’. O humorístico, em sua essência, lembrava programas dos anos 70 e 80. Com certo distanciamento e analisando o humor atual, ele reconhece que certas piadas não cabem mais. “Hoje em dia, sou uma das pessoas que falam do limite do humor. O mundo está evoluindo. As piadas têm que evoluir também. Há muitas pessoas que se dizem comediantes, mas não passam de moleques contando piadas na hora do recreio, sabe, aquelas que ofendem, agridem e têm cada vez menos espaço. No Zorra Total ainda víamos esse humor de apontar, falar características do outro. Lembro de contracenar com a Fabiana Karla, onde o personagem dela falava que o Patrick era gay e ele a chamava de gorda. Quer dizer, ali tem os nossos momentos errados na história. Mas aquilo representava a época. Que bom que o tempo andou e eu andei junto, porque tem gente que se recusa a evoluir e acha que deve continuar a fazer o de sempre. Sou um cara que fico pensando aonde posso ser engraçado e levar alegria sem agredir”, enfatiza.

Para Rodrigo, atualmente, a comédia de situação tem mais visibilidade e é o que ele prefere assistir como público. Quanto aos humorísticos antigos reprisados no canal Viva, o ator lembra que neles aparece uma tarja dizendo que o programa contém o comportamento da época. “É uma justificativa para alguma piada racista, homofóbica ou machista”, frisa ele, que em outubro vai celebrar cinco décadas de vida.

Rodrigo Fagundes, de Cara e Coragem, é contra ofensas no humor (Foto: Ricardo Penna)

“Meu Deus do Céu, nunca imaginei! Na minha cabeça quando tivesse essa idade eu seria o Mário Lago (1911-2002), sabe assim. Essa era a imagem que eu tinha. Mas o mundo também mudou muito e eu me sinto com 30. Mas o número 50 dá um peso. Costumo falar que estou entrando no segundo ato da minha vida, isso com o otimismo de chegar ao terceiro. Tento me cuidar, me exercitar para tentar ter uma vida saudável. Isso é importante, mas talvez o segredo de não parecer ter 50 é o meu jeito de criança de levar a vida. Então, o que eu puder estar brincando ou levando a vida de maneira mais leve no trabalho, com os amigos, com a família, eu farei. É tentar ver o lado bom de tudo, por pior que esteja”, comenta.

PERDA DA PROTAGONISTA DE SUA VIDA

Em agosto, vai completar um ano que Maria de Lourdes, mãe de Rodrigo morreu vítima da Covid, aos 77 anos. “Foi a pior dor que já senti, perdi a protagonista da minha vida. Tudo aconteceu em oito dias. Não gosto nem de falar muito, porque vou começar a querer chorar. A morte dela mexeu muito com a minha cabeça. Ela já tinha tomado as duas doses. Na época, não se falava em dose de reforço ainda. Só que ela tinha comorbidades, problema renal, era diabética. Foi entubada, estava para ser extubada, apareceu a bactéria e aí em um dia tomou o pulmão dela, que teve uma parada cardíaca e não aguentou. Foi horrível. Espero que não tenha sofrido muito, o médico disse que não, porque ficou sedada o tempo inteiro. Era minha grande incentivadora, tudo pra mim”, recorda ele que ainda não se recuperou.

“Tem dias que fico muito mal, tenho crises. Ela era muito presente na minha vida e na do Wendell (Bendelack, companheiro de Rodrigo), ficou um tempo aqui em casa, na pandemia, depois voltou para Juiz de Fora (MG). Enfim, a gente teve uma vida linda, sabe, só que da maneira como aconteceu, foi traumatizante. Me dá raiva. Minha mãe foi mais uma vítima da pandemia. Conheço pessoas que perderam três, quatro pessoas da família em um mês. Passamos por uma guerra e ficamos aqui tentando honrar os que se foram”, acrescenta. Ela havia chegado no Rio, quando testou positivo e retornou para a cidade mineira, onde o plano de saúde era melhor, caso precisasse de um hospital. “Fiquei sem máscara perto dela e dois dias depois positivei, nem pude ficar com ela. Essa doença é uma loteria maldita. Comigo foi tranquilo, tratei em casa com dipirona. E o Wendell não teve, olha que loucura”, observa Rodrigo, que já havia testado positivo, em janeiro de 2021, e em janeiro deste ano, teve a doença pela terceira vez, sempre com sintomas leves. Uma semana antes de morrer, a mãe de Rodrigo, que acaba de ser imunizado com a quarta dose, soube que ele iria atuar em Cara e Coragem.

A morte da minha mãe, vítima da Covid, foi a pior dor que já senti. Tudo aconteceu em oito dias. Não gosto nem de falar muito, porque começo a querer chorar – Rodrigo Fagundes

Armandinho, personagem do ator na novela, é dono da Êxito Dublês e foi um deles no passado. Na vida real, Rodrigo conta: “Com 20 e poucos anos eu gostava de escalar, fazia trilha em lugar perigoso, montanhoso e curtia montanha-russa maluca, bem radical. Hoje em dia, não passo perto. A idade traz um medo. Isso é algo bom. Eu nunca saltei de paraquedas, parapente. Mas tinha vontade. Hoje, não faço isso nem por um cachê. Tem montanhas-russas que eu não ando mais (risos). Agora, sou mais cauteloso”, confessa.

Rodrigo Fagundes, chefe de dublês, em Cara e Coragem, ele não é adepto de riscos na vida (Foto: Ricardo Penna)

Rodrigo ainda escuta do público o bordão ‘olha a faca’, do Patrick, de Zorra Total (Foto: Ricardo Penna)

Em breve, Armandinho vai fechar a empresa e virar funcionário de Pat (Paolla Oliveira) e do Moa (Marcelo Serrado), na Coragem.com. “Ele é um cara com autoestima delirante. A gente vê pelo figurino, pelo jeito ousado, que se acha muito. Estou até aprendendo com ele. Preciso muito dessa autoestima. Às vezes, fico com medo de tomar uma atitude, fazer algo. O Armandinho não, ele enfrenta, é cara de pau e nessa, comete excessos. Por exemplo, tem a relação com as três ex-mulheres. Ele vai tomar uma tremenda de uma bordoada. E hoje em dia essa discussão o lugar do homem. Ele não é machista, mas tem coisas enraizadas, de achar que o homem pode passar a perna na mulher e ele vai ter que ouvir as ex de uma maneira como nunca ouviu antes”, adianta.

Para criar o personagem, Rodrigo se inspirou no Scarface, vivido por Al Pacino, no cinema, e no Coalhada e no Justo Veríssimo, criações de Chico Anysio (1931-2012). “Pra mim, ele foi um dos maiores do mundo. Chico chegou a fazer o final do Zorra, entrava no estúdio de cadeira de rodas. Lembro da primeira vez que o vi. Falei que era um prazer conhecê-lo, ele me olhou e falou: ‘Você é muito bom rapaz’. Eu me emocionei. Nunca tive a oportunidade de contracenar com ele. Pedi muito para escreverem algo e não aconteceu. É uma mágoa que eu tenho”, revela.

“Não tive a oportunidade de contracenar com o Chico Anysio, no Zorra Total. Pedi muito para escreverem algo e não aconteceu. É mágoa que eu tenho”, revela o ator (Foto: Ricardo Penna)

Em novelas, o Nelito, de Pega Pega, foi o primeiro destaque de Rodrigo. “Eu considero a minha estreia no gênero. Antes fiz Babilônia (logo depois de sair da Zorra Total), mas acabou virando uma participação. Teve a história toda do beijo das personagens da Fernanda Montenegro e da Nathalia Timberg, que foi rechaçado, então, muitas tramas mudaram e meu personagem não desenvolveu quanto eu gostaria. Mas valeu como experiência para ver como funcionava uma novela por dentro. Pega Pega foi um desafio, meu personagem era cheio de camadas, tinha um outro lugar da comédia. Estava acostumado com um tom mais caricato, exagerado. E tive cenas dramáticas com Vanessa Giácomo e o Marcos Caruso. Me orgulho disso. Fora que me tornei amigo dos dois para sempre, a gente se fala quase todo dia”, conta.

Rodrigo também exalta o atual trabalho. “O Armandinho já cai no lugar de um personagem em uma temperatura que nunca fiz na TV. Ele me tira da minha zona de conforto, ainda que eu esteja fazendo humor. Ele tem uma testosterona, se garante muito. Esse cara se acha. O público fala que devo ser menos cruel e que sente saudade do Nelito, mas Armandinho não é vilão”, explica.

DUAS DÉCADAS DE AMOR COM WENDELL BENDELACK

Quando a novela acabar, Rodrigo planeja encenar novamente com Wendell, o espetáculo Susto, de Saulo Sisnando, em São Paulo. Os dois estiveram em cartaz com ela no início de 2019, no Rio. “Nos salvamos muito em cena. Wendel é muito criativo, escreve, dirige, interpreta. Eu amo tanto, é fácil falar dele. Aprendo com ele todo dia”, ressalta.

Hoje, Rodrigo fala abertamente da relação com Wendell, mas nem sempre foi assim. “Vou ser sincero. Somos educados e treinados na nossa sociedade a esconder, então, já sofri muito com isso e por ser ator mesmo. Na época do Zorra Total, quando interpretava o Patrick, que era um personagem afeminado, muito a minha essência, em algumas entrevistas me perguntavam se eu era gay e eu respondia que ‘não’, porque tinha medo. Lembro de uma senhora, que me falou: ‘Gosto muito de você, mas você não é bicha não, não é?’ Eu olhei para a cara dela e não tive reação. Ela fez um gesto de mão levantada, como se pudesse me bater. Sobre essa questão de ser gay, eu e o Wendell só começamos a falar depois do casamento da Camila Queiroz com o Klebber Toledo, em Jericoacoara, em 2018, onde tiramos uma foto em um balanço cheio de flor e saiu em um site falando que éramos um casal, enfim mexeram no nosso Instagram. Nunca levantamos bandeira, mas nunca escondemos o mastro, a nossa relação. Nosso Instagram sempre foi aberto. E todos que nos entrevistaram nos trataram com respeito, como tem que ser”, reflete.

Rodrigo Fagundes completa 20 anos de relação com Wendell Bendelack, em 2023 (Foto: Reprodução Instagram)

E prossegue: “Acho também que desse governo do (Jair) Bolsonaro para cá, resolvemos mostrar para todo mundo que a nossa vida é tão comum e igual a de um casal hétero.Temos os nossos problemas, não é um mar de rosas, mas somos parceiros, nos amamos. Não temos problema em falar isso para o mundo. Agora, mesmo se eu tivesse uma relação de 19 anos com uma mulher, por exemplo, não sei se eu ficaria o tempo todo me expondo. Mas, agora, adoro falar. Quero que o mundo saiba mesmo como eu o amo, como jogamos juntos, somos parceiros na vida, na arte. O segredo é um saber que não vai mudar o outro e é um dia de cada vez”, pontua.

E lembra da ação de haters. “Falando de quem é gay, acho que cada um tem o seu tempo, o seu direito de se expor da maneira que achar melhor, porque o mundo é agressivo. Eu recebo muita maldade na minha rede social, às vezes, denuncio, vou atrás. O Carmo Dalla Vecchia passou por isso agora, ele denunciou. Não é fácil, mas é gratificante poder não ter medo de ser quem eu sou e de não faltar trabalho pra mim, porque antes afetava, principalmente quem era galã. Eu não sou galã, mas os que eram, não podiam falar. Sou de uma geração que a palavra homossexual era como algo escondido, um gueto. Essas pessoas todas que vieram na frente lutando e se expondo têm toda a minha admiração e todo mundo está aí pra ver que o mundo não pode se pautar pela orientação sexual. É uma ignorância isso. Se preocupam demais com quem você está deitando. É gente recalcada. Quem enche o saco é porque está com a vida mal resolvida. O legal da diversidade é saber conviver com todos de maneira no mínimo compreensiva. O mundo precisa de mais educação e afeto”, analisa.

O legal da diversidade é saber conviver com todos de maneira no mínimo compreensiva. O mundo precisa de mais educação e afeto – Rodrigo Fagundes

Rodrigo e Wendell completam 20 anos de relação, em 13 de junho de 2023. “Anunciamos que íamos fazer casamento, estávamos pensando em uma festa, só que a morte da minha mãe nos abalou muito. Mas como ela gostava tanto de celebração, acho que em algum momento vamos festejar sim a nossa união. E 20 anos é um número simbólico”, observa.

No primeiro trimestre do ano passado, o casal adotou duas gatas, Agatha e Emily. “É a primeira vez que temos bicho juntos. Elas são as rainhas da casa, fazemos tudo por elas”, diz e entrega que os dois não planejam ter filhos. “Tenho seis sobrinhos e mais quatro da família dele, vai de criança, adolescente e adulto, então, é um lugar que pra gente está bem preenchido. Sou tio que pareço pai, brinco com eles, saio, mostro filmes, levo para o cinema. Tenho talento para ser pai, mas não tenho a vocação. É muita responsabilidade. Falo pelo Wendell também. Já conversamos sobre isso. E, por enquanto, não temos essa vontade”, assegura.

 

“Tenho talento para ser pai, mas não tenho a vocação. É muita responsabilidade. Falo pelo Wendell também. Por enquanto, não temos essa vontade”, conta (Foto: Ricardo Penna)

Os dois se conheceram em 1996, na CAL – Casa das Artes de Laranjeiras. Não estudavam na mesma turma, mas se esbarravam em festas. “Nos apaixonamos somente em 2003. Eu fui ver uma peça que ele fazia e a Tatá Lopes, teve a ideia do Surto e decidimos chamar a Flávia Guedes e ele. “Então, nos encontrávamos para ensaiar, escrever, dirigir, produzir o que seria o Surto e aí nos apaixonamos. Mas sempre nos demos bem, sempre existiu uma sintonia, que esperou só a hora certa para se concretizar”, recorda.

Juntos, estrearam na TV na segunda temporada de Sexo Frágil. “Foi nosso primeiro contrato na Globo, em 2004. O João Falcão e a Flávia Lacerda foram assistir o Surto e nos chamaram para o elenco de apoio. Íamos trabalhar juntos, era muito legal.” Wendell também fez parte de Pega Pega, mas como colaborador da autora Claudia Souto. Ele exerceu a mesma função em Nos Tempos do Imperador.

Fabiana Karla e Rodrigo Fagundes, no Zorra Total (Foto: TV Globo/Rafael França)

Por sua vez, Rodrigo realizou alguns trabalhos na pandemia. Com o diretor Hsu Chien, fez uma participação no filme Me Tira da Mira, que já está no streaming, e no longa-metragem Desapega. “Neste eu realizei o sonho de contracenar com Gloria Pires. Ela vive uma mulher compulsiva, tem mania de comprar tudo e eu faço um cara que passa em um carro anunciando um monte de produto para vender. É uma cena muito engraçada. Nós já havíamos estado na mesma novela, Babilônia, mas nem passei perto dela”, conta ele, que gravou também um episódio do humorístico Plantão Sem Fim, do Rodrigo Sant’Anna, no Multishow.

“Ele é um irmão que a arte me deu. Tudo que ele me chama para fazer, não quero nem saber o que é, mas topo”, diz. E o curta-metragem Dás um Banho, Zé Perri!, onde interpretou o escritor francês Antoine de Saint- Exupéry (1900-1944), autor de O Pequeno Príncipe. “Já ganhou vários prêmios, em festivais pelo mundo”, conta e se diverte com a curiosidade que seu sobrenome gera em relação a um possível parentesco com o ator Antonio Fagundes. “Eu sempre falo ‘quem me dera’. E nessa novela eu conheci o Bruno Fagundes, filho dele. Já nos declaramos irmãos, a gente só se chama de irmão, parece um amigo de infância. E olha que loucura. O meu pai chamava Victorino Antonio Fagundes (morreu em 2015). E, claro, sou fã do Antonio Fagundes, tenho uma grande admiração pelo trabalho dele”, finaliza.