“Rio 2”: com a exuberância que o Brasil permite, o filme evoca o mais genial dos coreógrafos da Era de Ouro!


Entre todas as homenagens e citações ao Brasil contemporâneo, Carlos Saldanha faz uma viagem no tempo e bebe da poção mágica de Busby Berkeley!

O diretor Carlos Saldanha apela para a brasilidade como ingrediente para vitaminar “Rio 2” (idem, 20th Century Fox e Blue Sky, 2014), a continuação da saga que conta a história das ararinhas azuis e que estréia nesta quinta em todo o Brasil. Desta vez, além de evocar a Cidade Maravilhosa na parte inicial do filme, com a celebração do Réveillon (no lugar do carnaval do primeiro filme) reproduzida de maneira deslumbrante, ele traz a exuberância da Amazônia para o enredo, deslocando os personagens para este habitat colorido. Ponto para o desenho animado que, apesar do nome, tem boa parte da ação passada na floresta esmeralda, partida para a adição de novos tipos, como a minúscula rã colorida e venenosa. Os protagonistas Blu e Jade – assim como o casal de humanos que co-protagoniza a aventura – continuam envolventes, mas agora os coadjuvantes dão as cartas, sobretudo os figurantes da selva, responsáveis por boas tiradas, como as capivaras dançantes e o tamanduá. Nesse ponto, se mostra um gol de placa oferecer ao público a rica fauna e flora da região, dificilmente retratada em cartoons, já que é mais habitual ter a sua correspondente africana comparecendo nas animações – como na série “Madagascar”. Assim como “Amazônia Planeta Verde” (de Thierry Ragobert, 2013) , o filme meio documentário, meio ficção que narra a história de um macaquinho criado em cativeiro e solto na bacia amazônica após um acidente – que abriu o Festival do Rio em 2013 – revelar sob novo olhar criativo as belezas desse ecossistema se constitui em acerto e, claro, uma novidade em termos de longa de animação mainstream.

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Fotos (Divulgação)

Com forte tinta em torno de questões atuais como ecologia e sustentabilidade, o filme procura passar o dever de casa para a plateia, sobretudo as crianças maiores. “Embora sua função primordial seja divertir como um genuíno produto de Hollywood, eu fico satisfeito quando percebo que, através do meu trabalho, posso ajudar a fazer a diferença, informando crianças, principalmente as maiores, sobre questões como preservação ambiental. São elas que poderão tomar atitudes significativas amanhã em prol do planeta”, deixa claro o Saldanha na coletiva que promoveu o longa-metragem. Por isso, a produção apóia o Projeto Ararinha na Natureza, que reúne várias entidades a favor desses animais no Brasil. E, de quebra, pela junção do time de personagens em azul vivo com a selva tropical, o longa ainda remete a outro blockbuster da recente cinematografia, igualmente detentor de colorido feérico e que também envereda pela questão ecológica : “Avatar” (idem, de James Cameron, 20th Century Fox, 2009). Não por acaso, os dois longas pertencem ao mesmo estúdio (Fox).

No mais, tão importante quanto isso, a proximidade com a Copa do Mundo é outro atrativo, possivelmente uma forte razão para trazer o esporte como mais um elemento do roteiro, comparecendo em divertida partida de futebol entre times de araras rivais, azuis e vermelhas, alusão às cores dos bois Caprichoso e Garantido, agremiações no Festival Folclórico de Parintins.

Mas, apesar da eloqüência visual e das boas sacadas de humor, o filme carece de um vilão que esteja à altura dos protagonistas em um desenho animado dessa magnitude comercial, condição sine qua non para a empatia do conjunto junto ao público. O maniqueísmo nesse tipo de produção, com mocinhos virtuosos e vilões execráveis (que podem até ter sua porção de humor) é essencial para despertar a paixão do público adulto e infantil e, dessa vez, a ausência de personagens que cumpram esse papel dilui a história, que fica morna, apesar das gags divertidas e do capricho visual. Falta uma Madrasta de Cinderella, uma bruxa má, um Jafar, um Scar, quem quer que seja para antagonizar de verdade com Blu, Jade e sua prole, assim como no original, que apresentava os traficantes de fauna exótica. Erro clássico que Walt Disney e sua trupe jamais cometeriam. Até a cacatua Nigel, que continua comparecendo nesta sequência, surge agora como um mero coadjuvante pontual, de verve cômica, faltando alguém de timbre realmente vilanesco, já que nem o grupo de araras rivais, nem os madeireiros ilegais são suficientemente explorados nesse âmbito. Como diria o agente Austin Powers: “Falta mojo, babe!”

Rio 2: na telona, a exuberância da Floresta Amazônica dá prosseguimento ao exotismo da Cidade Maravilhosa (Foto: Divulgação)

Rio 2: na telona, a exuberância da Floresta Amazônica dá prosseguimento ao exotismo da Cidade Maravilhosa (Foto: Divulgação)

Ainda assim, o longa-metragem ganha com a exposição da cultura nacional, em especial na trilha sonora comandada por dois brasileiros, Sergio Mendes e Carlinhos Brown, e um inglês, o orquestrador John Powell, à frente de nomes como Will.i.amJanelle MonáeUaktiBarbatuques e Milton Nascimento. E, embora o diretor negue a ligação direta das coreografias apresentadas nos números musicais com o mestre Busby Berkeley (1895-1976), preferindo afirmar que a inspiração são os ritmos do Norte e Nordeste, é impossível não associar sua plasticidade com a caleidoscopia do revolucionário e extravagante criador que se tornou célebre no gênero musical, quando este promovia o escapismo no período que sucedeu à grande depressão. São pura antologia cinematográfica as cenas criadas por este para filmes como “Cavadoras de Ouro” (Gold Diggers, de Mervin LeRoy, Warner Bros, 1933) e, mais tarde, “Entre a Loura e a Morena” (The Gang’s All here, dirigido pelo coreógrafo, 20th Century Fox, 1943), este, não por acaso, um marco da década de 1940, estrelado por uma Carmen Miranda em plena forma, dentro da espetaculosidade cinematográfica usada para evocar a mesma brasilidade que Saldanha pretende alcançar em “Rio 2”. Com asas e plumagens de pássaros fazendo às vezes dos adereços de cena que Berkeley usava em seus números – como leques, violinos, pianos de calda e cartolas – o cineasta brazuca presta uma bela homenagem tanto à Hollywood clássica quanto sua forma inconfundível de retratar as maravilhas tupiniquins, motivo que, por si só, já justifica a ida à sala de exibição.

Abaixo, assista ao trailer do filme (Divulgação), veja os vídeos com coreografias lendárias de Busby Berkeley, confira o filme e tire sua conclusão! 

Trailer de Rio 2

Coreografia de Busby Berkeley para “We’re in the money”, do filme Gold Diggers (1933)

Sequência de violino criada por Busby Berkeley para “Gold Diggers”, de Mervyn  LeRoy (1933)

“The Lady In The Tutti Frutti Hat”, por Berkeley, criada para “Entre a Loura e a Morena” (The Gang’s all Here, 1943)