Robson Torinni, de “Família é Tudo”, sucesso das 19h, desabafa sobre preconceito: “Escondia o nordestino que sou”


A novela “Família é Tudo”, novela de 19h, que a despeito das críticas, vem fazendo um grande sucesso de audiência. Na trama de Daniel Ortiz, o ator vive Cláudio, um skatista que não consegue ligar com o fato de haver, no passado, ter sido vencido por Tom (Renato Góes). Além de tudo, é um homem arraigado de preconceitos. Preconceito, aliás, do qual o próprio ator foi alvo. Nascido em Pernambuco, Robson viu de perto a resistência que o Brasil ainda tem com nordestinos. Num desfile, na época em que ele era modelo, disseram ser impossível que um nordestino fosse bonito. O ator também estará, em breve, representando o Brasil na França com a peça “Tebas Land”

*por Vítor Antunes

Marcas de um tempo que não existe mais (não existe mais?), a invisibilização do Nordeste estava presente em várias situações: tanto através da ausência da voz no sotaque, como por meio dos atores e dos saberes da região. Tudo era ou silenciado ou estereotipado. “Família é Tudo“, novela de sucesso às 19h, traz atores originados na região com algum destaque. Um deles é Robson Torinni, o vilão da trama de Daniel Ortiz. Na novela, ele dá vida a Claudio, um skatista do mal, que rivaliza com Tom (Renato Góes). Aliás, tanto Robson como Renato e a – suposta – protagonista da novela, Arlete Salles, são pernambucanos. Houve uma demora para esse destaque na cena artística. Conforme Fafá de Belém declarou em entrevista para o Site Heloisa Tolipan, acreditava-se que o Brasil acabava na Bahia. “Acho importante o protagonismo atual do Nordeste. Saí de lá aos 19 anos para trabalhar com moda e sofri por ter sotaque”.

Certa vez no São Paulo Fashion Week, um maquiador me perguntou de onde eu era e quando disse ser pernambucano ele retrucou: “E lá tem gente bonita?”. Eu chorei muito, por que sempre me mandavam tirar o sotaque e assim fui escondendo o nordestino que sou. Se fosse hoje em dia se fosse hoje em dia eu não teria saído de Pernambuco. Tenho amigos que se mantiveram no Recife, fazem séries, novelas e moram lá, que é um pólo de cinema gigantesco – Robson Torinni

“Família é Tudo” é a primeira novela em que Robson Torinni tem um maior destaque. Ele trabalhou em “Velho Chico” e “A Dona do Pedaço” anteriormente, novelas das 21h. As da faixa das 19h têm uma estética diferente, um ritmo, uma proposta. “Um texto mais ligeiro. O Daniel Ortiz, autor, inclusive, nem usa ponto. Só reticências. Ele sabe o que quer, não tem como errar”. Sobre Cláudio, seu personagem, ele diz que, por ser um homem mau, poderia ser fácil cair na armadilha da caricatura, mas a direção precisa e o texto de Ortiz impedem que isso ocorra. “Ele tem ações racistas, inclusive. Entendo que ele é um cara que foi criado assim e que hoje em dia há quem esteja saindo da casinha com relação ao preconceito. Ele fala disso com a naturalidade cotidiana. São cenas que a novela traz e que permitem o questionamento”, pondera. O que Torinni também sinaliza é que haverá embates pesados entre ele e o personagem de Renato Góes. Ambos têm uma rixa do passado. Rivalizavam, e o personagem de Robson saía sempre em prejuízo.

Pernambuco tem bolo de rolo, Luiz Gonzaga, Alceu Valença e Olinda. Claro que vamos nos orgulhar de sermos quem somos – Robson Torinni

Robson Torinni faz seu primeiro papel de destaque em “Família é Tudo” e levará arte brasileira para a França (foto: Lucio Luna)

LEÃO DO NORTE

Lenine, compositor pernambucano, disse certa vez que seu estado natal é tão diversificado que em seu nome não há ao menos uma letra que se repita. Pernambuco, realmente, é assim. Tal como Robson Torinni. O ator está no ar em novela, teatro, série. “Estou aprendendo muito sobre o que é fazer novela. Vejo as pessoas e me dedico a ser uma esponja”. Além deste trabalho na Globo, ele está em uma série na TV Brasil, “Entre Longes“, que foi seu primeiro protagonista no audiovisual. Trata-se de um projeto rodado em Cuiabá sobre Rachel Steingruber (1918-2006), enfermeira suíça que cuidou de pessoas que padeciam de assistência médica no Estado do Mato Grosso. O personagem de Robson é um homem que lida com bichos, o que rememora a infância do ator que cresceu num sítio.

Outro projeto que ganha corpo é “Tebas Land“, espetáculo pungente que acompanha os encontros de um jovem parricida e um dramaturgo interessado em escrever a história do crime em questão. “Tebas permitiu que me olhassem de outra forma, já que ganhei prêmios e notoriedade”. A montagem agora será encenada em Paris, para o festival de Avignon entre junho e julho. Trata-se de um projeto que soma esforços da França e do Brasil. O valor reconhecido fez com que a peça seja apresentada em português, com legendas em francês. Ainda que seja um sucesso e esteja em palcos estrangeiros por seu reconhecido valor, Robson lamenta que seja tão difícil fazer teatro no Brasil. “Os atores na França, quando não estão ensaiando ou gravando, eles recebem para estar de férias, já que quando estão trabalhando pagam imposto. É outra realidade, outra visão. Daí a importância da cultura, da formação de plateia. Lá fora, ser artista não é visto como um subemprego”.

Tebas Land, espetáculo que traz a crueza do ser humano (Foto: Divulgação)

“Tebas” é uma peça contundente. Há dez anos, Robson esteve no elenco de “Dzi Croquettes em Bandália” peça que revisitava os icônicos Dzi Croquettes, grupo que nos Anos 1970 trazia homens vestidos de mulher, androginia e transgressão. Há tempo para peças assim hoje, num momento em que o conservadorismo dá as caras? “Como a peça traz um grande desbunde, ia causar burburinho. Mas, não tenho dúvida. Os conservadores não assistiriam. Na época em que montamos não havia essa polarização à flor da pele e não houve recusa, mas um grande público, uma grande audiência, e uma boa resposta às críticas”.

Transgressão, androginia e desbunde em Dzi Croquettes (Foto: Alex Ribeiro)

Nascido em Garanhuns, Robson destaca onde percebe sua raiz mais presente: “Na minha força de produzir. Falam muito que o nordestino é forte e somos. Lembro de ver gente comendo cacto de palma para sobreviver e cuja força também estava ali, na sobrevivência diante da fome, pelo instinto. Hoje eu luto pela sobrevivência do que há em mim”. Pulsa em Robson o coração do folclore, os bonecos de Vitalino, a ciranda de Lia, os versos de Capiba, os mamulengos de São Bento do Una. A força bravia de um herdeiro de Nassau. Com a mudança de nomenclatura das regiões, Pernambuco deixou de ficar no Norte, mas segue imorredouro em seu peito, o rugido do Leão, que tem a liberdade como Norte.